Croquis de escalada: Quais as mudanças necessárias no design desta ferramenta?

Por Dennis Renner

Fui apresentado à escalada em 2012, quando buscava uma atividade física que me desse prazer e contato com a natureza. Aos poucos fui descobrindo que a prática é bem mais complicada do que parece à primeira vista. Sem levar em consideração os movimentos corporais necessários, o primeiro fato que chama atenção é a quantidade de equipamentos específicos utilizados.

O design de produtos é parte tão ativa da escalada que foi o responsável pelo aumento no grau de dificuldade alcançado pelos praticantes e pela conquista de montanhas tão altas que o frio não pode ser vencido com roupas normais. O surgimento de um solado de borracha específica, com maior poder de aderência, batizado de Vibram (as iniciais do italiano que o inventou, Vitale Bramani), fez com que a partir de 1935 fosse possível escalar por paredes cada vez mais verticais e lisas.

O meu primeiro contato com um croqui de escalada foi uma surpresa. Um rabisco em um pedaço de papel e diversos ícones, símbolos, números e letras que não faziam nenhum sentido, começaram aos poucos a fazer parte da minha rotina. Até que, em 2015, fui designado para produzir o primeiro guia de escalada do Ceará, na cidade de Quixadá. Um guia com mais de 120 croquis que seriam lidos por uma comunidade de mais de duzentos escaladores.

Após a impressão, distribuição e utilização deste guia, recebi diversos comentários sobre o projeto. Algumas críticas, outros elogios. Porém, coisas muito pessoais e que não levariam, necessariamente, a uma segunda edição com uma funcionalidade melhor. Com o intuito de conseguir produzir uma argumentação mais valorosa e confiável que pudesse ser utilizada para a construção de croquis e guias de escalada mais eficientes, resolvi investir em uma pesquisa de mestrado.

A questão a que se propõe este trabalho é descobrir se a organização e a diferenciação gráfica das informações dos croquis de escalada brasileiros coincide com a real necessidade dos usuários.

O montanhismo, que tem seu berço na França, somente passou a ser encarado como esporte em 1850 e, desde o surgimento da prática, com fins puramente de lazer, a atividade é vista como um esporte “radical”, ou seja, que envolve riscos de vida aos praticantes. Do seu surgimento até os dias de hoje, a escalada não para de crescer como esporte e estilo de vida.

No Brasil, a atividade de escalada está enquadrada como prática de turismo de aventura. O crescimento do ecoturismo e do turismo de aventura, aliados ao grande potencial do país neste segmento, trás junto consigo o aumento na prática do montanhismo e da escalada. O mercado do ecoturismo cresce globalmente entre 10% e 30% e, comparado aos 4% do aumento da atividade turística em geral, mostra-se como um produto altamente promissor (VINCENT E THOMPSON, 2002). Até o ano de 2023, o aumento deve ser de 200% apenas no segmento do turismo de aventura, com um aporte de US$ 4,2 milhões na economia, segundo estudo da consultoria Allied Market Research (2018).

Estima-se que existam, no mundo todo, 25 milhões de pessoas praticando o esporte, e a Federação Internacional de Escalada Esportiva, que rege as competições mundialmente, já possui 87 filiadas (entre associações, ligas independentes e federações), com 2.000 competidores de 62 países. Por outro lado, a UIAA – International Climbing and Mountaineering Federation, que atua certificando equipamentos e procedimentos para a prática, representa mais de 3 milhões de escaladores e montanhistas de 92 federações afiliadas em 69 países em todo o mundo.

Em 2003, a revista Forbes elegeu a escalada como a 3ª atividade física mais saudável da atualidade, em uma pesquisa que envolveu diversos especialistas da área, como treinadores, personal trainers, competidores e fisiologistas do exercício, colocando o esporte à frente de outras atividades físicas mais tradicionais, como a natação e a corrida.

Em 2015, após 19 dias de escalada na via “Dawn Wall”, de 914 metros, a mais difícil via de escalada do “El Capitain”, o maior monolito de granito do mundo, nos EUA, Tommy Caldwell e Kevin Jorgeson tiveram transmissão ao vivo pelos principais canais de TV do país e receberam os cumprimentos do então presidente, Barack Obama, diretamente da conta do twitter da Casa Branca, tamanha foi a importância de seu feito.

Em 2016, o clima de ascensão da atividade, já percebido e noticiado pela mídia culmina na inclusão, por unanimidade, pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), da escalada esportiva nos próximos jogos olímpicos, em 2020, no Japão. Hoje, os atletas de ponta no esporte se dedicam exclusivamente a atividade, recebendo patrocínio de empresas gigantes do mercado de produtos esportivos, como a Red Bull, Adidas e outras marcas específicas de equipamentos de montanhismo.

Este mercado é um mercado em franco crescimento e com amplas possibilidades de ampliar-se ainda mais após as olimpíadas do Japão, em 2020, quando a escalada estreará como esporte olímpico.

De acordo com Wladimir Andreff, em seu livro “Handbook on the Economics of Sports” (2006), a quantidade de escaladores explodiu nos últimos 20 anos. Em 1997, apenas nos Estados Unidos, o número de entusiastas da atividade com mais de 16 anos era de 7.5 milhões. Na França, a atividade da escalada foi separada do alpinismo e os competidores do esporte somam 1% do total de atividades físicas do país. Em 1994, a estimativa era de mais de 1 milhão de pessoas praticando escalada.

