Entrevista com João Ricardo Gonçalves

Medusa, v12, Paraisópolis (MG), Foto: Gabriela Vescovi

Medusa, v12, Paraisópolis (MG), Foto: Gabriela Vescovi

Cada escalador possui um estilo próprio de vencer os desafios que as vias de escalada impõem.

Quanto maior o repertório de movimentos, maior a probabilidade do escalador encadenar uma via de escalada.

Quem já viu o paulista João Ricardo Gonçalves, natural de Campinas-SP, já consegue identificar que se trata de um atleta de estilo elegante e fino, além de dono de vasto repertório de movimentos.

Presente em vários campeonatos de escalada realizados em um passado recente, João Ricardo era grande atração para o público que admirava o estilo técnico e de rara beleza plástica em cada movimento.

Dedicado advogado sempre procurou seguir sua paixão pela escalada e hoje faz parte de um grupo que admistra um muro de escalada na UNICAMP.

Dono de um humor fino, que pode ser visto como uma extensão de sua técnica apurada de escalada, respondeu prontamente ao nosso convite para uma entrevista.

Leia abaixo a entrevista de João Ricardo, o escalador símbolo da cidade de Campinas-SP:

João, você era um dos destaques das competições de escalda na década passada. Como você vê o definhamento das competições estaduais e nacionais?

É, realmente, a década passada foi um marco para as competições no Brasil.

Todos eram destaque, na realidade!

Afinal, o mundo da escalada era muito pequeno, todo mundo conhecida todo mundo e todos participavam de campeonatos!

Ócios do ofício, 10a, Campinas (SP), foto: Daniel Hirata

Ócios do ofício, 10a, Campinas (SP), foto: Daniel Hirata

Agora, a escalada passa por uma nova fase: o aumento da comunidade ocasionou no distanciamento das associações e federações; logo, a comunidade perdeu, em parte, sua representatividade.

A política da escalada mudou, afinal, a comunidade escaladora cresceu!

Acredito que uma coisa gerou a outra. Os campeonatos serviam para divulgar e fomentar o esporte.

E foi exatamente o que aconteceu!

Só que ninguém estava preparado para isso.

Os escavadores não pensaram em como gerir o crescimento do esporte.

O sistema não conseguiu sustentar o aumento exponencial de escaladores, as organizações não estavam prontas para receber uma nova demanda, o mercado também não, nem ao menos os ginásios e muito menos os proprietários das terras onde ficam os picos de escalada!

As competições foram somente um dos fatores que refletiram a necessidade de mudanças radicais na comunidade de escalada para poder acomodar os novos membros e a mudança de paradigmas dos antigos.

Por isso, eu acredito que esse definhamento aconteceu graças à falta de preparo da sociedade de escaladores.
Foi bom isso tudo ter acontecido?

Não sei dizer ainda.

Estamos em uma fase de transição e a resposta, acho que só veremos daqui uns 5 anos.

Você acredita que as competições de escalada são viáveis no Brasil? Como seria o formato ideal na sua opinião?

As competições de escalada são totalmente viáveis no Brasil. Basta ter gente que tenha força de vontade e que saiba se virar muito bem perante as burocracias exigidas para tal.

É claro que quanto maior o nível de qualidade e de abrangência do campeonato, maiores são os encargos de comprometimento.

Aqui em Campinas (SP), por exemplo, há muitos anos temos o Campeonato Caipira.

O campeonato é organizado pelo GEEU (Grupo de Escalada Esportiva da Unicamp) e reune o pessoal da região para competir.

Algumas vezes, o CUME também participa e ficamos com duas etapas, uma em Campinas e outra em São Carlos.

Foto: Acervo pessoal João Ricardo

Foto: Acervo pessoal João Ricardo

O GEEU é um grupo que vive da manutenção de seus próprios membros e algumas vezes recebe algum repasse da Unicamp, mas praticamente toda sua verba é oriunda dos semestralistas.

Teve uma etapa nos últimos anos que até teve o apoio da Petzl!

Tudo aconteceu pela realização dos seus próprios membros.

Quando alguns colocam a mão na massa, tudo acontece.

Em âmbito nacional é assim, só que precisa de mais gente, precisamos transpassar as barreiras das Federações e agir por nós mesmos.
Campeonatos são viáveis sim, mas tem que ter um mínimo de esforço daqueles que realmente querem.

Isso já vem ocorrendo – o que é muito bom.

Novas associações voltadas exclusivamente para a escalada esportiva em campeonato estão surgindo.

É a escalada tomando novas caras, se livrando das facetas que não acomodavam mais o crescimento do esporte e a mudança da visão dos escaladores!

Isso é muito bom…E o formato ideal de competição, pra mim, é aquele que foca nos escaladores de base.

Afinal, esses são a maioria!

Então, por que não fazer um campeonato com festival como qualificatória?

Assim, tudo vira uma grande festa sem aquele clima restrito dos campeonatos.

Depois, os melhores vão para o formato tradicional e quem sempre ficar entre os 8 melhores colocados de cada categoria não precisaria participar do festival na próxima etapa.

