Entrevista com Claudia Ferreira

Nas histórias em quadrinhos há um conceito amplamente utilizado por argumentistas e desenhistas: a versão de algum personagem em um universo paralelo.

Neste universo paralelo os heróis assumem papéis, e vivem “realidades” diferentes das que usualmente enfrenta, mas continuam iguais em espírito e aparência.

Seguramente tivesse a atriz americana Angelina Jolie nascido em terras brasileira, muito possivelmente seria a escaladora Cláudia Ferreira a sua versão neste universo paralelo.

Foto: Acervo Pessoal Claudia Ferreira

Foto: Acervo Pessoal Claudia Ferreira

A explicação é simples e precisa: Assim como a atriz hollywoodiana a escaladora mineira é dotada de beleza exótica, personalidade inquieta e forte, ótimo humor e de uma indiscutível inquietação com a sociedade bastante comum a pessoas quem possuem uma mente muito à frente das outras.

Cláudia já viveu várias realidades em sua vida, sempre apaixonada pela escalada e pelas possibilidades que a vida lhe oferece, está no momento vivendo de uma maneira mais simples e próxima à Serra do Cipó, alternando seu dia entre o trabalho e as atividades de voluntária na comunidade local.

Assim como Jolie, Ferreira não se escondeu atrás de sua beleza exótica, e por isso procura ser reconhecida não somente pela sua aparência mas também pelas coisas que faz.

Após várias tentativas tentando conciliar a agenda, nós da Revista Blog de Escalada tivemos a honra, e o privilégio, de entrevistar esta que é das cabeças pensantes mais efervescentes da escalada no país e , sem dúvida, das mais belas também.

Leia abaixo a entrevista mais profunda e intensa que já realizamos em quase 10 anos de existência.

Cláudia, você resolveu largar a vida em cidades grandes para viver em cidades pequenas. Porque você chegou a esta decisão?

A decisão de me mudar teve a ver com um senso de oportunidade de negócio aliado à vontade de estar mais próxima da escalada porque estava frustada com meu desempenho.

Quando senti que o meu coração pedia isso, comecei a imaginar como seria e a sincronicidade mais uma vez atuou na minha vida e tudo passou a acontecer de forma redonda para que eu me mudasse.

Eu tinha decidido ir mais para a Serra do Cipó para escalar com mais frequência.

Já estava alugando uma casinha lá, e morar em uma cidade pequena, em uma região linda, a 60 quilômetros da Serra fez muito sentido para mim.

Foto: Acervo Pessoal Cláudia Ferreira

Escaladas em Cambotas-MG | Foto: Helaine Graziele Santos Vieira

Mas eu não teria vindo se a oportunidade não fosse melhor profissionalmente do que Belo Horizonte.

Eu nunca fui aquela pessoa que escala que quer “viver o sonho”, abrir mão de segurança financeira para escalar o máximo possível…

A escalada sempre foi muito importante para mim, mas apenas um dos meus muitos amores.

Não é a escalada que me define, tipo, sou escaladora. E ironicamente, agora que estou perto de duas mecas da escalada estou escalando muito pouco por causa de duas lesões; estou pagando o preço dos esportes praticados ao longo dos últimos 20 anos.

Também não é uma decisão que vejo como definitiva. Estou aqui hoje, mas amanhã posso estar morando em SP, por exemplo. Tenho uma enorme facilidade em me adaptar a diferentes tipos de cidades.

Desde pequena, a cada promoção do meu pai, nos mudavamos e acho que na minha família eu fui dos filhos a pessoa que mais tem essa alma nômade e curiosa para diferenças.

Acredito que há muito crescimento pessoal quando geramos mudanças na vida que nos tiram do que consideramos seguro e previsível.

Para mim, o grande aprendizado da mudança foi a quebra do paradigma de que se ganha mais dinheiro em cidades grandes, o que está longe de ser verdade.

Atualmente muito se fala sobre os profissionais que podem trabalhar como “nômades digitais” (trabalhar remotamente de qualquer lugar do mundo). Você acha que é possível viver assim no Brasil? Por que?

Sim. Eu por exemplo atendo clientes pelo Skype. P

ode-se vender produtos e serviços online de qualquer natureza e fazer a gestão comercial remotamente, por exemplo.

As redes sociais possibilitam o fenômeno da mídia espontânea e venda passiva quando outras pessoas promovem você.

Até na escalada já tem gente vivendo de montar e acompanhar treinos para escaladores, que são monitorados online. Acho que a tendência é que isso só aumente.

