Entrevista com César Grosso

De 12 a 13 de julho aconteceu em Chamonix, nos Alpes Franceses, a 2ª etapa da Copa do Mundo de Escalada, organizada pela IFSC (Federação Internacional de Escalada Esportiva). O evento contou com a participação de mais de 146 atletas de 27 países.

O único representante brasileiro nesta etapa foi o paulista César Grosso, seis vezes campeão Brasileiro de dificuldade, 4 vezes campeão brasileiro de boulder, campeão sul-americano dificuldade em 2008 e um dos nomes nacionais com maior possibilidade de participar das Olimpíadas de Tóquio 2020, quando a escalada estréia como esporte de exibição.

César Grosso

Foto: Acervo pessoal César Grosso

Batemos um papo com César Grosso durante e depois da competição para entender mais um pouco sobre essa modalidade que não para de crescer pelo mundo, como tem sido a inserção dele no cenário europeu, e como o Brasil está se posicionando no cenário competitivo mundial.

César, voce já competia no Brasil e resolveu vir para Europa. Qual foi/foram os objetivos e expectativas dessa mudança?

A decisão de mudar de São Paulo para Arco teve também uma influência da escalada, mas não foi o principal. Em 2011 eu vim para Arco competir no Mundial e me apaixonei pela região, pelo estilo de vida, geografia, etc.

Dois anos mais tarde, em 2013, já cansado do estilo de vida paulistano (trânsito, correria, etc), resolvemos (eu e minha esposa) nos mudarmos para Arco e tentar a vida dentro de um estilo de vida mais tranquilo e simples.

Uma das expectativas foi, e é, desenvolver minha escalada, visto que Arco é um dos grandes points de escalada na Europa, mas claro que algumas coisas da “terrinha” fazem falta.

E você está conseguindo alcançar essas expectativas? Chegar aí, treinar e competir foi o que imaginava ou rolou algum “choque” e adaptações?

Parcialmente, sim!

Aqui tem muitas falésias, uma forte cultura de escalada e montanhismo, mas treinos e escalada de competição não é muito popular pela região.

Tenho que fazer horas de viagem para achar uma boa academia e não é tão fácil achar um parceiro de treino.

César Grosso

Foto: Acervo pessoal César Grosso

Este ano você participou de duas etapas da Copa do Mundo. Como funcionou a preparação logística, sendo que você é um brasileiro competindo na Europa?

A preparação começa meses antes.

Para mim, competir sempre foi uma decisão séria de compromisso com os treinos. Além disso, também com meses de antecedência, devo reservar os dias no trabalho para viagens de competição.

E por ser brasileiro, não temos nada pago: pago tudo do meu bolso, então tenho um custo limitado entre deslocamento, inscrições, alojamento, refeição, etc. Eu sempre escolho as etapas da copa do mundo que forem mais próximas daqui, assim em um dia de viagem de carro consigo ir e outro voltar, sem grandes custos. 

O plano maior de pegar experiência nessas etapas da Copa do Mundo é participar da Olimpíada? E falando em Olimpíada, o que você achou desse formato inicial para 2020?

Tóquio para mim seria um grande feito a longo prazo, por isso estou focado nos próximos pequenos passos a curto prazo. O estilo (e o nível) mudou muito nos últimos anos, então para ir bem em um campeonato destes, é imprescindível se familiarizar com o estilo.

O formato olímpico tem suas polêmicas simplesmente por ter somente um pódio compreendido nas três modalidades, então o atleta que antes era considerado “especialista” da modalidade terá que competir nas outras duas (dificuldade, Boulder e velocidade) para se consagrar campeão olímpico.

Claro que não é o ideal, mas como um primeiro passo (ou ciclo) olímpico temos que aceitar essa regra do COI (Comitê Olímpico Internacional). Caso Tóquio ocorra de modo positivo, provavelmente teremos três pódios para a escalada em 2024, um para cada modalidade.

Acredito que as críticas venham de ideias mais imediatistas, mas pensando um pouco mais a longo prazo é um grandíssimo passo para a escalada mundial.

César Grosso

Foto: Acervo pessoal César Grosso

Como é esse estilo hoje em dia? E você vê esforço no Brasil para se adaptar a esse novo jeito de escalar, digamos assim?

O estilo de escalada de competição de hoje em dia é mais técnico e dinâmico, com cada vez mais volumes, movimentos dinâmicos, até botes!

Com uma leitura muito menos óbvia que em outros tempos, e os crux são mais acentuados, sem falar que o tempo de escalada diminuiu!

No Brasil esse estilo ainda não chegou ou não se consolidou. Mas é claro que tudo isso vem de formal gradual e envolve investimento, principalmente com agarras e módulos.

Quais são as diferenças entre competir na América do Sul, Brasil e Europa?

