O que é ergonomia e porque ela é fundamental para o desenvolvimento da escalada como esporte

Você sabe o que é ergonomia? Explicando de maneira superficial, é a disciplina científica relacionada às interações dos seres humanos com os objetos à sua volta, aplicando teoria, princípios, metodologia para otimizar o bem-estar humano. Ou seja, a ergonomia estuda o desempenho do ser humano durante uma atividade, usando equipamentos, instrumentos, máquinas, para que exista conforto, segurança, qualidade de vida e bem-estar.

Uma atividade esportiva, seja qualquer que seja, está relacionada à ergonomia, pois é fundamental analisar os efeitos do esporte durante a prática, como o tipo de estresse provocado no organismo do ser humano visando evitar lesões. Faz parte do objetivo da ergonomia, melhorar a performance de um atleta.

Os estudos de ergonomia são os que influenciam na evolução de equipamentos esportivos e na evolução da performance. A quebra de recordes e conquista de títulos, especialmente em esportes, está diretamente ligada às pesquisas e aplicações de ergonomia. Por isso mesmo que o trabalho de um profissional especializado, devidamente formado, é importante até mesmo para a saúde e integridade de um esportista.

Por isso mesmo que neste aspecto pessoas que sofrem de Síndrome Dunning e Kruger (conhecida comumente por superioridade ilusória), quando se julgam conhecedores de fundamentos de ergonomia, acabam por formar uma legião de atletas lesionados ou frustrados com desempenho pífio. Estas mesmas pessoas, que se julgam “especialistas sem formação”, colaboram para a involução no esporte, seja qual for a modalidade, pois se baseiam em conceitos rasos e, muitas vezes, empíricos.

Conceitos empíricos

Muito utilizado por pessoas com Síndrome Dunning e Kruger, o conceito empírico se apoia somente em experiências vividas, na observação de coisas, mas não em teorias ou métodos científicos. A visão particular do mundo, assim como a capacidade de observação pessoal é que conclui para um conhecimento empírico. Este tipo de embasamento é muito utilizado por ex-atletas que, sem nenhum conhecimento científico, começam a ministrar treinamentos a interessados.

Este tipo de conhecimento ilusório, baseado em uma superioridade inexistente, é utilizando única e exclusivamente o conhecimento adquirido durante toda a vida, no dia a dia, que não tem comprovação científica nenhuma. O conhecimento empírico, também chamado de senso comum é baseado em uma experiência vulgar ou imediata, não metódica e que não foi interpretada e organizada de forma racional. Portanto, no esporte o empírico também é aquele indivíduo que promete curar doenças ou melhorar rendimentos esportivos sem noções científicas. Fosse possível fazer um paralelo na história da humanidade, é o equivalente ao curandeiro de uma pequena aldeia (que hoje são as bolhas das redes sociais), mas que muitas vezes revela-se um charlatão.

Nas ciências, muitas pesquisas são realizadas inicialmente através da observação e da experiência. Para a ciência, empírico é um tipo de evidência inicial para comprovar alguns métodos científicos. Portanto o primeiro passo é a observação, para então fazer uma pesquisa, que é o método científico.

Anatomia e lesões

A história da evolução de qualquer esporte passa pela evolução do design de equipamentos esportivos. Esta palavra “design”, que se refere ao projeto da forma de um objeto, nada mais é do que a aplicação da ergonomia a um equipamento. A história da evolução dos esportes passa necessariamente pela ergonomia de seus equipamentos. No futebol, por exemplo, que é considerado o esporte mais popular do mundo, a evolução das chuteiras é diretamente proporcional ao rendimento dos jogadores. O primeiro modelo de chuteira a melhorar o rendimento de um atleta foi na Copa do Mundo de 1954, que ajudou o time alemão a superar a favorita Hungria.

A marca de produtos esportivos Adidas, à época dedicada apenas a calçados esportivos, criou um modelo de chuteira mais anatômico, leve e confortável, que permitiu que os jogadores da Alemanha tivessem maior rendimento na partida. Adolf Dassler, proprietário da Adidas e fornecedor de material esportivo para a seleção alemã, forneceu as primeiras chuteiras com cravos intercambiáveis. Assim, permitia que os jogadores quando a chuva estivesse muito forte, trocar as travas para outras mais apropriadas para campo escorregadio. Com isso, todos falavam das chuteiras Adidas, o que deixou a marca na liderança do mercado durante décadas.

Da mesma maneira, para os montanhistas, as mochilas também foram evoluindo com o tempo. Fazendo com que ficassem mais leves, duradouras, e, claro, menos desconfortáveis. As primeiras mochilas com armações, as quais eram colocadas na parte externa e permitiam que o peso ficasse melhor distribuído, foram inventadas em 1972 para facilitar o uso das mochilas militares conhecidas como ALICE (sigla para All-Purpose Lightweight Individual Carrying Equipment).

A inovação, batizada de LC-1 Field Pack Frame, logo foi absorvida pelas empresas de produtos outdoor. Posteriormente, foi desenvolvido modelos com a armação interna. Atualmente praticamente não existem mochilas outdoor que não possua armação.

