Economia: As academias de escalada vão sobreviver à crise de coronavírus?

A pandemia de coronavírus está afetando todas as esferas de nossas vidas. Inclusive nossa escalada. As academias em geral, incluindo as de escalada, estão fechadas em várias cidades do Brasil.

Há também consequências mais graves. As pequenas empresas, que incluem a maioria das academias no Brasil, sempre estão lutando pela sobrevivência. A principal pergunta é: Teremos algum lugar para treinar quando a poeira baixar?

Além disso, a comunidade de escalada deve ajudar os proprietários de paredes ? E se sim, como?

Brasil às portas da recessão severa

No dia de ontem o Banco Central anunciou que a projeção de crescimento do PIB será de 0%. A projeção anunciada em dezembro último era de 2,2%. Essa redução reflete a desaceleração de indicadores do nível de atividade econômica no final de 2019 e início de 2020.

Mas o que significa isso para você, que pratica a sua atividade outdoor como escalada, trekking, etc?

Significa muito. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) mede o avanço na produção de bens e serviços em uma economia. Ou seja, quanto mais estabelecimentos abrem, mais lojas vendem, mais pessoas consomem serviços, maior o crescimento da economia

Quando a economia encolhe, significa que menos pessoas se arriscam a empreender, consumidores gastam menos, vendedores vendem menos, etc. Fica tudo parado, porque todos têm medo de gastar. Qual empresário razoavelmente racional investiria e inovaria em uma economia estagnada?

O mais natural é que busque adiar investimentos, impactando logo adiante nos níveis de atividade econômica (PIB) e emprego. Acontece uma espiral descendente, com cada reação provocando mais estagnação.

Pois com a paralisação da economia, além da recusa do governo brasileiro dar uma ajuda consistente ao comércio, quem mais vai sofrer é justamente as micro e pequenas empresas (55% do PIB no Brasil). Ou seja, as academias.

Academias de escalada

O Brasil não é exatamente uma potência econômica, assim como escalar não é um esporte nacional.

O que tínhamos até outro dia, que era a oportunidade de escalar em academias, lojas especializadas, guias atualizados regularmente, iniciativas (como o tour de filmes do Freeman Outdoor Brasil) era frequentemente criado com grande esforço.

Mesmo o período dos últimos 4 anos, que consolidou uma explosão no desenvolvimento da escalada em nosso país, ainda não nos aproximou do nível de países como Alemanha, Japão, Estados Unidos e Espanha.

Neste contexto, comparando com estruturas dos países citados, a infraestrutura de escalada brasileira infelizmente ainda é ruim. São espaços relativamente pequenos, com poucas academias oferecendo paredes para escalada guiada ou estrutura para escalada de velocidade.

Lembrando que para que uma estrutura destinada a uma academia de escalada é necessário investimento em equipamentos caros, pois em sua maioria são importados. Além disso, há a habilidade administrativa que muitas vezes deixa a desejar.

Como apontado no início do texto, em uma economia que está estagnada (ou mesmo em recessão), o ato de pegar dinheiro emprestado para investir em uma academia de escalada (que por mais que tenha crescido, ainda é um esporte de nicho) fica mais difícil.

Entenda por dificuldade os valores dos juros cobrados pelos bancos (que começam a ver risco demasiado de não serem pagos). Quanto maior os juros, mais caro é investir em um empreendimento.

Receita zero

Foto: Flávio

Existe um ditado na área administrativa, o qual é repetido em todos os MBA realizados ao redor do mundo, que “a única empresa que não existe é aquela que não tem clientes”. Pois é exatamente o que está acontecendo agora.

Duas das maiores cidades do Brasil atualmente estão fechadas. Não por opção, mas por determinação do governo do estado onde estão estas academias. Quando foram abertas, estas academias, muito provavelmente, fez empréstimos em instituições financeiras.

Para entender o desafio que grande parte das academias irão enfrentar em um futuro próximo é:

  • Faz parte do planejamento de qualquer negócio fazer uma conta simples antes de que comece a funcionar: receita (o que se ganha de dinheiro) – despesa (contas que se paga) = Lucro (se existir).
  • Para uma academia de escalada ser moderna, todo o lucro deve ser investido no desenvolvimento de forma contínua.
  • Não é segredo para ninguém que uma academia de escalada possui três grandes pilares de receita (ganhos de dinheiro): mensalistas, diaristas e eventos (geralmente festas).

Portanto, todos os meses uma academia de escalada possui despesas como: salário de empregados, pagamentos a prestadores de serviço, pagamento de parcelas do empréstimo a instituições financeiras e gastos com infraestrutura (aluguel, água, luz, telefone, internet, etc).

Imagine agora a realidade de que uma academia não pode seguir recebendo receitas de diaristas e eventos. Sim, a realidade de uma academia de escalada hoje é: ter a mesma despesa (salários, aluguel, etc) mas com receita dois terços menor.

