Existe doping no montanhismo? A resposta depende do tipo de conquista desejada

Talvez o pouco conhecimento do que é de fato doping, dopagem bioquímica ou simplesmente dopagem, em alguma atividade física é uma constante na sociedade moderna. Entretanto, todos concordam que doping é uma trapaça e uma maneira de burlar realidade biológica de um atleta, para conseguir ostentar conquistas esportivas.

O próprio conceito de doping, que já existe controle há 50 anos desde os Jogos Olímpicos do México 1968, vem evoluindo ao longo do tempo. Na época de sua implementação, apenas um único atleta foi flagrado: O sueco Hans Liljenwallv do pentatlo moderno. Qual foi a substância? Álcool (Liljenwallv estava bêbado).

Todos que acompanham esportes, sabem que em datas anteriores a 1968, o doping acontecia corriqueiramente (apesar de condenado, ainda não era controlado). Um exemplo clássico, foi o dinamarquês Knut Jensen, que morreu de overdose oito anos antes na Olimpíada de Roma, em 1960. As Olimpíadas de 1964, realizadas em Tóquio no Japão quatro anos antes do controle antidoping ser implementado, ficaram marcadas pelos constantes boatos de elevado uso de anabolizantes por parte dos competidores.

Apesar do doping ser controlado a partir de 1968, somente 30 anos depois, no ano de 1999, é que foi criado o World Anti-Doping Code (Agência Mundial Antidoping), uma organização independente criada por iniciativa coletiva e liderada pelo Comitê Olímpico Internacional. O Brasil também possui as suas agências: a Agência Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD) e Agência Nacional Anti Doping (ANAD).

Foto: http://colmeia.biz/

A CBAt, que criou a ANAD em conformidade com o Código da WADA, é a confederação brasileira que tem o maior programa de combate ao doping nos esportes não profissionais no Brasil. Já a ABCD, teve problemas com a WADA em 2016 e chegou a ser descredenciada por estar fora dos padrões de conformidade com o Código Mundial Antidoping (implementado em 2004 para padronizar as regras). Depois disso, após investigações da WADA que apontaram “falhas sérias”, a ABCD voltou a ser reconhecida.

Mas porque existe o controle de doping para atletas? Para garantir a igualdade de condições dos atletas que ambicionam uma conquista esportiva. Pois, como todos sabem, um atleta se dopa para obter vantagens em cima das disputadas esportivas em relação aos outros atletas. Entretanto, para montanhistas, não há uma lista extensa de produtos como nos esportes olímpicos. Como todos sabem, existem vários montanhistas que se valem de medicamentos para conseguir driblar determinadas situações, como a aclimatação e o seu desempenho atlético.

Pois, se há 4.000 anos, os guerreiros chineses utilizavam efedrina para aumentar sua coragem e ânimo antes dos combates, por que os montanhistas não fariam o mesmo?

A resposta a esta pergunta passa pela questão ética, mas também pela diferença entre mérito esportivo e mérito pessoal. Pois, muito antes de julgar se é ético ou não um montanhista, ou mesmo escalador, apelar a medicamentos que impulsionem sua performance, é necessário também perguntar-se os motivos que se está fazendo isso.

Mérito esportivo x Mérito Pessoal

Por ser o montanhismo e escalada praticado por poucas pessoas (em relação à população em geral), além de ser visualizado por jornalistas de mídias de massa da mesma maneira e deslumbramento que há 100 anos, basta o fato de alguém chegar a um cume, mesmo que arrastado por sherpas e pagando caras excursões, que vira destaque instantâneo.

A estratégia de muita gente que chega ao cume de uma montanha, não importa qual, é usar um adjetivo chamativo para a montanha e enviar um press release para as mídias com baixa relação com esportes e montanhismo. Esta é a fórmula secreta para os “montanhistas palestrantes”, ou como é mais conhecido na comunidade de montanha os “montanhistas pop”

Ironicamente, estes mesmos jornalistas que publicam sobre os “montanhistas pop” não destacariam positivamente um atleta de futebol que conquistou um campeonato dopado, ou mesmo um maratonista que quebrou um recorde mas foi pego no exame antidoping. Mas no momento que tem contato com uma notícia manipulada de um esporte que não entende, já elenca-se uma lista de elogios, frases feitas, clichês e uma coleção de falas com retórica.

Mas por que estas mídias de massa, junto de seus repórteres e jornalistas, acreditam que no montanhismo é tudo a mesma coisa? Porque eles não possuem domínio de um conceito que cada vez mais orienta a prática de esporte em nosso planeta: o tipo do mérito do atleta (seja ele amador ou profissional). Porque, inegavelmente, subir uma montanha possui um mérito.

Mas quando observar o montanhismo sob o ponto de vista esportivo, no qual vale as conquistas e referências regionais, existe um abismo de diferença entre mérito esportivo (aquele que a marca tem a sua relevância para o esporte) e o mérito pessoal (aquele que a conquista serve somente para satisfazer os desejos pessoais de alguém).

