Escalando (vivendo) com mais fluidez – Flow, MindFlow e Fluxo Mental

Fluxo Mental

Sabe aquele seu filho, sobrinho ou afilhado que acabara de nascer?

Agora não se lembrará mais deles.

Aquela dor da perda de um ente querido, de um emprego estimado e necessário ou rusga com um amigo?

Aqui esses sentimentos não mais lhe ocorrerão.

Seu próprio aniversário ou aquela nova paixão?

Se esvanecerão como vapor inútil também.

E aquela voz que lhe sussurra ao ouvido te chamando de covarde, fraco, te faz revirar- se e acordar suado no meio da madrugada, também não preencherá espaço em sua mente enquanto estiver aqui.

Dívidas, saldos, louros, mazelas, nada, absolutamente nada lhe ocorrerá ou passará pela sua mente agora.

As coisas seguirão seu fluxo naturalmente e sem intervenções, como um rio que só pode correr pro mar, como a água que sendo amorfa se conforma e se adapta.

MindFlow

Há alguns anos um amigo, Danilo Herbert vocalista de uma banda Brasileira de Metal Progressivo que compõe e canta em inglês e é mais conhecida lá fora do que no Brasil, convidou-me para um show deles em que abririam para a banda norte americana mundialmente conhecida Megadeth.

Danilo sem sombras de dúvida é o cara mais calmo, tranqüilo e introspectivo que já conheci, mas no palco à frente da banda, quando atinge notas extremamente altas ao mesmo tempo que afinadas, com seu estilo performático arrojado, ele se faz quase irreconhecível. O nome de sua banda ajuda um pouco a desvendar esse mistério, mindflow.

À época não compreendi muito bem essa expressão, tudo que fiz foi uma breve tradução literal da expressão, fluxo mental. Mas descobri que mindflow vai muito, muito mais além.

Flow

Flow é um termo que vem do inglês ‘’Estado ou Experiência de fluxo’’, conceito que foi desenvolvido na década de 70 pelo renomado psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi (esses húngaros e seus nomes sem vogais rsrsrs). Csikszentmihalyi (nomezinho do cara… rsrsrs) autor do best seller ‘’Flow: The Psychology of Optional Experience’’, definiu o flow como o estado mental onde corpo e mente fluem em perfeita harmonia, um estado de excelência, quando capacidades como a motivação, concentração, energia e desempenho se mostram super elevadas.

As experiências de flow, também chamadas de experiências máximas, geralmente são relatadas como os momentos mais felizes da vida das pessoas, quando se sentiram em sua máxima potência de agir (Espinosa), e se tornam parte do que estavam fazendo. O flow costuma ser alcançado quando fazemos aquilo de que realmente gostamos de fazer, podendo ocorrer enquanto escalamos, esculpimos, pintamos, lecionamos, escrevemos, ou durante o casamento (será? rsrsrs).

Foto: http://hazelfindlayclimbing.com

Na vida cotidiana é reincidente nossa razão e emoção entrarem em conflito, deixando-nos em dúvida quanto à ação a adotarmos. Na experiência de flow isso não acontece: pensamentos, emoções e ações jamais se conflitam, caminham juntos e são complementares.

Nos dois artigos anteriores, “Afinal por que sentimos medo? Uma abordagem neurocientífica descontraída” e “Uma análise sobre o foco e quedas para a escalada e a vida“, tentei elucidar no primeiro o que é e porque sentimos medo, e no segundo discuti o foco além de algumas estratégias para não o perdermos de vista. Agora pra encerrar essa série sobre o comportamento humano frente às adversidades e desafios da vida ou da montanha, como queiram, trataremos do Flow (fluxo – fluir).

Fluir

Para atingirmos o estado de flow, algumas coisas são fundamentais e a principal delas parece ser o engajamento, que é quando os desafios que nos são impostos se alinham com nossas competências ou habilidades. Quando nos é atribuída uma tarefa qualquer, por exemplo, e esta não nos exige muito esforço para que a executemos, somos tomados por tédio, monotonia, não nos sentimos engajados.