Além disso, quando as pessoas possam circular normalmente clientes vão querer uma compensação em seus planos de mensalistas pelos dias que pagaram e não puderam usufruir.

O que os governantes estão fazendo?

A Revista Blog de Escalada entrou em contato com proprietários de diversas academias para saber da situação delas. Muitos proprietários enfatizam a importância da equipe de pessoas com quem trabalham, sejam elas fixas ou prestadores de serviço.

Por enquanto, algumas estão em obras de manutenção, lavando garras e refazendo as vias. As equipes que trabalham recebem remuneração, mas os prestadores de serviço não. Mas se essa situação durar mais tempo talvez a iniciativa acabe por prejudicar o próprio negócio e as pessoas que trabalham nele.

No exterior, muitos governos anunciaram pacotes de ajudas à economia do país. Nos EUA, foi anunciado o pacote fiscal de emergência mais agressivo da história dos EUA, que pode chegar a US$ 1 trilhão. Plano de resposta à pandemia prevê ainda US$ 300 bi para pequenas empresas e US$ 150 bi para outros setores.

Em outras palavras, significa que as academias dos EUA terão a que recorrer após o isolamento social terminar.

Os representantes das 20 maiores economias do mundo se reuniram, virtualmente, e entre as medidas planejadas está a injeção de US$ 5 trilhões (R$ 25 trilhões) na economia global. Porém, tudo vai depender de como cada país irá administrara injeção de recursos.

E é nesta dependência que está o perigo para os micros e pequenos empreendedores pois, como se sabe, o Brasil não estimula o empreendedorismo como deveria. O que deveria ser discutido e resolvido há pelo menos 20 anos, está cobrando o preço agora.

Além disso, há um outro problema, que todos já devem ter notado, é que os governos tendem a ajudar primeiro as grandes empresas.

Qual a saída para as academias?

No Brasil, algumas medidas foram tomadas, como antecipação de férias e feriados, ampliação do uso de banco de horas, prorrogação do pagamento de tributos e dívidas e acesso a crédito do BNDES. Mas para cortar as despesas durante o período de fechamento ou interrupção dos negócios, é importante que as academias de escalada busquem uma reengenharia nos gastos.

Por lei contratos que se tornarem desproporcionais e injustamente vantajosos para o fornecedor ou credor, podem ser revisados durante o período de quarentena. Ou seja, é possível a revisão do contrato de locação e condomínio, já que já que o imóvel locado não será utilizado.

A academia deve, portanto, se preocupar cumprir aqueles contratos cujo serviço esteja diretamente ligado à sobrevivência e sejam essenciais para a manutenção e retomada das atividades, quando a reabertura for autorizada pelos governos estaduais.

Além disso o governo federal vai financiar salários por dois meses para pequenas e médias empresas. O recurso será depositado diretamente na conta de cada trabalhador indicado pela empresa. O financiamento será limitado a dois salários mínimos (R$ 2.090) por trabalhador.

E a comunidade?

Uma academia de escalada fechar significa muitos passos atrás para o esporte. O fechamento de academias no início da década de 2010 estagnou o esporte no Brasil. Somente após o anúncio da escalada tornar-se esporte olímpico que se ressuscitou o desejo empreendedor de várias pessoas.

Portanto, a comunidade de escaladores possuem um papel chave nesta equação que pode significar a sobrevivência. Para cada escalador que acredita que a sua academia de escalada deva sobreviver, deve além de frequentar e ser mensalista do estabelecimento, também levar outras pessoas para experimentar o esporte.

Esta apresentação do esporte a quem não o conhece deve ser frequente. Se cada pessoa levar ao menos uma outra a conhecer o estabelecimento uma vez por semana, o movimento do estabelecimento deve ajudar a diminuir os prejuízos a médio prazo.

Claro que as academias que não tiverem a identificação de seu público, não contarão com este tipo de engajamento. O que é um desafio agora, o de engajar o púbico que frequenta a academia, iria aparecer inevitavelmente no futuro.

Caberá também aos proprietários também fazer sua parte. Deverão estes investir em propagandas, eventos e acontecimentos para engajar o público. O empresário que esperar que a comunidade ajude simplesmente “pelo esporte” é dar um tiro no pé.

Quem é dono de uma academia de escalada deve entender que o público deve ter carinho com o lugar, não somente com o esporte. Mas para isso o público deveria sentir a contrapartida dos proprietários.

Academias que não anunciarem em várias mídias (não somente apostar em redes sociais), não participarem de eventos (não somente organizar festinhas para público fechado), apoiarem iniciativas e, principalmente, fazerem o cliente saber que valorizam o esporte e a comunidade, estão fadadas ao fechamento.

Cabe a cada elemento da comunidade cobrar esta atitude das academias. Afinal em tempos de coronavírus, ao menos no Brasil, está na hora dos proprietários deixarem de serem brigados com todos e pararem de pensar que devem ser sustentados pela comunidade a cada dificuldade.

Pode parecer injusto, mas o mundo mudou. E não foi pouco.

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