Mérito existe, o que é fundamental, e o que os jornalistas ignoram (sem sequer fazer uma pesquisa investigativa a respeito do assunto), ou desconhecem, é que existem diferentes tipos de méritos. Esta diferença para o montanhismo, como esporte em si, faz toda a diferença. Porque quando um montanhista realiza algo com mérito esportivo, deve ser destacado na sessão de esportes. Para os méritos pessoais, existe a coluna social.

O exemplo mais fácil de explicar para alguém a diferença entre esses méritos, é comparar a escalada de alta montanha com uma maratona. Todos os anos há cada vez mais pessoas correndo uma maratona. Toda a magia e história a respeito dos 42 km de extensão são vastamente conhecidas. Uma pessoa comum, que não é um atleta profissional, e que ambiciona correr a maratona, sem o objetivo de ganhar ou estar entre os primeiros, é alguém que está atras de um mérito pessoal. E isso é ótimo. Para ele.

Quando este atleta amador completa a corrida, evidentemente, é um mérito, pois raras exceções, não ficou entre as posições de destaque (como os primeiros 10 mais rápidos) da maratona. Foi uma conquista totalmente pessoal. Isso é um mérito pessoal, mas que não mudou a historia do esporte em si.

Por isso que não são vistos pessoas que correm maratona em 4 horas ou mais, realizando palestras motivacionais, muito menos tornando-se ídolos com entrevistas exclusivas em programas esportivos.

Já para o atleta profissional, que se prepara para vencer uma maratona, ou mesmo chegar aos primeiros lugares, vale o mérito esportivo. Para ele, importa muito mais que simplesmente chegar. Importa, para esse atleta, os detalhes que podem fazer dele uma referência dentro do esporte. Caso sua conquista seja destaque, ficará em evidência nas mídias esportivas especializadas ou não.

No montanhismo é a mesma coisa. Chegar no topo de uma montanha não é uma tarefa fácil. Portanto, dentro da comunidade de montanha, é considerado mérito esportivo quando o montanhista planeja sua logística, carrega seus equipamentos, preferencialmente não utiliza garrafa de oxigênio e, claro, não utiliza cordas que outras pessoas colocaram na montanha para ajuda-lo.

Para querer configurar como um atleta de montanhismo, ele deve fazer da mesma maneira, ou até mesmo mais difícil, o que outros fizeram no passado.

Você compararia, por exemplo Reinhold Messner, talvez um dos maiores montanhistas de todos os tempos e rei dos méritos esportivos do montanhismo, com outra pessoa que foi guiada, teve seus equipamentos carregados por sherpas, barracas montanhas pela agência de turismo e, dependendo da ocasião, sequer fez o trekking ao campo base?

Esta comparação é a equivalente a de equivaler em mérito o que um maratonista profissional consegue, com uma pessoa que tem a ambição de somente terminar a corrida e terminou em um tempo duas vezes maior.

O mérito pessoal é importante? Sim, sem dúvida nenhuma, pois é o que nos motiva para aperfeiçoar-nos. Mas iludir pessoas, jornalistas e veículos de comunicação que não entendem dos meandros do esporte, com todas as suas regras específicas, para inflar méritos pessoais para alcançar fama, é, no mínimo, uma prática que denota falta de caráter. Inflar feitos pessoais, os quais, se comparados com todo o universo de praticantes, é algo corriqueiro, evidenciando a ambição de apenas ganhar fama e ser tratado como uma celebridade, é mentir descaradamente à sociedade (além de a si mesmo).

No meio desta diferença entre mérito pessoal e mérito esportivo, onde entra o doping nisso? A dopagem pode ser encontrada nas etapas que fazem parte do montanhismo.

Voltando à analogia de montanhismo e maratona, um atleta amador tomar um remédio para ajudar a terminar uma maratona é algo socialmente aceitável, afinal ele não está buscando atingir um mérito esportivo, mas pessoal. Já o atleta profissional, que usa remédios para isso, já um outro assunto.

Mas e o doping no montanhismo?

Para entender o conceito de doping no montanhismo é importante reconhecer que a ingestão de alguma droga irá auxiliar no rendimento na montanha. Para alguém que está buscando chegar no topo de uma montanha para mérito pessoal, é comum apelar para as garrafas de oxigênio. As garrafas de oxigênio, há muito, são consideradas uma espécie de doping para os montanhistas profissionais, em especial os que buscam um mérito esportivo.

Quem levantou esta bandeira foi Reinhold Messner e, para desespero de muitos, ele sempre volta a bater nesta tecla nas suas colunas publicadas em um jornal italiano. Por este motivo é que todos os montanhistas que fazem uma ascensão em qualquer montanha, sem o uso de oxigênio suplementar, são respeitados pela comunidade de montanha. Além do uso de oxigênio suplementar para as ascensões, existe uma verdade incômoda que muitos praticantes de alta montanha não gostam muito de tocar no assunto: os remédios no processo de aclimatação.