Já quando somos desafiados para afazeres muito além de nossas capacidades, tendemos ao fracasso, sentimo-nos frustrados, decepcionados. Agora, quando encontramos uma linha tênue entre nossos desafios e nossas competências, realizamos essas tarefas com extremo engajamento, isso por que entramos no estado de flow. As coisas ocorrem de forma contínua, natural e ininterrupta. Tudo flui como a água que corre.

Digamos que você já escale há algum tempo. E que escale vias com graduações de 6° grau. Então, por comodidade ou recusa ao abandono de sua zona de conforto, decide escalar somente vias de 5° grau por semanas, meses, até o dia em que desiste da escalada, pois caiu no tédio, na monotonia. Não se sente mais desafiado ou motivado.

Foto: http://www.womensmovement.com

Mudemos de estratégia. Agora de um modesto 5° grau você da um salto estratosférico, conhece uma rapaziada mais experiente e se atira em vias de escalada de 8°grau. Você cai tantas vezes e fica tão longe de completar uma única via que é tomado pela frustração, decepção e impotência. Deu o famoso passo maior do que as próprias pernas, e desiste também.

Andradas-MG 07 de junho de 2014. Eu tinha poucos meses de escalada, escalava algo entre 5 e 6° grau em paredes esportivas bem protegidas. Decidi com alguns amigos, um deles até muito experiente em escalada em altas montanhas, escalar a via tradicional Nimbus, uma via que completa outra de que não me lembro o nome agora e que no total tem 220 metros de altura com dois crux bem definidos de 5° grau.

Ao chegar à base da montanha por algum motivo comuniquei a meus parceiros que escalaria no estilo free solo, não passaria costuras ou cordas em nenhuma das proteções, seríamos eu e a montanha somente. Sobre a montanha só sabia que se tratava de um imenso maciço de granito. O croqui da via eu nunca vi até hoje (rsrsrs).

Eu me lembro apenas de alguém dizer algo do tipo: É só seguir reto e pra cima (rsrsrs). Eu estava em flow, in the zone (a zona), como chama a psicologia esportiva. Os desafios que aquela via me impunha se alinhavam perfeitamente com a minha capacidade ou competência em cumpri-la. A altura da via, o vento ensurdecedor que dificultava o meu equilíbrio, as pedras que se soltavam na ponta de meus dedos não me afastavam do meu foco: escalar um metro de cada vez. Eu vivia o aqui e o agora. Cada segundo e cada centímetro eram únicos. Quando errei o crux e tive que retroceder e fazer do jeito certo, o medo não me dominou. Tudo parecia fluir sob o meu controle. Era só respirar lentamente e fazer o que era necessário. E tudo isso porque eu estava cem por cento engajado.

Pensem numa montanha como uma imensa tela de um mosaico. Isso mesmo, aqueles quadros confeccionados manualmente por hábeis artistas, que encaixando caquinho por caquinho, pacientemente, absorvidos pelo que estão fazendo, concluem sua obra. Para evoluirmos numa montanha precisamos também encaixar delicadamente peça por peça, pois cada centímetro quadrado ocupado pela ponta de nossos dedos corresponde a uma peça.

A construção do mosaico da vida é bem mais complexa e maior também. O medo, o foco e o flow são só três dentre milhares e milhares de pecinhas que devem ser encaixadas uma a uma, sutilmente e com precisão, como se fossemos água, que descendo a correnteza se molda aos obstáculos do caminho.

A vida, assim como a escalada e os mosaicos, não deve ter pressa de ser concluída. Visto que o esculpir, o escalar e o viver devem justificar-se por si mesmos, valer a pena simplesmente pelo fato de serem experienciados, caquinho por caquinho, montanha por montanha, dia após dia.

Penso noventa e nove vezes e nada descubro; deixo de pensar, mergulho em profundo silencio – e eis que a verdade se me revela

Albert Einstein

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