Entenda: Por que o boulder das olimpíadas provocou polêmica política?

Na terceira linha de boulder da final masculina na Olimpíada, houve uma polêmica a respeito da real motivação para um design tão diferente. A linha, em teoria, estaria fazendo uma referência à bandeira do sol nascente do império japonês.

A bandeira foi utilizada pelas Forças Armadas japonesas e pela Marinha Imperial, entre 1870 e 1945, e é símbolo da política expansionista do Japão durante o século XIX. Para alguns países, como a Coreia do Sul, ela é considerada tão agressiva quanto a bandeira dos confederados norte-americanos, que simboliza no país um símbolo de ódio racial.

Por que a bandeira é ofensiva para alguns?

Para uma boa parcela da população norte-americana a bandeira dos confederados é um símbolo profundamente ofensivo de uma opressão brutal, pois durante a guerra civil dos EUA os Estados Confederados buscaram independência para impedir a abolição da escravatura.

Analogamente, a bandeira do sol nascente também levanta polêmica em várias partes do Leste Asiático, especialmente na Coreia do Sul, onde é associada ao imperialismo japonês e aos crimes de guerra do país durante a Segunda Guerra Mundial e antes. O período também é conhecido como Holocausto Asiático por alguns historiadores.

Rudolph Joseph Rummel, professor de ciência política na Universidade do Hawaii, declarou em seus estudos que, entre 1937 e 1945, os militares japoneses assassinaram de três milhões a mais de dez milhões de pessoas entre chineses, indonésios, coreanos, filipinos e indochineses, entre outros. A título de comparação, o Holocausto, realizado pela Alemanha Nazista, resultou no assassinato em massa de seis milhões de judeus.

A bandeira do sol nascente aparece na literatura promocional de extrema direita japonesa e nos sites de grupos como o Zaitokukai, cujos membros marcham com cartazes dizendo: “Coreanos devem ser massacrados!”. O grupo político Nippon Kaigi, que conta com o primeiro-ministro japonês, Shinzō Abe entre seus membros, e descreve a segunda guerra mundial na Ásia como uma “guerra santa de libertação”.

Portanto, Coreias, China e outros países asiáticos afirmam que a bandeira do sol nascente é uma lembrança viva das atrocidades do Japão durante a guerra e é comparável à suástica nazista. Portanto, a presença da bandeira do sol nascente levantou protestos nas Olimpíadas, com alguns dos vizinhos do país anfitrião pedindo seu banimento durante os Jogos de Tóquio.

O Japão, por sua vez, considera a bandeira do sol nascente parte de sua história. Porém, os ultradireitistas no Japão costumam usar o símbolo durante comícios ou nas redes sociais.

Detalhes sobre os crimes de guerra japoneses é contado no livro El Holocausto Asiático, de Laurence Rees.

Pedido da Coreia do Sul

A escolha do Japão como sede dos Jogos Olímpicos foi feita durante a 125ª Sessão do Comitê Olímpico Internacional, que aconteceu em Buenos Aires, Argentina, em 2013. Em 2019, a Coreia do Sul solicitou formalmente que o Comitê Olímpico Internacional (COI) banisse a bandeira do sol nascente nas Olimpíadas de Tóquio.

Como a bandeira do sol nascente não é a bandeira nacional do Japão, o Comitê Olímpico Internacional (COI) teria a autoridade para excluí-la dos Jogos de Tóquio. Porém, o Comitê Olímpico Local do Japão recusou o pedido da Coreia do Sul, explicando que a bandeira é “amplamente usada no Japão” e “não é considerada uma declaração política”.

A Coreia do Sul, que esteve sob domínio japonês de 1910 a 1945, afirmou que a bandeira lembra as “cicatrizes e dor” dos asiáticos que sofreram a agressão militar do Japão durante a guerra, semelhante a como a suástica “lembra os europeus do pesadelo da Segunda Guerra Mundial”.

A mídia estatal da Coreia do Norte acusou o Japão de tentar transformar “a bandeira dos criminosos de guerra” em um símbolo de paz nas Olimpíadas, dizendo que isso é “um insulto intolerável ao nosso povo e a outros asiáticos”. O sentimento em relação à bandeira do sol nascente é claramente menos sensível na China do que na Coreia do Sul.

Boulder da final masculina da Olimpíada

Durante as Olimpíadas, a transmissão da escalada nas Olimpíadas pode ser acompanhada por streaming. Por uma questão de hábito, várias pessoas acompanharam a narração tradicional da Federação Internacional de Escalada Esportiva (IFSC). A preferência se justifica por ser o narrador e repórteres habituados com o esporte e com a biografia de cada atleta.

A atleta sul-coreana Jain Kim, que venceu 30 etapas da Copas do Mundo, estava assistindo à final olímpica masculina de bouldering e estava, como muitos, fascinada pelo design da terceira linha. O visual do boulder se assemelhava a um leque de gueixa, ou mesmo a um relógio.

Mas quando o narrador britânico Jonny Bryan descreveu o que seria a linha de boulder, Kim ficou muito chateada. O britânico declarou, mais de uma vez, que o design da via criada pelos route setters japoneses e franceses era para dar a imagem do sol nascente japonês.

Jain Kim foi ao seu perfil no Instagram, que possui pouco menos de 100 mil seguidores, e explicou os motivos que a deixou chateada e enviou também uma reclamação formal ao IFSC. A razão pela qual ela queria trazer isso à tona é a falta de consciência e que não houve desculpas de qualquer parte pelos sentimentos feridos.

“A bandeira do sol nascente é a bandeira militar usada pelo Japão durante a Segunda Guerra Mundial, que simboliza o militarismo japonês. Para os países vítimas, a bandeira do Sol Nascente não é diferente da Suástica, o símbolo do nazismo alemão para os países vítimas. Portanto, a bandeira do Sol Nascente é sempre uma questão extremamente séria entre as vítimas e o Japão, incluindo a Coreia do Sul”.

A IFSC respondeu a Jain que foi um erro do narrador e que nenhuma das linhas teve a intenção de representar qualquer símbolo. Jain respondeu que acha muito estranho como que um narrador britânico possa entender que era aquele exatamente aquele símbolo sem que lhe digam, já que ela mesma não viu dessa maneira antes do locutor anunciar.

Jonny Bryan, até o momento, não se pronunciou sobre o caso. Jain Kim, assim como vários veículos de informação, entraram em contato com o narrador, e não tiveram resposta ainda.

Os Route Setters de bouldering na Olimpíada de Tóquio foram Percy Bishton (chefe) do Reino Unido, Manuel Hassler da Suíça, Romain Cabessut da França e Garrett Gregor dos EUA. Todos não emitiram, ainda, nenhuma declaração a respeito do assunto.

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