Confundido por produtores os quais possuem pouca identificação com esporte ou atividades de natureza, os filmes outdoor tem pouca relação com filmes publicitários.
Ambos as modalidades tem seu valor e possuem seu público próprio.
Prova disso é que com filmes publicitários é possível vender margarina em 30 segundos de exibição.
Por isso é importante saber que linguagem publicitária pode ser usada (desde que em doses homeopáticas) em filmes e documentários sobre esportes de natureza, mas não deve tratar a inteligência do espectador com desdém (especialmente menosprezar sua capacidade de compreensão) ao tentar enfiar produto ou atleta goela abaixo.
Este tipo de cuidado foi completamente ignorado pelos produtores do filme De volta a Teahupoo (Back to Teahupoo), que documenta a surfista Maya Gabeira frente a desafios de ondas gigantes após acidente ocorrido no mesmo lugar referenciado no título.
Detalhes do acidente foram apenas esmiuçados com depoimentos da própria Gabeira além de seu treinador e staff.
Imagens bonitas e imponentes das ondas gigantes faz até mesmo quem não surfa suar as mãos.
Após o acidente Maya se retirou para um tratamento delicado que a recuperou fisicamente e, em teoria, psicologicamente.
Terminado a recuperação Maya Gabeira volta à Teahupoo para enfrentar ondas gigantes novamente.
Neste enfrentamento deve superar além dos riscos, os traumas que por ventura possam ter ficado na sua mente.
Apesar de ter um enredo interessante, e que explora o sentimento comum a todos os esportistas, a superação, o filme desde o seu início não empolga e soa muitas vezes como reportagem de gaveta sobre surf e a própria Maya Gabeira.
Inserções grosseiras da marca do patrocinador pontuando toda a exibição consegue evidenciar um descuido quase amador de roteiro e edição.
A valorização parece ser somente da marca e não da atleta.
A passagem do período do acidente (com nenhuma imagem captada) ao retorno, deixa a impressão de que a recuperação foi fácil e simples.
Um escorregão evidenciado pela omissão de declarações de médicos, imagens da atleta no início da recuperação e tipo de técnicas fisioterápicas usadas.
Houve uma preocupação quase que juvenil em mostrar apenas a beleza física de Maya Gabeira, como se a recuperação psicológica da atleta fosse semelhante ao do Robocop (no filme clássico e no remake).
É notório que qualquer atleta que tenha traumas e acidentes que a recuperação é delicada e demanda muito mais esforço que o físico.
Ignorar a realidade disso é desrespeitar a inteligência do espectador
As omissões do lado humano que parecem ter sido substituídas pela preocupação excessiva e deselegante de firmar a marca (e não o esporte ou a atleta) na cabeça do espectador.
Desde o início a atleta sequer é apresentada de maneira adequada, além de querer apenas documentar o glamour de vida de surfista em detrimento da realidade de treinos e recuperação física.
Utilizando trilha sonora genérica e semelhante a chamadas de programas do gênero de “Reality Show”, “De volta a Teahupoo” chega ao seu final utilizando apenas coletâneas aleatórias de imagens de surfistas, incisões grosseiras, e muitas vezes desnecessárias, da marca patrocinadora.
A fotografia também deixa a desejar ignorando itens simples como regra dos terços e acabou por desperdiçar boas imagens de surfistas, praias e detalhes de equipamento.
Algumas tomadas foram repetitivas e se assemelhavam muito, dando a impressão de “reciclagem” de cenas.
A produção é mais um exemplo de que mesmo tendo “rios de dinheiro” para produzir um filme outdoor (o que no caso o patrocinador deste vem insistindo constantemente nos últimos dois anos) a garantia de qualidade é quase nula.
O filme portanto entra para o conjunto obras de qualidade duvidosa realizadas pelo seu patrocinador, que tem se dedicado insistentemente a estereotipar esportes de natureza do que realizar produções de qualidade.
“De volta a Teahupoo” é portanto apenas um anúncio de margarina muito longo e que poderia ser resumido aos clássicos 30 segundos de propaganda devido à pouca profundidade apresentada.
Nota Revista Blog de Escalada:
Formado em Engenharia Civil e Ciências da Computação, começou a escalar em 2001 e escalou no Brasil, Áustria, EUA, Espanha, Argentina e Chile. Já viajou de mochilão pelo Brasil, EUA, Áustria, República Tcheca, República Eslovaca, Hungria, Eslovênia, Itália, Argentina, Chile, Espanha, Uruguai, Paraguai, Holanda, Alemanha, México e Canadá. Realizou o Caminho de Santiago, percorrendo seus 777 km em 28 dias. Em 2018 foi o único latino-americano a cobrir a estreia da escalada nos Jogos Olímpicos da Juventude e tornou-se o primeiro cronista esportivo sobre escalada do Jornal esportivo Lance! e Rádio Poliesportiva.