Escalada e montanhismo: A vida começa aos 40 anos

Minha vida no meio dos esportes outdoor começou “tarde”. Minha primeira escalada em rocha foi em 1997, aos 26 anos. Na época praticamente não existia internet e eu simplesmente não sabia da existência do esporte. Sim, sempre fui ligada a esportes. Aprendi a andar de bicicleta com uns 5 anos, joguei vôlei, polo aquático, mountain bike, fui viciada em academia, natação, corrida, sempre gostei de andar por aí… A lista segue, enorme. Creio que tudo isso deu ao meu corpo uma consciência corporal e o gosto por atividade, dinamismo, movimento. Mas, segurar nas agarras e subir parede acima, demorou.

Escalando no Cuscuzeiro | Foto: Eliseu Frechou

Um ano antes de começar a escalar, aos 25 anos, eu estava no meu melhor em forma física. Estava estudando engenharia, que eu não gostava. Para compensar, estava sempre mexendo o corpo, fazendo algo que realmente gostava. Extrapolei e tive que fazer uma cirurgia no joelho direito que mudou completamente minha vida. Nada deu certo, perdi o movimento dessa articulação e cheguei, de certa forma, no fundo do poço: a previsão era eu ficar manca para sempre.

Antes eu corria, pedalava, jogava polo, etc. E de repente eu tinha que andar de bengala e mal conseguia entrar no carro e dirigir, pois meu joelho não dobrava. Fiquei assim por um ano, fazendo todo tipo de terapia possível, pois para mim não fazer atividade física era inconcebível. A sensação era de estar numa batalha… Eu “brigava” todos os dias para fazer meu joelho ceder, nem que fosse 1 mm. Foi nesse cenário que comecei a escalar… Com meu corpo todo travado, sem conseguir fazer um bom trabalho de pés na parede, com minha autoconfiança extremamente abalada.

Para falar a verdade, não sei exatamente o que me fez continuar.

Foram altos e baixos, e meu psicológico nunca foi bom nessa época. Mas lentamente meu corpo recuperou e muito a força, meu joelho recuperou em torno de 80% dos movimentos e a única coisa que eu realmente não poderia mais fazer era corrida (que eu realmente curtia). Todo o resto podia fazer, mas sempre tomando muito cuidado para não inflamar ou lesionar novamente o joelho. Assim é, até hoje.

Subindo Cerrro Castillo (2.675 m) | Foto: Manuel Morgado

Montanhismo mesmo, comecei aos 39 anos. Foi quando passei por uma segunda cirurgia no mesmo joelho, que melhorou demais os movimentos. Um alívio. Mas os cuidados eram sempre os mesmos: fortalecimento constante da musculatura das pernas, alongamento. Muito treinamento para conseguir carregar mochila pesada em longa distância, para subir trechos íngremes ou escadarias, e para as descidas.

Depois dos 40 anos, senti que meu corpo finalmente absorveu todos esses anos de treinamento e a realidade de que sempre vou precisar me cuidar bastante. Isso me trouxe uma experiência ótima, de saber até onde ir com os treinos, o que fazer, o que dá certo e o que não funciona para mim. Me trouxe autoconfiança, pois consigo entender meu corpo. Consigo discutir com os treinadores, pois já testei todo tipo de exercício e treino. Assim, erro muito menos e não me deixo levar por “treinos milagrosos”. Essa maturidade só me ajudou.

Sequoia NP | Foto: Manuel Morgado

Acervo Pessoal Lisete Florenzano

Obviamente, a resposta do corpo é completamente diferente de quando eu tinha 20 e poucos, ou mesmo 30 e poucos. Quando me lesiono, a recuperação é lenta. Se para um jovem leva 10 dias, para mim leva pelo menos o dobro… Lembrando que hoje tenho 47 anos, isto é, já estou mais perto dos 50 do que dos 40! Tenho também que treinar duro, mas com moderação, e sentir o que está acontecendo com meu corpo. Cansei demais? Foi fácil demais? Meu joelho inchou? Não fiz alongamento e agora estou com dor nas costas? Isso tudo é uma constante no meu dia a dia. E espero que continue sendo, por muitos e muitos anos.

O que me move, apesar de tantas dificuldades? Apesar de ter ouvido alguns médicos e outros profissionais da área de saúde me dizerem “não faça isso, senão com 40 anos você vai ter que por uma prótese!”? É a vontade. A vontade gera motivação.

Pedra do Picu | Acervo Pessoal Lisete Florenzano

Minha vontade de estar em um ambiente outdoor, me movendo livremente, é enorme. A satisfação que tenho ao sentir que meu corpo em movimento se conecta com a natureza é algo indescritível… e essa sensação vai se refinando, ano a ano. Consigo perceber mais essa conexão, parece que tudo flui, tudo está no lugar certo e como deveria ser. E, claro, tudo isso gera a motivação para acordar mais cedo, fazer yoga, ir para a academia, fazer caminhada, andar de bike. Esse ciclo fortalece não apenas meu corpo, mas também meu espírito.

Essa sensibilidade vem da maturidade, da somatória de experiências que tive ao longo destes 47 anos. Seria impossível vivenciar isso com menos idade… o chip interno simplesmente não está pronto para isso. Com certeza, meu corpo não tem aquela vitalidade e funcionalidade de antes. Mas minha mente e meu espírito estão muito mais amplos.

Bons ventos!

There are 6 comments

  1. Philippe Lobo

    Aqui vejo algo sobre a essência que sempre intui sobre a escalada e que não vejo na maioria das matérias com atletas de ponta. Obrigado por compartilhar Lisete.
    Comecei a escalar aos 36. Hoje aos 39 a escalada é parte indissociável de mim. Creio que o mundo carece de relações mais profundas, seja o mundo da escalada ou das outras atividades humanas. Seu texto trás um bom exemplo da profundidade que se pode ter ao abordar o esporte. Escalar-te a ti mesmo. Abração.

  2. Lucia Young

    Parabéns, Lisete ! Pela força, determinação e perseverança, pois sei exatamente como e tudo isso. Eu, comecei os esportes com 9 anos, Balé, corrida e musculação sempre foram minhas paixões, mas aos 25 começaram os problemas nos joelhos e infelizmente tive que parar o Bale, ficando somente com as corridas e musculação pesada. Minha paixão por esporte outdoor começou aos 40 quando descobri o montanhismo. Entrei no clube de montanha da minha cidade e iniciei minha trajetória. Com muita dedicação fiz vários cursos para ter melhor conhecimento do esporte, entre eles curso de escalada em rochas. Amo escalar e os preparos não pararam por aí, sempre fazendo musculação, spinning, yoga e alongamento para está em forma para as escaladas e os trekkings de longo percurso. Aos 48 anos tenho conhecimento do meu corpo e de minhas limitações. Na vida tudo que fazemos com dedicação, foco e amor as limitações passam despercebidas.

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