Experimentado pelo público expectador de futebol na Copa do Mundo realizada no Brasil recentemente a goleada acachapante diante da Alemanha, e posteriormente outra para a Holanda, o amargo gosto de ser superado em um esporte que a pouco tempo éramos considerados os melhores.
Diversos foram os motivos levantados por jornalistas, dirigentes e o público em geral.
Na lista de infindaveis probabilidades um deles foi o “isolamento “ da realidade do esporte praticado no mundo.
Por soberba as filosofias do esporte parecem ter perdido o sentido de um dia para o outro.
O motivo que levou a este afastamento da realidade é difícil de definir em apenas um texto, e seria necessário um estudo profundo o mais longe possível do ufanismo que sempre acompanha o futebol em terras brasileiras.
Mas um fato é inegável : Todo e qualquer esporte tende a definhar em desenvolvimento quando seus praticantes resolvem fechar-se para o resto do mundo, especialmente os esportes de natureza.
Entenda por esportes de natureza como surfe, escalada, trekking, rafting, canoagem e etc.
Considerado como o esporte de natureza mais popular do Brasil, o surfe reina absoluto sobre as outras modalidades movendo grande audiência e sempre tendo apoio midiático grande.
Dentro deste universo, o pequeno retrato do espírito brasileiro pode ser observado pelo chamado “localismo” e fez com que alguns “points” do principal polo da modalidade vivesse uma realidade interessante e que deveria até mesmo ser estudado: Praia de Atalaia em Itajaí-SC.
O local é considerado um dos mais hostis com o surfista visitante em todo cenário do esporte no Brasil tendo vários relatos de agressões físicas e muita briga entre os surfistas.
O tema do “localismo” no lugar é brilhantemente retratado pelo diretor Diego Lara e toca em pontos interessantíssimos servindo para a reflexão não somente dos praticantes de surfe, mas de todo e qualquer esporte de natureza.
A produção batizada de “Restrito” coloca uma lupa no problema comum de esportes de natureza : as regras locais impostas pelas pessoas que ali vivem.
O filme começa desenhando a história desde o início da prática do surfe na Praia de Atalaia a qual é conhecida por ter nada menos que a “onda perfeita”.
Neste ponto é importante levantarmos a observação de que poderia ser perfeita a “rocha perfeita” para a escalada, ou o trekking perfeito e assim por diante.
Na procura pela “onda perfeita” muitos surfistas “não locais” foram ao local e acabaram por praticar atos, digamos, não diplomáticos com os locais.
Mostrando os dois lados da história entre “forasteiros” e “locais”, a produção consegue retratar de maneira equilibrada e madura como o sangue latino e a cultura de monopólio e reserva de mercado em cada brasileiro pode vir a prejudicar até mesmo o esporte.
Procurando não tomar parte de quem quer que seja na história o diretor capta, através de depoimentos e ponderações, um bom retrato de um lugar e o conflito que o cerca.
Nos depoimentos de cada personagem problemas como soberba de visitantes, complexo de vira-lata, provincianismo exacerbado e, finalmente, completa falta de diálogo de qualquer um dos lados para uma decisão pacífica e civilizada.
O filme “Restrito” é acima de tudo, um documento vivo de como na sociedade brasileira de hoje chegou a um nível de incivilidade e ausência de respeito ao próximo que nos coloca próximos dos mesmos métodos utilizados na idade média: do respeito pelo meio da força em detrimento à educação.
O mérito do diretor ainda é a de realizar um filme sobre surfe, com imagens do esporte pontuando toda a exibição, e mesmo assim ser interessante a qualquer pessoa.
Com boa quantidade de imagens de arquivo, e preocupação em documentar a realidade e não apenas denunciar ou fazer polêmica “Restrito” é um filme interessante sob todos os aspectos.
A produção é acima de tudo um ótimo documentário esportivo acima de qualquer paixão clubística e esportiva, e também um perfeito retrato de uma sociedade além de uma boa reflexão sobre que tipo de sociedade somos.
Nota Revista Blog de Escalada:
Formado em Engenharia Civil e Ciências da Computação, começou a escalar em 2001 e escalou no Brasil, Áustria, EUA, Espanha, Argentina e Chile. Já viajou de mochilão pelo Brasil, EUA, Áustria, República Tcheca, República Eslovaca, Hungria, Eslovênia, Itália, Argentina, Chile, Espanha, Uruguai, Paraguai, Holanda, Alemanha, México e Canadá. Realizou o Caminho de Santiago, percorrendo seus 777 km em 28 dias. Em 2018 foi o único latino-americano a cobrir a estreia da escalada nos Jogos Olímpicos da Juventude e tornou-se o primeiro cronista esportivo sobre escalada do Jornal esportivo Lance! e Rádio Poliesportiva.