Entrevista com Thiago Balen

Fosse um fanático por futebol perguntado qual seriam os principais jogadores da história do esporte no Brasil nomes de atletas como Pelé, Garrincha, Didi, Zico, Tostão e muitos outros seriam citados.

Caso a mesma pergunta fosse feita para alguém do ambiente da escalada fosse perguntado sobre os atletas que marcaram a história do esporte nacional dificilmente o nome de Thiago Balen não seria citado.

O escalador gaúcho de movimentos elegantes e determinação inabalável é sem dúvida uma das lendas vivas da história da escalada esportiva gaúcha e nacional.

Thiago Balen é sem sombra de dúvida um dos melhores escaladores da atualidade e é referência de ser humano, profissional e atleta para quem deseja saber mais sobre a escalada esportiva.

Por admirar tanto a pessoa, o atleta e profissional Thiago Balen, nós da Revista Blog de Escalada ficamos mais que honrados em podermos publicar em primeira mão uma entrevista com ele.

Thiago você foi dos poucos brasileiros a quebrar a barreira do 11º grau (Directa Chalenge no Valle Encantado, Argentina). Hoje tantos anos depois como você visualiza a conquista?

Para mim sempre foi muito emocionante e desafiador encadenar vias difíceis longe de casa, e a Directa além de somar estas coisas era uma via limite (possível 8c francês na época) e ainda não tinha ascensão.

Lidar com o fato de ninguém ter encadenado até aquele momento era muitíssimo motivador e deixava aquela batalha ainda mais saborosa.

Olhando para trás acredito que este fator foi o que mais marcou esta escalada, a primeira ascensão.

No entanto, essa via acredito que hoje em dia deva ter sido decotada para 8b+ francês, mas independente do grau dela foi uma via que me marcou muito.

Você hoje possui algum projeto na escalada para 2014? Qual é?

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Foto: Acervo pessoal Thiago Balen

Terminar meu banheiro…rsrsrs!

Brincadeira, mas com um fundo de verdade.

Estou construindo uma casa e refúgio perto da Gruta da 3ª légua e como quem esta botando a mão na massa é meu pai e eu, com ajuda esporádica de alguns amigos, tenho usado meu tempo livre para tentar deixar as partes fundamentais prontas.

Devido a isso, a escalada, neste momento, está em segundo plano, mas isto é temporário e está mais próximo do que nunca de acabar.

Uma das coisas que está me motivando muito, muito mesmo (mas estou reprimindo neste momento para não perder o foco da obra) é a ideia de equipar novas vias, que estamos descobrindo, em setores próximos a minha casa.

Um dos lugares, chamado Noel Rocks, está localizado muito próximo da gruta e tem uma qualidade inacreditável.

Neste lugar não terão muitas vias, mas as que forem abertas serão realmente de EXTREMA QUALIDADE.

Além deste setor, existem outras paredes que ainda sequer caminhamos até a base.

Para o fim de 2014 devo focar minha escalada em equipar vias novas e descobrir novos setores de vias e boulders nas proximidades da Gruta da 3ª Légua (Caxias do Sul).

Não é segredo para ninguém que há muitas pessoas que medem o valor do escalador pelo grau escalado. O que você pensa deste tipo de pensamento?

“Medir o valor do escalador” na minha opinião é um absurdo.

A paixão, a dedicação, a emoção que nós temos com a escalada não depende do grau que se escala.

Nestes quesitos todos temos os mesmos méritos.

Penso que admirar um escalador que faz um grau alto é algo natural, eu admiro muitos escaladores, pois posso imaginar o quão difícil deve ser encadenar certos graus e isso exige muita dedicação, habilidades físicas e mentais e muito mais, por isso estes escaladores merecem reconhecimento pelas suas conquistas.

Agora isso é muito diferente de “medir valor”, isso parece até cifrão… rsrs absurdo!

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Foto: Acervo pessoal Thiago Balen

Você não está presente nas redes sociais. Qual o motivo desta escolha?

Nunca fui uma pessoa muito ligada ao mundo virtual e quando o facebook, por exemplo, começou a ‘bombar’ e todos aderiram, eu não me cadastrei e pensava que seria mais uma coisa para me prender em frente do computador (já chegava o trabalho) e fui adiando e até hoje nunca entrei.

Sei que posso e devo estar perdendo algumas vantagens desta ferramenta, mas dou um jeito com e-mail e me parece que tem funcionado bem assim ao menos por enquanto.

O ano de 2014 teve uma explosão de encontros de escalada enquanto as competições definharam. Você acha que as duas coisas estão relacionadas?

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Foto: Acervo pessoal Thiago Balen

Não! As competições estão diretamente relacionadas ao atleta e na maioria das vezes não traz outros atrativos para os demais escaladores que não competirão, que se limitam a meros espectadores nestes eventos.

Em relação às competições, observei que elas se tornam muito cansativas de assistir, mesmo para aqueles mais fanáticos.

Acredito que estes fatores, associado à falta de incentivos para os atletas foram enfraquecendo as competições.

Já os encontros fazem com que um grande grupo se sinta dentro do evento, participantes e não apenas espectadores.

Traz mais atrações e acaba se tornando uma celebração, uma grande festa, onde você reencontra amigos, conhece novos escaladores e escala em locais muitas vezes novos, por isto, acredito ser este o motivo do grande êxito destes eventos.

