Crítica do filme “Nomadland” – O filme de Vanlife que todos deveriam ver

NomadlandO filme “Nomadland” é nada mais que sobre o movimento vanlife. O termo vanlife, assim como a hashtag com esta expressão, tomou conta do universo outdoor nos últimos 10 anos.

Para entender a filosofia que existe por trás desse “movimento social”, é essencial antes saber o que significa o termo. Vanlife é a escolha de viver em um veículo de carga, em geral um furgão, por opção e não por falta de recursos, e, preferencialmente, viajar o tempo todo.

Esta espécie de nômade moderno, muitos destes vanlifers, como se autodenominam, trabalham como freelancers em atividades ligaras à internet, ou mesmo em empregos temporários, ganhando valores que garantem o sustento desse estilo de vida.

Nesse estilo de vida há vários princípios filosóficos do minimalismo e de um outro movimento (que segue a mesma linha minimalista do vanlife) chamado Tiny Houses. Mas, fazendo um olhar crítico dentro de todo glamour que se criou em torno do termo, geralmente são pessoas jovens que fazem a opção de “largar tudo” e viver, literalmente, a esmo.

Mas quem escolhe viver em um carro, realmente é uma pessoa feliz? Seria essa maneira uma quebra de paradigma do modus vivendi da sociedade moderna, ou apenas uma versão mais rica de um sem-teto?

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Estas são perguntas que a todo tempo o expectador faz no filme “Nomadland”, dirigido por Chloé Zhao e protagonizada por Frances McDormand. Nele, é contada uma história de uma mulher de 60 anos que após a crise financeira internacional, que iniciou com a falência do banco de investimento norte-americano Lehman Brothers, decide se desfazer de tudo e viver sua vida em vanlife.

Durante o filme ela faz uma espécie de peregrinação, guiada sempre por empregos temporários em grandes lojas de departamentos, por diversos estacionamentos coletivos de pessoas que vivem em motorhomes. Estas pessoas migram da mesma maneira que a protagonista, mas com outras rotas de ‘migração’, e adotam o mesmo estilo de vida e, por isso, se encontram periodicamente.

O filme, na verdade, é uma adaptação do livro “Nomadland: Surviving America in the 21st Century”, da jornalista Jessica Bruder, o qual descreve o vanlife sendo adotados por norte-americanos mais velhos, os quais vivem de trabalhos sazonais. Nele, vários personagens são documentados na esperança do leitor, e a autora, entender as escolhas.

Talvez o grande mérito da diretora Chloé Zhao seja conseguir mesclar, de maneira orgânica, documentário (com pessoas que realmente vivem o vanlife) e ficção, em formato de road movie, com uma atuação soberba de Frances McDormand na protagonista Fern.

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Conseguindo harmonizar a melancolia, tristeza e resignação “Nomadland” consegue, no mínimo, fazer o expectador, especialmente aquele que pensa em aderir ao movimento vanlife, refletir sobre se vale a pena, ou não, a escolha em uma obra espirituosa e contemplativa. Assim, o expectador é uma testemunha, e também companhia à personagem, dentro de uma vida que é cheia de contestações de valores da sociedade moderna: as posses e o legado de construímos e deixamos.

Os personagens, todos eles, não possuem sobrenome, apenas se tratam e se conhecem com o primeiro nome. Uma pequena metáfora de disrupção deles com a sociedade moderna e com a maneira que o governo os controla. Muitos, inclusive, gostam de permanecerem ‘invisíveis’ à sociedade.

Portanto, a produção também é um excelente retrato de como uma faceta desconhecida de uma nação que já foi a principal potência do mundo (hoje perdendo o posto para a China), a qual possui pessoas de meia idade, que outrora eram classe média, vivendo em estado de quase mendicância. Uma espécie de falência do ‘sonho americano’, como o qual nós conhecemos, e, quem sabe, o nascimento de um outro modelo.

O filme possui muitas passagens icônicas, com frases crus, sendo a mais icônica delas é a que Fern afirma categoricamente que “Não sou uma sem-teto. Eu só não tenho é casa, e isso não é a mesma coisa”. Entretanto, em outras passagens, os diálogos parecem se perder, soando como clichês típicos de hippies dos anos 1960.

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Mesmo assim, com a adesão da filosofia de possuir somente o que seria o suficiente apenas para viver, faz o expectador refletir e, ao mesmo tempo, sentir empatia com os personagens. A todo tempo é inevitável analisar a própria vida e sobre o que de fato importa e se leva da vida.

O grande número de cenas contemplativas pode parecer um pouco monótono a quem raramente sai de casa, ou da cidade que vive, mas é uma provocação válida para quem alguma vez na vida já pensou em largar tudo. Mesmo parecendo ‘parado’, o expectador irá sentir a tristeza que a personagem demonstra no semblante, que se mescla com a alegria de ter deixado um lugar que a deixaria mais triste ainda.

Mas por que todo vanlifer, especialmente os jovens, devem assistir a “Nomadland”? Simples, pelo fato de ter de saber que, em algum momento de suas vidas, irão envelhecer. Com o envelhecimento, há a inevitável escolha de continuar em uma van, ou construir uma vida ‘convencional’ irá acabar aparecendo.

E é exatamente isso que fica explícito em “Nomadland”: como seria a vida vanlife sem a opção de praticar esportes de natureza e tendo de trabalhar em subempregos para somente sobreviver. Uma vida que, com certeza, em nada parece com os vídeos de ‘vida perfeita’ de casais viajando pelo mundo afora que pululam no YouTube.

Não que seja uma escolha ruim, como a própria protagonista e os personagens do filme mostram muito bem, mas por ser uma espécie de paradigma (somente possível em um país rico como os EUA, diga-se) que em algum momento da vida todos terão de escolher se querem continuar. Afinal, a vida é feita de escolhas, e o que a produção mostra bem é o que acontece quando uma escolha muito diferente é feita.

Como o movimento vanlife possui uma pegada de movimento social, a principal mensagem é sobre pertencer e se sentir parte de algo, ou algum lugar, e ter aquilo como a sua casa. Nisso, a diretora faz muito bem em mostrar planos abertos, para mesclar de maneira harmoniosa a tristeza e melancolia com a sensação de liberdade.

“Nomadland” é uma poesia visual de pessoas que perderam a esperança, ou mesmo a vontade, de correr atrás de valores que perderam o sentido a eles. Cabe ao expectador entender, refletir e, caso goste, aderir.

Nota Revista Blog de Escalada:

O filme “Nomadland” está disponível no streaming Hulu e disponível para visualização em plataformas de streaming do Brasil a partir de hoje.

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