Você já morou no Canada e depois voltou ao Brasil. Como esta experiência transformou você?

Completamente.Desde a minha alimentação mais saudavel até a minha apreciação por esportes. Até eu fazer intercâmbio eu só me dedicava ao piano.

Não tinha me dado bem em nenhum esporte porque sempre fui magrinha e era péssima em esportes coletivos, a não ser em queimada porque era difícil me acertar rs.

Mas lá os alunos são avaliados com outros olhos e as aptidões são mais bem aproveitadas e dirigidas.

Eu fiquei deslumbrada com tudo o que meu corpo poderia experimentar: a cada duas semanas praticávamos algo diferente na aula de educação física : Remo, squash, tênis, corrida, cross-country skiing, musculação, luta, badminton, imagina, até sinuca e arco-e flecha.

Foto: Bruno Graciano

Cláudia Ferreira e Juliana Vervloet em Conceição do Mato Dentro | Foto: Bruno Graciano

Isso foi maravilhoso e me fez passar a praticar esportes, principalmente na natureza. É muito lindo como os canadenses se deixam acolher pela natureza e desfrutam dela adaptando-se aos presentes que ela oferece ao longo do ano.

A cada estação, diferentes equipamentos são tirados das caixas para que pratiquem o que for possível naquela fase do ano.

Tudo o que mais valorizo começou lá; com 18 anos eu estava fazendo travessias, portage com canoas canadenses, pegando chuva para atravessar ilhas que tivessem ursos onde não se podia acampar, caminhando com snow shoes por entre florestas lindas.

Foi transformador. Do ponto de vista da tolerância com a diferença foi igualmente especial para mim.

Quando voltei, passei a precisar respirar e viver tudo aquilo, na medida do possível e das limitações do Brasil. A partir dos 19 anos eu experienciei rapel em cachoeiras, travessias, escalada, paraquedismo, paraglider, kick-boxing, capoeira, yoga, dança…

E nunca parei de buscar essa pluralidade. Também nunca fui muito forte em nenhum deles rs, a não ser um pouco mais em Yoga e escalada porque me dediquei mais.

Foto: Acervo Pessoal Cláudia Ferreira

Frey, Argentina | Foto: Foto Matteo Fiori

No segundo ano que morei fora, em 2007, vivi em Golden e Fernie, nas montanhas Rochosas.São cidades muito pequenas e turísticas.

Estudei o modelo de gestão do Parks Canada, voluntariei em uma agência de fomento econômico local, e vi como com pequenas ações locais podemos transformar comunidades inteiras.

Conheci melhor a alimentação orgânica, me envolvi em processos de coleta e re-uso de materiais descartados, troca de roupas entre amigas, troca de alimentos provindos de hortas das nossas casas, passei a tentar adotar a Hundred Mile Diet, que promove o consumo de alimentos da estação e que tenham sido produzidos a até 100 milhas de onde se vive.

Fiquei encantada com o conceito das fazendas verticais urbanas; me sinto uma privilegiada de ter visto tudo isso.

Ter vivido onde o número de habitantes dobra no verão e no inverno por causa de esportes, e ter pesquisado e entendido como foi possível me permite um olhar muito otimista em relação ao futuro da escalada no Brasil, por exemplo.

Passei também a consumir menos e a procurar reformar ainda mais roupas e sapatos, e me atentar mais para a origem dos produtos que compro. É uma tarefa difícil em um mundo cada dia mais refém da imagem; ainda mais com tanta auto-promoção e necessidade de validação e aprovação nas mídias sociais.

Muito se fala mal sobre o nível de cultural dos praticantes de esporte outdoor no Brasil. Você como professora, concorda com esta afirmação ? Por que?

Se você estiver falando de cultura de preservação, silêncio e minimização de impacto, acho que temos um longo caminho pela frente, apesar de eu ver enormes avanços.

Há 20 anos as pessoas eram muito menos cuidadosas do que hoje.

Eu não diria que é falta cultura; não gosto de me colocar numa posição de superioridade, mas acho que falta conscientização.

Foto: Acervo Pessoal Cláudia Ferreira

Foto: Bernardo Vasconcelos

Um despertar mesmo para como podemos tirar proveito do ambiente onde vivemos de uma forma harmônica e prazerosa.

E quando eu digo ambiente, falo até de dentro das nossas casas, prédio, rua. Falta pensar que, paradoxalmente, civilidade é deixar os ambientes que frequentamos mais próximo do que os animais fazem.

Morando em um lugar mais simples. Quais são as coisas que você valoriza hoje e não valorizava antes?