Não vejo uma relação direta entre um e o outro.

Talvez se as competições tivessem outros atrativos e sofresse uma reformulação, os dois eventos teriam êxito.

A única relação que talvez haja entre eles seja que pelo fato do crescimento dos eventos, as marcas optem por patrocinar os encontros ao invés das competições, colaborando desta forma com seu enfraquecimento.

Nos últimos 10 anos a popularização dos filmes de escalada, e outdoor em geral, é inegável. Você tem planos de realizar algum filme sobre você ou as escaladas gaúchas? Porque?

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Foto: Acervo pessoal Thiago Balen

Não tenho planos.

Isso não significa que não possa vir a realizar.

Eu, juntamente com o Guili, produzimos o Brasil Vertical (escalada da Coquetel de Energia e Mr Bill em 2001) e o Brasil Vertical II (Massa critica em 2004).

Em 2003 produzi juntamente com o Antonio Nery o Vírus (Boulders por SC).

O Brasil Vertical e o Vírus foram lançados em VHS, isso já demonstra que a coisa era bem complicada. O Brasil Vertical II já foi lançado em DVD.

Nesta época tínhamos que captar recursos, capturar as imagens, escalar, editar e correr atrás de um evento de lançamento, tudo isso quase sempre em dois.

Nestes moldes hoje em dia é inviável eu encarar isso, mas com uma galera motivada disposta a trabalhar, quem sabe.

Se fosse para você mandar conselhos para você a 10 anos atrás. O que você escreveria?

Me sinto realmente bem quando olho para o passado e também vivendo o presente.

Umas das coisas que venho aprendendo a desfrutar e dar valor é aproveitar todo o entorno que a escalada proporciona, os amigos que você faz, a compartilhar momentos marcantes tentando uma via, viajando, conhecendo locais pelo mundo de uma beleza única, enfim coisas deste tipo.

Então, meu conselho seria de aproveitar ainda mais as experiências relacionadas à escalada.

Também me aconselharia a ter lutado mais, quando eu tinha menos coisas me segurando no Brasil, para tentar morar um tempo fora, em alguma “Meca” da escalada esportiva na Espanha ou França, algo que ainda não consegui.

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Foto: Acervo pessoal Thiago Balen

Muitas marcas estrangeiras começaram a atuar no Brasil nos últimos anos. Na sua opinião qual seria a postura que as marcas nacionais de produtos outdoor deveriam ter para concorrer?

Primeiramente, acredito que as marcas nacionais tenham que buscar a excelência de seus produtos, seja ele qual for.

É bem difícil competir num mercado onde muita coisa esta sendo produzida na China com um valor muito baixo.

As marcas podem partir para esta estratégia e produzirem de forma semelhante ou decidir por uma produção nacional, esta última eu acredito ser a estratégia mais inteligente e que beneficiará todo o meio.

Investir na industria nacional permitirá uma evolução (um crescimento sólido) sólida e assim evoluir na qualidade e diversidade (variedade) de produtos. Seria ótimo termos uma independência de produtos com qualidade de fabricação, desde sapatilhas, ferragens, cordas ao vestuário.

Os itens que são usados somente por escaladores acabam sendo complicados de investir, pois o público fica bem restrito e muitas vezes o investimento para o desenvolvimento é muito alto para o consumo em potencial.

Já o vestuário, abrange um público consideravelmente maior e por isso, em minha opinião, seja o segmento que vem evoluindo cada vez mais rápido e aproximando-se em qualidade aos produtos importados, sendo que algumas linhas sem dúvida já se igualam as marcas top de mercado.

Você acha viável hoje marcas e empresas patrocinarem atletas de escalada e montanhismo? Como?

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Foto: Acervo pessoal Thiago Balen

O nosso esporte infelizmente, ainda, tem pouca expressão na mídia, comparado a vários outros esportes. Isto é um fator que sem dúvida dificulta o patrocínio no Brasil.

O patrocínio não pode ser visto como algo semelhante a um simples auxílio.

Esta parceria deve ser levada a sério por ambas as partes, isto é um negócio e deve ser bom tanto para o escalador quanto para o patrocinador.

Por favor, não me interpretem mal, não quero dizer que o atleta tenha que se vender ou fazer escaladas pelo dinheiro, ou que o patrocinador tenha o direito de explorar de forma mercenária o escalador.

O que eu quero dizer é que o atleta com o benefício recebido possa realizar sua atividade e que esta divulgue e retorne o investimento ao patrocinador.

Bom, e como fazemos isso?

Aí mora o grande x da questão. Se alguém descobrir (ou souber) me avise rapidamente, rsrsrs! Brincadeira, mas este realmente é o grande desafio.

Uma forma que me parece viável e que venho tentando praticar, é o trabalho em conjunto.

O patrocinador não pode achar que sua participação termina quando ele entrega a verba ao atleta, ele deveria trabalhar em parceria disponibilizando ou utilizando ferramentas que auxiliem o atleta a divulgar suas conquistas.

O atleta de sua parte deveria facilitar as coisas para o patrocinador enviando material com possibilidade de uso.

Neste processo entra também outra parte muito importante, a mídia.

Esta por sua vez deve abrir portas e também buscar parcerias e formas de divulgar os feitos do atleta e consequentemente seus parceiros nos projetos.

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