Crítica do filme “The Nose Speed Record”

Um dos livros mais cultuados do montanhismo é “Os conquistadores do Inútil“, escrito em 1961 por Lionel Terray. A obra autobiográfica de Terray possui muitas passagens que, além de poéticas, fazem uma reflexão da relevância de algumas marcas e conquistas no montanismo.

A competitividade sempre existiu (e sempre existirá) no universo de montanhismo e escalada. Quem negar este fato, muito provavelmente não chegou a fazer uma análise mais profunda sobre o desejo, quase que visceral, de estabelecer marcas que “nunca antes ninguém fez” que todo escalador possui. Aliás, é a própria competitividade que faz o esporte evoluir.

Há quem credite a escaladores (as) a existência de uma vaidade pessoal com seus feitos tão grande, que é a grande causa do esporte ter ficado como uma atividade de nicho durante a sua existência. Maioria das discussões entre praticantes da modalidade em redes sociais é baseada no ego inflado e vaidade exacerbada dos participantes.

Não é segredo para ninguém que escaladores, mesmo aqueles que são reconhecidos por serem relativamente humildes, se inflamam e se transformam no momento de quebrar um recorde ou escalar uma via mais difícil.

É exatamente este o roteiro do filme “The Nose Speed Record” da Sender Films: a conquista de um feito que, à luz da razão, não possui sentido de sequer existir, que é a escalada de velocidade na via “The Nose”, em Yosemite. A produção dirigida por Peter Mortimer e Josh Lowel acompanha e documenta a saga de Alex Honnold e Tommy Caldwell em estabelecer em menos de duas horas o recorde de escalada na via “The Nose”, no El Capitan.

Tudo começa quando Brad Gobright e Jim Reynolds, dois escaladores low profile (e considerado por alguns personagens do filme como “desconhecidos”), quebraram o recorde de ascensão mais rápida da via “The Nose”. O recorde pertencia a Alex Honnold.

No momento que quebram o recorde, publicam em uma rede social o feito. Honnold, que publicamente passa a impressão que não gosta de ficar ostentando seus feitos e conquistas, entra em contato 10 minutos depois, para conferir a veracidade. Nitidamente com o ego machucado e a vaidade arranhada Alex já começa a planejar a “reconquista” do recorde.

A partir disso “The Nose Speed Record” mostra um outro lado de Alex Honnold, o de possuir uma vaidade e competitividade que não eram documentadas nas produções que participou. Embora o roteiro de Mortimer e Lowel tentem ocultar o comportamento passional de quem está com o ego ferido, Honnold aparece obcecado e resoluto em bater o recorde a qualquer custo. Além disso, ambiciona estabelecer números “seguros” que garantam por muito tempo que ninguém conseguirá ultrapassar.

A partir de aí, Honnold convoca um dos maiores escaladores da história de Yosemite: Tommy Calwell. Juntos, a dupla de estrelas do universo da escalada arriscam a vida e a própria segurança para que o recorde volta para as mãos de Alex Honnold. Como foi um feito amplamente documentado, todos que acompanham as notícias de escalada sabem como termina a história.

Habilmente, como poucas vezes visto em produções de Mortimer e Lowel, é pontuado em “The Nose Speed Record” os acidentes que acontecem em Yosemite. Acidentes que são fruto da alguma ambição de quebra de recordes e que em alguns casos fatais. A segurança da comunidade de escaladores, especialmente aqueles que se julgam capazes de realizar algo acima da média, é pouco abordada em filmes de escalada.

Esta reflexão a respeito dos motivos que fazem alguém arriscar tudo, inclusive o convívio com a família, aparece em muitas partes de “The Nose Speed Record”. Como escrito no início do artigo, a conquista de Honnold e Caldwell demonstra mais um capítulo na história do montanhismo como a conquista do inútil. Porém, pela primeira vez em suas carreiras, Mortimer e Lowel começam a também abordar os riscos inerentes que envolvem este tipo de escalada.

Muito além de mostrar mais uma vitória na carreira de Alex Honnold (que na verdade deve agradecer, e muito, à colaboração de Tommy Caldwell), “The Nose Speed Record” pode ser encarado como uma guinada no estilo de contar histórias de Mortimer e Lowel.

Procurando fazer uma reflexão de algumas conquistas e filosofias maniqueístas que muitos filmes de escalada possuem, o filme pode não agradar os fãs de masturbação de graus na escalada, mas pelo menos mostra um caminhar rumo a produções mais reflexivas.

Nota Revista Blog de Escalada:

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