Uma sugestão…

Batore, v9, Paraisópolis (MG), Foto: Gabriela Vescovi

Batore, v9, Paraisópolis (MG), Foto: Gabriela Vescovi

A cidade de Campinas já teve Três locais para treinamento de escalada. Na sua opinião porque este numero decresceu tanto?

Campinas e região formam um grande pólo de escalada.

Nos últimos 5 anos, o número de escaladores aumentou muito, agora temos uma infinidade!

Sempre tivemos locais de treino, entre os “abre e fecha”, mas nunca ficamos com menos de 2 locais para treino durante um grande espaço de tempo.

Foto: Gabriela Vescovi

Foto: Gabriela Vescovi

A realidade é que a qualidade deles era restrita.

Em Campinas, o mercado de escalada foi muito mal aproveitado, nos últimos anos.

Acredito que isso se deu pela bolha imobiliária que assolou/a todo o país e, principalmente, esta cidade.

Mas, agora os tempos são outros.

Em um raio de meia hora andando de carro temos o GEEU (Campinas), o Centro de Treinamento Ferragut (Vinhedo), Secret Spot (Indaiatuba) e o Centro do Sevê (Piracicaba).

São locais de treino muito bons e que estão fazendo subir o grau de escalada da região.

Acredito que o número não decresceu, apenas mudaram os parâmetros.

Não precisamos de lugares monstruosos para treinar, precisamos apenas do “arroz e feijão”: paredes de qualidade com agarras de qualidade.

Não há a necessidade de ser um lugar gigantesco – isso seria ideal, mas não é necessário.

O Beto Ferragut, escalador do CTF, neste ano, fez o FA de uma linha que era projeto há 8 anos.

O Arthur Gáspari fez uma repetição de um V12, também.

Tudo isso é fruto de muita dedicação e treino em locais de qualidade, ainda que reduzidos.

Nós temos mania de grandeza, mas essa revolução da escalada nos mostra que lugares reduzidos e preços módicos rendem bons frutos também!

Na região de Campinas havia locais interessantes de Boulder como Valinhos e Indaiatuba. Como anda o desenvolvimento destes lugares?

Foto: Acervo pessoal João Ricardo

Foto: Acervo pessoal João Ricardo

Ainda existem lugares interessantes…

É certo que alguns fecharam e não são mais acessíveis.

Em Valinhos, os que estão abertos são geridos por boas mãos, com acesso autorizado e tudo.

Inclusive, o escalador Wackson Manzini, viabilizou a escalada nestes boulders em conjunto com uma entidade de educação e proteção ambiental.

Outro lugar que atrai muitos escaladores é a Pedreira do Garcia, com seus mais de 3 km de extensão de puro basalto e dezenas de vias de 4 até 10b.

O trabalho de conquistas lá está a todo vapor.

Sempre muito frequentada e acessível, proporciona a comodidade para os escaladores daqui, porque fica no meio da cidade e da para chegar de carro nas vias.

Não precisa andar para ir de uma via para outra… O auge da preguiça!

Vários locais de escalada em boulder estão sendo fechados devido ao mau comportamento, especialmente em São Bento do Sapucaí. Na sua opinião quais seriam as providências para reverter este caso?

Este é um caso sério.

Acontece com muita frequência e não vai ter fim. Pois, estamos à mercê dos proprietários das terras e dos escaladores sem consciência.

Acredito que uma organização interna e coesa da comunidade escaladora é fundamental.

Isto está ocorrendo na Serra do Cipó, em São Bento do Sapucaí, na Bocaina, Igatú e região, Rio de Janeiro, Cocal, etc.

Conforme venho salientando, a atitude do escalador está mudando e o comodismo de “esperar sentado as instituições” não é mais aceito.

Agora, de forma espontânea, estão sendo criados nichos de escaladores nos picos.

Eles são fundamentais para a manutenção das políticas locais, por saberem da peculiaridade de cada lugar.

Ora estão revestidos pelo nome de uma associação local, ora pela ação de um dos próprios escaladores.

Dou como exemplo São Bento do Sapucaí, que é a cidade com que tenho maior contato.

Sempre houve a atuação isolada de alguns escaladores para a manuteção da política local.

Atualmente, os escaladores locais (que não são poucos) estão com uma política de aproximação, divulgando cartazes explicativos sobre o que é a escalada, como os picos podem se beneficiar com o advento da escalada, etc.

Tais políticas já abriram algumas portas na prefeitura de SBS (como apresentação da escalada na câmara dos vereadores e para proprietários de terra), ou seja, bons frutos estão sendo colhidos.

Há vários escaladores que classificam os escaladores pelo grau que escalada, tendo até mesmo preconceito com quem pratica em top-rope. Qual a sua opinião a respeito disso?

Preconceito nunca é bom.

Quem pensa assim precisa refletir um pouco sobre o mundo que o rodeia. Para mim escalador é escalador independente da modalidade que escala ou do grau que manda.

Foto: Gabriela Vescovi

Foto: Gabriela Vescovi

Eu gosto muito de escalar com gente experiente que eu, pois a troca de experiências é sempre recíproca.

O mesmo acontece quando escalo com escaladores mais experientes.