A mesma evolução aconteceu com a escalada indoor. Como detalhado em um artigo que conta a história das academias de escalada, a primeira marca a desenvolver agarras de escalada foi a francesa Entre-Prises. Tão logo os produtos da empresa francesa foram desenvolvidos, logo várias outras marcas apareceram no mercado. Inicialmente, todas as empresas se preocupavam em criar agarras de escalada que imitassem formas genéricas, sem a menor preocupação com a ergonomia. Esta despreocupação fez com que muitos atletas se lesionassem. Especialmente as primeiras academias que, à época, experimentaram um alto índice de atletas que se lesionavam.

Inicialmente desenvolvidas em resina de poliéster, as quais possuíam capacidade de moldagem e resistência mecânica limitada, atualmente são desenvolvidas a partir de resina de poliuretano. Esta mudança de tecnologia de material proporcionou uma maior maleabilidade no momento de criar agarras de escalada e um maior estudo da textura a aplicar na agarra de escalada. Porém muitas agarras ainda possuíam desenvolvimento de formas e tamanhos baseados em conhecimentos empíricos e predominantemente baseados no aspecto visual.

Com o tempo, para preservar os atletas (profissionais e amadores) os modeladores de agarras de escalada começaram a utilizar duas ferramentas típicas de designers profissionais: Modelagem em espuma de poliuretano e prototipagem rápida (impressoras 3D). Estas ferramentas foram fundamentais para a diminuição do índice de atletas lesionados, sobretudo em tendões da mão, contribuindo para uma maior evolução do esporte. Desta maneira a profissionalização e especialização de escaladores em competições cresceu de maneira exponencial.

Visualmente é possível verificar a diferença gritante entre uma agarra realizada com estudos e conceitos ergonômicos. Mesmo que visualmente sejam semelhantes, no manuseio e toque é perceptível qual foi feita utilizando embasamento científico e a outra conhecimento empírico.

Realizando uma pesquisa em um dos principais centros de escalada no mundo, como Kletterzentrum Innsbruck, na Áustria, e Plezalni Center Ljubljana na Eslovênia, é facilmente perceptível que as agarras são analisadas quanto ao sua ergonomia. Isso porque a criação de novos talentos para a escalada indooor, especialmente para aqueles com reais chances de participar da Olimpíada.

A lógica é simples: melhores agarras de escalada significam menos lesões. Escaladores que se lesionam menos, inevitavelmente treinam mais. Escaladores que treinam mais (devidamente acompanhados por profissionais formados) tendem a se saírem melhor em competições.

Design, agarras de escalada e empresas

Com a profissionalização do mercado de escalada indoor, sobretudo pelo crescimento impulsionado por ter sido o esporte levado a esporte olímpico, começaram a crescer o número de estabelecimentos para a prática do esporte. De olho deste mercado em ebulição, várias pessoas procuraram criar modelos de agarras de escalada. Como no Brasil existem pouquíssimos route-setters certificados pelo IFSC (muito menos pessoas interessadas em tornar-se um), a preocupação com a ergonomia na escalada no Brasil ainda está relegada ao segundo plano.

Grande parte dos route-setters existentes no Brasil ainda vivenciam conceitos e parâmetros de 15 anos atrás, quando o esporte vivenciou uma relativa popularidade. Por este conhecimento defasado, que pode ser largamente visto nos torneios praticados no país, a necessária vigilância com respeito à ergonomia das agarras de escalada é inexistente.

Atualmente no Brasil apenas uma, das cinco principais empresas fabricantes de agarras existentes em território brasileiro, possui um profissional de design com conhecimentos de ergonomia no ofício de criar o equipamento. Na própria página na internet, assim como nas fanpages, os fatores mais importantes destacados é a longevidade mas não o conhecimento técnico.

A pouca importância dada à ergonomia, assim como na profissionalização e conhecimento científico de profissionais, não é uma exclusividade do Brasil. Em países com grande volume de escaladores, como Argentina e Chile, o mesmo descaso com o desenvolvimento de produto conhecido como agarras de escalada se repete.

Por este mesmo motivo que os Jogos Olímpicos da Juventude, que serão realizados em Buenos Aires em outubro próximo, terão todas as agarras de escalada, que serão utilizadas nas provas de escalada, importadas. Fosse possível formular um parecer, a preocupação com a ergonomia das agarras, assim como a formação de profissionais que elaboram este equipamento, é diretamente proporcional às chances de participar da olimpíada.


Apesar de não se pronunciar sobre o assunto o IFSC, a entidade responsável pelas competições oficiais em todo o mundo, adota como padrão poucas marcas, as quais chama de “parceiros” (partners).

Estas marcas constantemente procuram exibir os profissionais, os quais são especializados em ergonomia, em suas mensagens corporativas. De uma forma bem resumida, o design é um método para se resolver problemas, sendo, indiscutivelmente, uma poderosa arma estratégica para qualquer empresa.

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