Basicamente, muda o nível e também o estilo as vias.

A escalada de competição está evoluindo em todas as partes do mundo, do brasileiro ao mundial, e em todos os sentidos. As associações, federações, organização do evento em si, as vias, muros, os escaladores, etc.

Mas como toda evolução, gera mudança, e alguns tem mais dificuldades de se adaptar ou aceitar isso. No Brasil um campeonato é o evento do ano para um escalador e são poucos que se arriscam.

Na Europa é muito mais rotineiro e faz parte essencial de um crescimento como escalador que só a competição pode proporcionar, o que mais tem aqui é campeonato infantil e juvenil. Seja via, boulder ou velocidade.

Não é de um dia para o outro, nem por acaso, que aparece um campeão mundial na Europa. 

César Grosso

Foto: Acervo pessoal César Grosso

Conte um pouco do que você já viu em termos de infra estrutura e preparação dos atletas e times europeus.

Alguns atletas europeus já me perguntaram mais de duas vezes, mas eles não acreditam que eu vá competir sozinho, ou que minha massagista, fisioterapeuta, fotografa, manager e gerente de logística é também minha esposa. Ou que eu pague para escalar nos ginásios aqui, ou que eu durmo em camping ou casa de amigo nas etapas.

Eles tem toda a infraestrutura (nada mais justo!) Van com motorista, fisioterapeuta, manager, salários, etc. Enfim, quase todos vivem só da escalada e é assim que tem que ser se quisermos ver a escalada crescer.

De tudo isso que está vivenciando por aí – e pensando no Brasil – no que você acha que podemos melhorar para (não ainda chegar no nível europeu) pelo menos começar a, como você diz, ver a escalada crescer: infra estrutura, patrocínio, ginásios, treinamento?

Acho que a curto e médio prazo isso vem acontecendo (dentro das nossas limitações), a escalada vem, pouco a pouco, sendo mais conhecida, o mercado de aventura vem crescendo, ginásios abrindo e hoje temos até alguns atletas patrocinados e vários eventos acontecendo.

A longo prazo (e de modo mais eficaz), acho muito importante o trabalho e popularização da escalada com crianças, um esporte tão intuitivo onde todos nós aprendemos a escalar uma escada antes mesmo de aprender a andar, tem que ser mais divulgado e incentivado. Isso tem sido feito em todo mundo já a alguns anos, e hoje esses países estão colhendo bem. 

Enfim, cada um de nós é responsável pela acessibilidade à escalada e a manutenção dela.

César Grosso

Foto: Acervo pessoal César Grosso

E finalmente, quais os planos de Cesar Grosso daqui até o final do ano e para 2018?

Este ano ainda participo de mais 4 campeonatos (Copa do mundo, italiano e brasileiro) e no meio tempo quero me dedicar um pouco à rocha (e à caça de algum patrocínio). Para 2018 eu prefiro focar 2017.


Para saber mais sobre o César e acompanhar sua rotina de treinos, alimentação e dia a dia na Europa, curta sua fanpage no Facebook e siga o seu Instagram.

There are 3 comments

    1. Luciano Fernandes

      Oi Douglas

      Acredito que a raiz do problema passe por muitos outros fatores que somente talento. César Grosso é um dos escaladores mais fortes do Brasil e da América do Sul. O problema passa também por falta de organização e profissionalismo de quem organiza eventos competitivos. Por este tipo de debilidade marcas, de qualquer segmento no mercado, não arriscam depositar um dinheiro alto em eventos amadores e com fórmula viciada.

      A este problema, falta ainda preocupar-se com o interesse coletivo de quem é representado. O interesse particular de quem está nas federações e associações segue o mesmo modus operandi dos politicos brasileiros : os interesses particulares são mais importantes do que o coletivo.

      Quando César Grosso teve oportunidade de treinar com Patxi Usobiaga, por exemplo, quase chegou à final. Ou seja, talento e potencial há. Mas há outra coisa que talvez atrapalhe (como a todos nós) chamado : A VIDA.

      Como não há possibilidade de ser atleta profissional (que somente treine, compita e escale), muitos escaladores brasileiros têm de trabalhar em outras profissões, acabam assumindo compromissos com isso, acabam casando e, inevitavelmente, priorizam outras coisas de suas vidas. Como eu, você, e todos que têm de pagar as contas.

      Resta, pelo menos de nossa parte (digo como editor de conteúdo da Revista Blog de Escalada), relatar os erros e acertos de quem está disposto a criar a nova geração de escalada e que tenha objetivo traçado. Enquanto houver diretores com mimimi de veículos como nós, interesse particular acima do coletivo, objetivo de perpetuar a velha panela que há nas associações e federações brasileiras, iremos sempre ficar lamentando.

      Abs

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