Há pouco tempo, tive a oportunidade de escalar com o James Kassay, ogro dos boulders. James Kassay!

O cara mandou vários boulders insanos, escalou no mundo inteiro, escalador de mundial e estava lá escalando comigo.

Passando boulder para eu entrar e eu passando boulder para ele entrar.

Foi realmente engrandecedor.

Ver um cara que tem tudo para ser arrogante, prepotente, preconceituoso e, mesmo assim, ser a simplicidade em pessoa.
O preconceito dentro da escalada é ruim…

O ego que existe no esporte é o que dificulta a relação interna da comunidade.

O cara que escala há menos tempo que eu, que escala top-rope, que escala parede, etc, é escalador. Ao invés de tratar ele como diferente ou inferior, temos que tratar como igual…

Acho que sempre temos que somar.

Já escalei com muitos escaladores de destaque do cenário da escalada mundial, nacional e regional, sempre notei que todos eram muito humildes (com exceções).

O mesmo ocorre com os menos experientes e que um dia chegarão lá.

Agora se o cara é um preconceituoso, não tem nem o que fazer…

Isso vem do berço.

O melhor a fazer é não se envolver com esse tipo de pessoa até que ela se conscientize.

Qual deveria ser as atitudes dos escaladores para que as marcas voltassem a patrocinar escaladores e eventos?

Isso é uma via de mão dupla.

Nessa relação deve haver reciprocidade. Acredito que a relação de patrocínio é questão de profissionalismo. Ou seja, deve ser tratada como um emprego mesmo.

O atleta recebe salário para exercer sua atividade ligada à escalada, como se fosse funcionário da marca. Então, ambos têm que ser profissionais. Quantos escaladores profissionais temos no Brasil?

É a partir daí que eu acredito que as marcas voltam a patrocinar (se é que isso já existiu no Brasil) os escaladores.

Há a necessidade da disposição de escaladores para agirem como profissionais. Agora, se há incentivo e possibilidade para isso, é outra conversa.

O que ocorre muito aqui é a figura do apoio. Isto ocorre com muita frequência e é produtivo para as duas faces da moeda.

Sem puxar muito o saco, tomo como exemplo a 4Climb, que me apoia.

A empresa adota o mesmo princípio de incentivo ao atleta adotado pelas grandes empresas que dominam o mercado mundial.

Isso faz com que a imagem da empresa se dissemine com mais facilidade e qualidade.
Não é somente o atleta de alta performace que é visado para ser representante. Há a necessidade de formar um time de atletas que carregam a marca.

Estes têm que ter bom relacionamento, fazer mover o nome da apoiadora na comunidade escaladora. Afinal, de que adianta ter um bom atleta se ele fica na introspecção dos seus objetivos sem salientar a sua relação com a marca?

Acredito que as empresas têm que ficar cientes disso. O atleta tem que ter um bom relacionamento com a sociedade em que a marca atua/que a marca quer atingir.

O escalador, da mesma forma, deve primar pela imagem de seu apoiador ou patrocinador.

Essa é a visão atual de apoio e patrocínio.

Acredito que até mesmo algumas empresas brasileiras estão se valendo muito disso.

A Hard Adventure e a Casa de Pedra são duas que se encaixam perfeitamente nesse quadro.

A Five Ten, agora adentrando as fronteiras do Brasil, já montou seu time de notáveis.

Estes, por sua vez, são reconhecidos em todo o Brasil, não somente pelas conquistas na escalada, mas pelo seu caráter como escaladores.

Foto: Gabriela Vescovi

Foto: Gabriela Vescovi

Na sua opinião, quais seriam os melhores lugares para a prática de boulder no Brasil? Por quê?

Nossa… Eu sou suspeito para falar. Pois, como dizem os mineiros: eu não saio do cercadinho.

Vivo escalando em São Bento do Sapucaí (SP) e Ubatuba(SP). Conheci alguns bons lugares, Brasil afora…

Mas, não tive a oportunidade de conhecê-los tão bem como esses dois picos que citei. Por isso, SBS e UBT são incríveis!

SBS, simplesmente pelo fato de ter uma infinidade de setores, em conjunto com as cidades adjacentes, que estão aumentando cada vez mais, em função da comunidade de escaladores de lá. Os setores não param de surgir… E tem muito boulder clássico!

UBT, por ser o cartão postal da escalada do Brasil.

Vou ser muito criticado quanto a isso. Mas, não tem pico de boulder mais peculiar que este no país. Sua beleza já é o fundamento para ser o melhor.

Ainda por cima, existem linhas incríveis lá!

De uns tempos para cá conheci muito rapidamente Cocal e Conceição… “Assassinhora”! Tem boulder para umas três vidas minhas lá!

Estes lugares são enormes e me fizeram repensar sobre o meu cercadinho… rs…

Mas, a comida de casa é sempre a mais gostosa!

Não se esqueçam de que isso é a opinião de um leigo no assunto, porque eu nem conheci a maioria dos picos abertos no Brasil.

O atleta João Ricardo Gonçalves tem apoio da 4Climb e do CT Ferragut

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