Crítica do filme “The Wall – Climb for Gold”

Quando se trata de falar de esporte, qualquer que seja a modalidade, o fator emocional é mais importante que a frieza dos números e as análises técnicas. É algo sentimental, que torna pessoas racionais em irracionais e fazem com que praticantes o adotem como parte essencial de suas vidas.

Em uma passagem do filme O segredo de seus olhos (El secreto de sus ojos – 2009) o personagem vivido pelo ator argentino Guillermo Francella declara que o ser humano pode mudar de tudo: nome, família, país e sotaque. Mas, segundo o personagem, nunca se abandonam as paixões.

Partindo desse tipo de análise, The Wall – Climb for Gold é fácil concluir que a produção é sobre a paixão por escalar, por competir nesse esporte e em como esta paixão consome os atletas fisicamente e emocionalmente.

Filmes de escalada, em sua grande maioria, são focados muito na ação, com praticamente nenhuma atenção para os personagens e seus sentimentos e angústias. A prática, entretanto, vem sendo deixada de lado por produtores mais afeitos à histórias por trás das conquistas. Esse é o caso do ótimo The Wall – Climb for Gold.

Para documentar a vida e intimidade de quatro atletas, em quatro momentos distintos em suas carreiras, o diretor Nick Hardie apostou todas as fichas em focar na emoção de cada personagem de The Wall – Climb for Gold. Portanto, há toneladas de coisas boas a dizer sobre a produção que, como qualquer bom filme de esportes, é profundamente emocional. Mas a produção soube de maneira habilidosa ser emocional sem ser piegas.

“The Wall – Climb for Gold” possui quatro protagonistas distintas: Brooke Raboutou, Janja Garnbret, Miho Nonaka e Shauna Coxsey, que se classificaram para as Olimpíadas de Tóquio 2020. Os jogos marcariam a estreia da modalidade para todas as pessoas do mundo, sejam elas entusiastas da modalidade ou não. Seria (como na verdade foi) a vitrine para alavancar a popularidade de uma modalidade tida como marginal até pouco tempo.

Logo de início o filme mostra o início na escalada e todas protagonistas, com imagens inéditas de cada uma, enquanto paralelamente já afirmam explicitamente suas expectativas e objetivos. Ali na apresentação já fica claro que existem pessoas próximas de aposentar-se no esporte, outra que sofre de ansiedade pela pressão de um resultado relevante, outra que quer honrar o legado da família e outra que quer confirmar o amplo e irrestrito favoritismo.

The Wall - Climb for Gold

Porém, o diretor habilmente também soube costurar realidades cotidianas do público com um assunto que, até pouco tempo, as produções pareciam ignorar: a pandemia de COVID-19. Nesse momento é quando todas protagonistas tem de colocar os planos em suspenso, como todos no planeta, e aprender a viver em uma realidade que parecia ter saído de um filme apocalíptico.

The Wall – Climb for Gold explora não apenas o que significa ser uma atleta olímpica com reais chances de medalha, mas também os fluxos e refluxos de motivação e autoconfiança diante da mudanças. O que é mostrado na produção nenhuma reportagem, ou mesmo documentário, mostrou até então sobre a realidade de ser atleta olímpico e estar em uma pandemia.

A essas altura do filme, o público já tem os olhos marejados e as palmas das mãos suadas. Quem ficou confinado em casa nos piores momentos da pandemia e viu planos de viagens e escalada serem cancelados da noite para o dia, além de assistir pessoas determinadas a tornarem a situação pior, como os negacionistas e políticos de pouco intelecto fizeram, se identificou.

The Wall - Climb for Gold

O filme é estruturado de forma linear, desde antes da qualificação olímpica em Hachioji (Japão) em 2019, até logo após os Jogos. Não há entretanto, muitos detalhes de como ficou a vida particular de cada uma das protagonistas, o que pode ser considerado uma pequena omissão do roteiro.

A edição, que cuidadosamente muda de atleta para atleta, nunca fica muito tempo no mesmo lugar. Breves histórias de cada atleta são fornecidas, juntamente com imagens de quando eram jovens (às vezes crianças) em entrevistas acompanhada dos pais.

Há imagens ali que são preciosidades, como assistir a bebê Brooke fazer uma aula de sobrevivência na água, Janja com poucos anos de idade fazendo piruetas dentro de casa em um vão de porta e até mesmo uma jovenzinha Miho ficar absolutamente devastada por um resultado ruim em uma composição. A certa altura, ao mergulhar na inância de cada uma, é impossível de soltar vários sorrisos pela fofura de cada uma.

Muito bem construído pelo roteiro, além de ser montado por uma edição sem firulas, os momentos finais entrega uma catarse ideal e emocionante (mesmo sabendo os resultados da Olimpíadas há 6 meses). Por ter trabalhado habilmente com ingredientes como as expectativas das atletas, o companheirismo e cumplicidade da família, além da expetativa do público, “The Wall – Climb for Gold” leva às lágrimas ao expectador mais sensível. Seja com imagens de derrota como de vitórias.

The Wall - Climb for Gold

É importante destacar que há no mercado poucos filmes de escalada em que mulheres são prioritariamente protagonistas. The Wall – Climb for Gold também se diferencia nesse aspecto, pois sequer os namorados aparecem por inteiro. Somente mães figuram como coadjuvantes de destaque com suas observações, a exceção feita para o pai de Shauna Coxsey (a qual possui uma emocionante história sobre o casamento dos pais).

Curiosamente o único personagem masculino com destaque no filme é Roman Krajnik, o treinador de Janja. Uma pessoa que parece ter saído dos clichês de treinadores do leste europeu da época da guerra fria. Krajnik é rígido, duro, cobra concentração de Garnbret e, por incrível que pareça, é também paternal quando necessário.

The Wall – Climb for Gold ao seu final deixa uma sensação gostosa no expectador de que assistiu a um ótimo filme, tendo aquele “gostinho de quero mais”, pois a produção deixou de lado os adjetivos superlativos, os heroísmos, os personagens bidimensionais, as situações clichê e o patriotismo desnecessário. Assim, pode ser considerado um marco, pois é dos poucas produções que focam exclusivamente as competições de escalada e seus bastidores.

É uma pena que os grandes patrocinadores das atletas, que também bancaram o filme, não tiveram a ambição de colocar a produção para serem exibida em salas de cinema da mesma maneira que The Alpinist, Dawn Wall e Reel Rock Tour fazem. Mas se Nick Hardie resolver fazer outras produções de escalada com a mesma qualidade que a que acabou de fazer, com certeza estamos vendo nascer um grande nome de documentários esportivos.

The Wall – Climb for Gold está a partir de 18 de janeiro para compra ou locação de 24h na Apple TV e Google Play.

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