Responda rápido você que é montanhista: Quantas vezes teve vontade, e oportunidade, de largar a sua vida urbana (de trabalhos em escritório das 9:00 às 18:00) para poder estar em um ambiente de montanha isolado do caos que as cidades criam a cada segundo?
Você largaria, de fato, tudo para uma vida, pelo menos em teoria, mais simples com trabalhos menos “sofisticados” e estar a todo tempo convivendo com as montanhas e suas paisagens saídas de um sonho? Lembre-se: viver na montanha é muito diferente (para não dizer totalmente) de nunca mais ter de trabalhar.
Todas estas perguntas são inevitáveis de fazer quando se assiste ao filme chileno “El Mono de Cochamó”, realizado por Daniel Pastene, que documenta a vida de Cristian Gallardo, conhecido como “Mono”, que trabalha no Refúgio Cochamó. O refúgio recebe, durante a temporada, aproximadamente 8.000 pessoas que vão desfrutar das opções do turismo de aventura que o local oferece.
Com fotografia belíssima e várias reflexões a respeito de como é a vida de um trabalhador de abrigos de montanhistas, o filme, de uma maneira ou de outra, emociona quem aprecia a vida na montanha e, inevitavelmente, quem aprecia um bom documentário. “El Mono de Cochamó” possui todos os ingredientes para agradar quem pratica o esporte como uma religião, assim como aquele que nunca o praticou. Com sensibilidade e qualidade o diretor Gallardo consegue realizar uma obra-prima de qualidade pouco vista em produções no gênero de filmes de montanha.
Tido como um dos belos lugares do Chile, Cochamó já foi tema de várias produções, muitas delas medíocres, mas que caíram no lugar comum de filmes outdoor: muitos montanhistas “uhu”, poucas sensibilidade com o local e pessoas e excesso de heroísmo pasteurizado. Estas produções eram realizadas por produtores amadores (mas com boas intenções) e publicitários interessados em explorar o turismo do local.
Produções deste calibre, por causa da baixa qualidade intelectual que possuem, acabam preenchendo a grade de programação de canais que apresenta filmes outdoor em TV a cabo e, inevitavelmente, caindo no esquecimento da comunidade. A falta de aprofundamento nas histórias, entretanto, não é uma exclusividade de filmes outdoor, mas uma triste tendência do avanço, sem qualquer pudor, de marcas em realizar extensos anúncios. O excesso destas propagandas travestidas de filmes vêm empobrecendo o gênero, mas isso é uma assunto para ser tratado posteriormente.
O personagem principal de “El Mono de Cochamó”, Cristian Gallardo, é mostrado de maneira bem simples que em poucos minutos consegue mostrar a sua biografia desde a sua própria voz. Mas habilmente o diretor, por meio de uma direção fotográfica belíssima, também documenta como é a vida de um refúgio de montanha.
Preocupações que nunca são documentadas por nenhuma produção como: quantidade de lixo produzida pelos turistas, como é a construção das estruturas para o turistas (como banho, dormitórios, pontes, etc), como é feito o tratamento de dejetos humanos, administração financeira e outras realidades. Viver e trabalhar aos pés de uma montanha parece muito glamoroso, mas raramente é mostrado a quantidade de trabalho que exige.
O próprio personagem, em ma de suas reflexões, deixa bem claro que a vida em um abrigo não é somente ficar escalando e deixar o local abandonado, mas trabalhar para servir a quem está hospedado, mesmo com o tempo bom e vontade de subir alguma via.
Documentando os trabalhos de “Mono” com madeira, desde a coleta até à construção, guias de montanha (Cristian é formado pela Universidade de Montanha de Mendoza), regatista, autor de croquis, e etc. Gallardo parece multiplicar-se em todas as atividades ao mesmo tempo que também reflete sobre o comportamento de turistas e montanhistas ao longo de todo o filme. Com um roteiro muito bem escrito o ritmo do filme possui uma cadência lenta, mas sem nenhuma barriga ou cena desnecessária, que rapidamente faz com que o espectador seja imerso em um lugar mágico e especial.
“El Mono de Cochamó” é uma produção que parece ser muito mais do que uma série de adjetivos elogiosos, por ser seguramente uma obra de arte e um documento vivo de vida de montanha. O diretor consegue ser, ao mesmo tempo, bucólico, reflexivo, denunciante, romântico (do ponto de vista da filosofia de vida) e sensível.
A produção, por ter tantos elementos equilibrados de maneira harmônica e natural, é um salto assustador (positivamente falando) de qualidade em produções outdoor. Ao término, caso tenha sido exibido em salas de cinema, é facilmente imaginável plateias aplaudindo de pé algo com uma qualidade tão grande.
Nota Revista Blog de Escalada:
Formado em Engenharia Civil e Ciências da Computação, começou a escalar em 2001 e escalou no Brasil, Áustria, EUA, Espanha, Argentina e Chile. Já viajou de mochilão pelo Brasil, EUA, Áustria, República Tcheca, República Eslovaca, Hungria, Eslovênia, Itália, Argentina, Chile, Espanha, Uruguai, Paraguai, Holanda, Alemanha, México e Canadá. Realizou o Caminho de Santiago, percorrendo seus 777 km em 28 dias. Em 2018 foi o único latino-americano a cobrir a estreia da escalada nos Jogos Olímpicos da Juventude e tornou-se o primeiro cronista esportivo sobre escalada do Jornal esportivo Lance! e Rádio Poliesportiva.