De acordo com o jornal The Economist, em 2008, apenas nos Estados Unidos, haviam cerca de 2.200 atletas competindo. Em 2012 esse número já era de 2.400. Já o número de treinadores subiu de 107 para 205. Em relação à premiação distribuída em uma etapa da Copa do Mundo de escalada, o valor subiu no mesmo período, de € 2.500 para € 3.000. Mas o que mais chama a atenção é o número de espectadores dos eventos de escalada. Em 2007, 17.500 pessoas acompanharam o Mundial de Escalada na Espanha. Após dois anos, em Shangai, na China, haviam 60.000 pessoas assistindo. Em 2012, em Arco, na Itália eram 35.000 espectadores.

Croquis de escalada

Em um guia de escalada, as informações predominantes são os croquis. A representação gráfica das linhas nas paredes onde a escalada pode ser praticada envolve uma série de dados, que são de grande importância para o atleta. É com estas informações que o escalador escolhe a linha que irá escalar.

É fundamental que ele saiba se ela tem um nível de dificuldade de acordo com a sua capacidade física; se, em caso de queda, a altura desta queda está dentro dos padrões aceitos como seguros, quais equipamentos deve levar, como deve ser realizada a descida após a escalada. Enfim, o atleta necessita de informações que têm uma relação direta com sua segurança.

É fato que a escolha da via a ser escalada depende de vários fatores; porém, existe uma hierarquia a ser levada em consideração, na hora da decisão. Qual informação é a mais importante? E qual a segunda e a terceira e a quarta informação mais importante, que pode ser decisiva para a escolha ou a desistência do atleta? Um estudo que aponte a ordem hierárquica na apresentação destas informações, de acordo com os próprios usuários, é de fundamental importância para que um trabalho de design seja realizado de forma mais eficiente e a utilização de recursos gráficos seja mais eficaz na elaboração de um croquis de escalada.

A relação entre o escalador e o croquis de escalada é essencialmente uma relação entre o usuário e um sistema codificado. Dar a devida atenção à construção deste artefato comunicacional, fazendo com que a interpretação das informações seja atraente, rápida, fácil, eficiente e mais próxima às necessidades e desejos do usuário é fundamentalmente o proposto por Wildbur e Burke (1998, p. 6), que afirmam ser o objetivo do Design de Informação: “a seleção, organização e apresentação da informação para uma dada audiência”. Cardoso (2005, p. 237) conduz o conceito de Design na mesma direção, afirmando que é um campo essencialmente híbrido, que opera a junção entre corpo e informação, entre artefato, usuário e sistema. Desta forma, também se está indo ao encontro do pensamento de Rune Petterson (2002), que diz que o Design da Informação é a pesquisa dos princípios, para posterior análise e apresentação das mensagens, de forma que a informação bem planejada irá atender todas as condições estéticas e ergonômicas, assim como a temática.

As práticas esportivas ou de lazer em ambiente natural são geralmente realizadas sem que se tenha o domínio total sobre as condições naturais do meio ambiente. Portanto, é necessário que o praticante tenha o máximo de conhecimento e informações sobre as variáveis que poderá encontrar no terreno a ser explorado.

Esta é a grande motivação para esta pesquisa. Estudar, pesquisar, tabular, colher e analisar o maior número de informações sobre os croquis de escalada e as variáveis informacionais presentes no material já existente e avaliar sua importância de acordo com a preferência do usuário a fim de entregar uma base sólida de conhecimento para facilitar e enriquecer a práxis dos profissionais de Design e o trabalho dos escaladores na elaboração de croquis e guias de escalada mais eficientes e funcionais.

Vale destacar que os dados produzidos por esta pesquisa podem contribuir, por um lado, no sentido de que exista uma melhora na prática do esporte e no aumento da segurança dos escaladores, que poderão ler e compreender as informações de forma mais rápida e clara. Por outro lado, o ineditismo da pesquisa pode gerar uma série de desdobramentos, como a redefinição do sistema de informação, com foco em sua usabilidade, o aperfeiçoamento do artefato informacional digital CroquiLab, já utilizado amplamente pelos escaladores e que é caracterizado pelo código aberto, de forma a permitir que qualquer escalador possa mapear suas vias utilizando um padrão visual único e eficiente e, por fim, que sirva como uma base de informações para o momento que a ABNT achar adequado normatizar também, as classificações de vias de escalada, assim como já faz com o nível de dificuldade de trilhas, no qual é referência mundial.

CroquiLab é um aplicativo para a criação de croquis de escalada (muito semelhante ao software Paint, do Windows) desenvolvido no Brasil em 2007 pela escaladora, engenheira de computação e mestre em informática Flávia dos Anjos. O CroquiLab tem código aberto disponibilizado para que voluntários possam contribuir com a evolução do projeto. Segundo a própria Flávia, em entrevista na edição de agosto de 2013 do jornal Papo de Montanha,”se a popularidade do CroquiLab aumentar, os croquis manterão o mesmo padrão, tornando a leitura geral dos mesmos mais rápida e clara para os escaladores. Seu desenvolvimento foi feito em C++ utilizando IUP e CD que são bibliotecas gratuitas e multi-plataforma de Interface com usuário de Desenho 2D. Ambas desenvolvidas pelo Tecgraf da PUC-Rio”.

Os slides da apresentação da qualificação estão em http://www.dennisrenner.com.br

O link do questionário está em: https://pt.surveymonkey.com

Dennis Renner é escalador desde 2012 e designer. Atualmente é mestrando pela UFPE.

Comente agora direto conosco

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.