Muito da discussão entre os montanhistas acontece, porque muitos acreditam que não há suficientes estudos conclusivos sobre o que usar (remédios, comida ou bebida) para combater o mal de altitude.

Montanhistas que buscam o mérito esportivo, pois praticam a modalidade como profissionais, são contra o uso de drogas no tratamento do mal de altitude. Quem é profissional da área, ou seja, está constantemente na alta montanha, acredita que quanto mais o organismo se adapte sozinho à altitude, melhor o seu rendimento.

Remédios utilizados por montanhistas

Foto: http://www.gettyimages.com/

Antes de listar os remédios mais utilizados pelas agências de turismo para aplacar o mal de altitude em seus clientes, é importante deixar um aviso. Antes de consumir, ou receitar, qualquer remédio pergunte a um médico sobre as contraindicações do remédio. Geralmente no campo base das montanhas mais visitadas, existem médicos pronto a atender e, claro, receitar algum medicamento que faça a pessoa se sentir melhor.

No momento que esta pessoa consumir o remédio para melhorar do mal de altitude, está praticando doping? Sim, está. Pois, não importando o tipo de mérito que busca, esportivo ou pessoal, está obtendo vantagem junto ao seu colega de montanhismo que optou por não tomar nada.

Portanto, se alguém já realizou uma alta montanha e necessitou de consumir algum tipo de medicamento para aplacar os efeitos do mal de altitude, ou mesmo para “turbinar”o rendimento, está apelando ao doping. Ou seja, se o objetivo é realizar um feito para obter mérito esportivo, este está definitivamente manchado e, muito provavelmente, sua marca será contestada pela comunidade esportiva. Talvez seus patrocinadores, como sempre, tentarão abafar o caso e usar a retorica e marketing para fazer a situação desaparecer.

Na Cordilheira dos Andes, uma maneira natural de tentar contornar a necessidade de ingerir remédios, é consumir chá de folha de coca. Este, por mais que se discuta o contrário, não pode ser considerado doping para montanhistas.

O chá de coca é, em todo caso, uma substância natural, apesar de aparecer como substância proibida pelo doping olímpico. A substância aparece por ser a base da cocaína. Entretanto, dependendo da dose, a cafeína também é proibida pelo AWADA e nem por isso pode ser considerado doping nas montanhas.

Mas quais os remédios que turistas e montanhistas utilizam para aplacar o mal de altitude?

  • Oxishot

Oxishot são cilindros de oxigênio descartáveis. Normalmente, nas cidades próximas de altas montanhas (acima de 2.500 metros de altitude), esse produto costuma estar disponível para comprar em farmácias, lojas e mercados. Especificamente na América do sul, o seu uso é bem comum.

Estes pequenos cilindros são de aerosol e após algumas inaladas, o alívio é sentido logo em seguida.

  • Ibuprofeno

Um dos remédios mais utilizados por montanhistas para driblar o mal de altitude é o Ibuprofeno, do grupo dos anti-inflamatórios não esteroides e utilizado para o tratamento da dor, febre e inflamação.

Este remédio é muito sensível e possui contraindicações para pessoas com histórico de problemas respiratórios. Por ser o Ibuprofeno diurético, forçará o montanista ter de se hidratar com mais intensidade.

  • Diamox

O diamox, conhecido também pelo seu nome genérico Acetazolamida, é um remédio inibidor enzimático indicado para o controle da secreção de fluidos em certos tipos de glaucoma, tratamento da epilepsia e diurese em casos de edema cardíaco. Nas montanhas, o Diamox é usado amplamente no tratamento ao mal de montanha. Por ser usado amplamente por montanistas, já é considerado abertamente pela comunidade como dopping pois ameniza o mal da montanha, ajuda no sono e acelera a aclimatação.

Montanistas experientes afirmam categoricamente o Diamox mascara os sintomas do mal de altitude. Geralmente, montanhistas amadores começam a ingerir a droga um dia antes de fazer à aproximação à montanha. Médicos e guias de montanha tratam o mal de altitude com Diamox é ministrado doses entre 125 e 250 mg. A droga deve ser descontinuada na descida.

Mesmo com indiscutíveis efeitos benéficos para a aclimatação em alta montanha, não libera quem o estiver consumindo de beber grandes quantidades de água, além de optar por caminhar nas montanhas em um ritmo mais devagar para uma melhor aclimatação. Não consumir água em abundância, especialmente quando consome o Diamox, é o causador de muitos aneurismas cerebrais (dilatação que se forma na parede enfraquecida de uma artéria do cérebro).

  • Nifedipina

Nifedipina é um vasodilatador e usado para tratar pessoas com hipertensão (entre outras coisas). Muitas vezes é usado para o tratamento de edema pulmonar, que é o aumento da pressão nas veias pulmonares.

  • Tadalafila

Tadalafila é um medicamento usado para o tratamento da Disfunção Erétil (DE) e por ser um vasodilatador poderoso, facilita para também tratar edema pulmonar.

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