Principalmente o meu tempo livre, hoje possível por eu não mais passar de 2 a 3 horas dentro de um carro diariamente.

Isso teve um impacto enorme no meu vigor, mesmo eu trabalhando mais horas agora.

Estamos vivendo em um momento no Brasil em que as pessoas estão mais engajadas politicamente. Você acredita que isso irá se refletir na escalada em breve? Por que?

Sim. Estamos percebendo que somos agentes de mudanças.

Eu mesma vim para Conceição do Mato Dentro, voltando um pouco também a sua primeira pergunta, por uma frustração como cidadã pós eleições.

Eu tinha duas opções: sair do Brasil, o que, por eu ter uma profissão que me possibilita ganhar dinheiro em qualquer lugar, é muito mais fácil do que para maioria das pessoas, ou me engajar.

Hoje voltei a fazer trabalho voluntário, estou começando a participar de grupos locais.

Esse lugar tem potencial de Nova Zelândia, guardadas as devidas proporções, e quero ajudar as pessoas nesse caminho de perceber tudo o que a cidade pode vir a ser, sem depender tanto da mineração.

Escaladas em Furnas | Fabrício Mamão

Escaladas em Furnas | Fabrício Mamão

Existem modelos inspiradores ao redor do mundo.

O engajamento político pode vir de várias formas. Quando um grupo de indivíduos se agrupa em prol de uma causa, faz-se política social, ambiental…

O que o Clube Montis começou a fazer em Minas Gerais na Lapa do Seu Antão, por exemplo, é política, sem politicagem, É ação, reação, engajamento, cidadania, cuidado.

E ações do tipo estão sendo desenvolvidas no Brasil todo. Quando participamos da reunião de condomínio estamos fazendo política da boa vizinhança e do convívio social.

Espero que a comunidade escaladora se una mais pelo esporte.

Podemos fazer muito juntos, pelo bem de todos, desprovidos de interesses pessoais.

Muito se fala de desapego e vida simples. O que você diria para as pessoas que desejam seguir este estilo de vida?

Sou a maior incentivadora.

Pode-se começar por diminuir as necessidades materiais inventadas, e que só tendem a aumentar na medida que se cria uma dependência delas.

Se você se projeta com uma imagem de glamour, vai precisar bancar e manter isso ao longo da vida.

O custo disso é ter que trabalhar mais. Se as pessoas passarem a valorizar experiências, mais do que coisas, terão muito mais felicidade.

Recomendo viagens, conhecer gente nova sempre, hospedar amigos, plantar flores e hortas, acampar…

Tudo isso simplifica e deixa a vida mais barata. Quanto mais amigos, menos se gasta para viajar.

Foto: Acervo Pessoal Cláudia Ferreira

Gruta Rei do Mato – MG | Foto: Fransisco Taranto Jr.

Eu faço isso desde que era estudante, dura. Via meus muitos finais de semana como minhas muitas férias ao longo do ano; um jeito de recarregar as baterias depois de uma semana de trabalho e estudos em 3 turnos.

Não ganhava muito, mas conheci muitos lugares escalando e praticando esportes.

Sugiro que as pessoas sejam resistentes a uma carga de trabalhe desequilibrada, e consumam menos.

Quem quiser pesquisar: Lowsumerism. Quando passei a agir ainda mais assim, tive mais recursos para mais coisas do espírito.

Foto: Acervo Pessoal Cláudia Ferreira

Escaladas Serra do Cipó | Foto: Edemilson Padilha

Hoje, ao invés de muitas coisas, consumo mais bem-estar.Consigo fazer Pilates e piano às 10 da manhã, treino musculação no meio da tarde, vou à cachoeira 6a-feira à tarde…

O paradoxo é que com uma vida mais simples, tenho uma vida rica, sem ser.

O que eu almejo hoje é o melhor dos dois mundos; morar em um local tranquilo, sem trânsito, ter mais natureza perto de mim, mas também estar próxima a uma cidade como BH, que amo por tudo o que faço quando vou lá; teatro, cinema, concertos, restaurantes, baladas, bons supermercados, arte…

Percebi que era hora de me mudar quando caiu a ficha de que eu tinha intencionalmente me mudado para perto do maior centro cultural de lá, para poder frequentar a pé, e não estava conseguindo ir porque me faltava tempo, energia ou os dois…

Hoje quando vou aos finais de semana,tudo fluir melhor e não perco vitalidade nem tanto tempo no trânsito.

Foto: Acervo Pessoal Cláudia Ferreira

Foto: Acervo Pessoal Cláudia Ferreira

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