Crítica do filme “Ícarus”

IcarusPermeia o consciente coletivo de toda pessoa que acompanha esportes, uma espécie de suspeita sobre a capacidade de algum atleta em relação aos rivais. Caso a vitória de algum atleta seja tão acachapante, a ponto de apontar alta superioridade, maior é a suspeita de trapaça ou dopping. Muitas lendas a respeito sobre o assunto rondam o universo esportivo e, claro, quase sempre sem comprovação efetiva da existência da fraude. Todos que viveram nos anos 1980 se recordam do que aconteceu com o velocista canadense Ben Johson. O caso tornou-se o exemplo mais emblemático do dopping esportivo mundial.

Desde então vários métodos de coleta de amostras de sangue e urina de atletas foram desenvolvidos, propagandeando uma total segurança contra fraudes. Acreditava-se que com tanta tecnologia desenvolvida, nem mesmo Ethan Hunt (mítico personagem de Tom Cruise no filme Missão Impossível) acharia uma brecha, para burlar um sofisticado sistema de coleta de amostras antidoping. Assim também pensavam toda a comunidade de fãs de Lance Armstrong. O ciclista americano teve seu esquema de fraude descoberto, levando ao “choque” toda uma legião de fãs, jornalistas, cronistas esportivos e ciclistas.

Vale a observação que haviam também alguns jornalistas, mais profissionais e menos “baba ovo” que seus colegas de profissão, os quais sempre levantavam a suspeita de dopping por parte de Armstrong. Mesmo com a negativa de seus exames. Mesmo com o ciclista norte-americano tendo feito quase 500 exames, com todos eles apontando negativo para ingestão de substâncias proibidas.

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O desfecho da história todos conhecem: Lance Armstrong foi desmascarado, fãs queimaram suas pulseirinhas amarelas, jornalistas se diziam “espantados com o que aconteceu” (como se fosse algo inesperado e impensado) e a perda de todos os patrocínios de marcas que o apoiavam por toda carreira. Muitos esqueceram que não há santos neste mundo e que, infelizmente, todos possuímos defeitos e segredos. Com Lance Armstrong não foi diferente.

Foi exatamente isso que o jornalista Bryan Fogel concluiu quando teve conhecimento da notícia. Por ser também ciclista, Fogel tentou várias vezes participar do Tour de France e, segundo afirma, nunca utilizou nenhuma substância ilegal para competir. Por ser um atleta amador, seus objetivos eram bem mais modestos do que ambicionar ganhar a competição.

A partir desta premissa que “Ícarus” começa: com o jornalista Fogel decidindo fazer um documentário mostrando passo a passo, como é o processo de burlar o sistema de dopping. Afinal se uma pessoa como Lance Armstrong pode fazer mais de 500 exames e ainda assim dar negativo, um bom esquema deveria existir. O plano inicial era fazer um documentário sobre os passos necessários, que poderiam servir de reconstituição do crime de Armstrong e outros ciclistas, para burlar o sistema antidoping.

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Durante suas várias pesquisas, o jornalista procurou vários médicos até chegar no diretor do laboratório antidoping russo Grigory Rodchenkov. A partir da colaboração do médico, todo um esquema especial para Bryan Fogel começou a ser desenvolvido. Até este ponto todo o roteiro de “Icarus” parece estar no controle de Bryan, com o documentário caminhando normalmente dentro de seu ritmo estabelecido. Mas a partir de um certo ponto tudo parece adquirir proporções gigantescas e alucinantes. O próprio Rodchenkov, que estava sendo investigado pelo COI, é denunciado por um esquema de dopping. Esquema este de proporções nunca antes imaginadas por qualquer que seja o fã de esporte. Além da explosão do escândalo em todos jornais do mundo o russo, temendo pela sua vida, pede ajuda ao jornalista, que tem de salvá-lo.

O documentário “Ícarus” muda totalmente de rumo, e proporção, passando a ser sobre o crescimento da tensão e pressão que sofre Grigory Rodchenkov durante a acusação. Desta maneira a produção faz revelações exclusivas e chocantes. Com edição dinâmica, além de um ritmo acelerado e imprevisível a partir de seu primeiro terço, o filme parece ter saído de um roteiro de alguma produção hollywoodiana. Porém é um documentário, o que deixa mais embasbacado o expectador.

As revelações feitas por Rodchenkov deixa o mais cético dos expectadores de boquiaberto. Elementos como Máfia Russa, KGB e até mesmo o Presidente Vladimir Putin entram como participantes de todos o esquema de dopping. O mais espantoso é que o médico revela que esta conspiração existe desde a década de 1980.

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A cada minuto da exibição de “Ícarus”, detalhes são revelados sem nenhum pudor o que, inacreditavelmente, deixa todos os atletas da Rússia sob suspeita. Por se tratar de um documentário de um episódio da história recente, o final todos se lembram e sequer chega a ser um spoiler. Mas para quem acredita em um final clichê (com final feliz), sua conclusão é um balde de água fria, diante das decisões tomadas por todos os envolvidos. Esse escândalo fez com que uma boa parte dos atletas russos ficassem de fora das Olimpíadas realizadas no Rio de Janeiro, mas as suspeitas sobre os russos que competiram pairam ate hoje no ar.

Pelo ritmo intenso de acontecimentos, com ilustrações e design gráfico de qualidade, “Icarus” é muito mais que um documentário esportivo, mas também um furo jornalístico de fazer qualquer um ganhar prêmios ao redor do mundo.

Em contrapartida, é importante avisar que assistir à produção exige estômago, principalmente de quem aprecia esportes e acredita na igualdade de condições de atletas. Poucos documentários são “obrigatórios” a quem pratica esporte, mas este parece ser o caso de “Icarus”.

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O realizador da produção Bryan Fogel afirma, categoricamente, durante a produção que a denúncia é tão séria, que está em um nível similar ao de Edward Snowden.

Ao terminar de assistir a “Icarus”, percebe-se facilmente que o jornalista foi modesto ao mensurar o tamanho do escândalo.

Nota Revista Blog de Escalada:

O filme Ícarus está disponível no Netflix

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