Crítica do filme “Douglas Tompkins: Wild Legacy”

Douglas-Tompkins-Wild-Legacy-PosterUma das grandes qualidades que um ser humano pode ter é a de homenagear pessoas queridas, especialmente quando estas impactaram fortemente nossa maneira de ser e de existir. Cada pessoa sente uma admiração e saudade diferente e, por isso, entende que há uma maneira de maior ou menor intensidade de prestar esta homenagem. Nesta vontade inevitável de prestar uma homenagem icônica algumas podem soar intensas, às vezes até exageradas, se for entregue a alguém não muito habilidoso para isso.

Douglas Tompkins sem sombra de dúvida foi um magnata que destoou do espírito destrutivo das pessoas ricas com relação à natureza e conservadorismo (posições político-filosóficas, alinhadas com o tradicionalismo). Apaixonado por esportes de natureza estabeleceu, junto de seu amigo de longa data Yvon Chouinard, práticas de administração de empresas que contradiziam o manual dos tubarões da administração. Graças a Tompkins vários parques naturais na Patagônia chilena e argentina foram criados e salvos da ação de madeireiras e mineradoras. Sua ação ativista fez com que também criasse vários inimigos, mas seu estilo diferenciado de conseguir fazer política fez a diferença para alcançar seus objetivos.

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Inegavelmente Tompkins era uma pessoa merecedora de todas as homenagens e, sem sombra de dúvida, será uma personalidade inspiradora do universo dos esportes de montanha e do conservadorismo da natureza. A sua importância vai muito além de ter fundado uma marca de roupas de sucesso e ter feito uma viagem icônica do estado americano da Califórnia ao Chile de carro. Sua adesão a princípios e valores atemporais, que devem ser conservados a despeito qualquer mudança histórica, inspira até hoje várias entidades ecológicas como o Greenpeace, WWF e The Nature Conservancy.

Mas se alguém se perguntava o que aconteceria se deixasse uma empresa homenagear seu fundador (repito: merecedor de todas as homenagens) e encomendasse para quem estava acostumado a fazer vídeos corporativos a resposta está no “Douglas Tompkins: Wild Legacy”, uma obra que consegue mostrar imagens bonitas falando de uma pessoa diferenciada e, ao mesmo tempo, ser dotado de uma frieza corporativa que tira todo o interesse sobre o assunto. O estilo corporativo e publicitário do filme é, talvez, o exemplo cristalino que as agências de publicidade não possuem cacoete nem para fazer um filme outdoor (até porque nem entendem os motivos para isso), muito menos homenagear alguém. O resultado é a tentativa de “vender” Douglas como uma espécie de Messias do conservadorismo da Patagônia sem, ao menos, citar nenhuma mácula em sua vida. Até mesmo Leni RiefenstahlJoseph Goebbels reconheceriam a influência de suas obras na parcialidade do roteiro do filme.

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“Douglas Tompkins: Wild Legacy” é um filme que segue a fórmula das propagandas de margarina nas décadas 1980 e 1990, onde tudo era excessivamente colorido, perfeito e sorridente mas que, na realidade, ocultava vários detalhes reais e sempre soava como algo extremamente artificial. Se o recurso vendia mais, ou menos, o produto é um outro assunto que não tem a ver com qualidade de roteiro, nem com o respeito à inteligência do espectador. A produção é uma obra corporativa, para ser exibida para catequizar funcionários e familiares próximos.

Esta mesma artificialidade e ritmo de vídeo-clipe de propagandas de conteúdo irrelevante de produtos que pululam na televisão é vista, infelizmente, em cada um dos 15 minutos dedicados a Douglas Tompkins. As críticas feitas por jornalistas como Gonzalo Sánchez que o denunciou, em uma série de reportagens que mais tarde foram reunidas em um livro, não foram sequer citadas. Sánchez denunciou não somente Tompkins mas também outros magnatas como Turner (dono da CNN) e Benetton (dono da marca de roupas de mesmo nome).

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Ao fazer um filme para homenagear seu fundador a ONG Tompkins Conservation acabou por fazer propaganda de si mesma em festivais de filmes outdoor e internet. O resultado desta tática, e da pouca qualidade de conteúdo que “Douglas Tompkins: Wild Legacy” possui, apenas um festival nos EUA, também conhecido pela relação contestável junto a seus patrocinadores, dignou-se a exibi-lo. De maneira espantosa o estilo, ritmo e repetições das mesmas frases lembrava, e muito, algo feito pelo milionário John du Pont, o qual era uma pessoa extremamente vaidosa e, como se sabe, fora da realidade.

O filme “Douglas Tompkins: Wild Legacy” é, infelizmente, o documento vivo de que publicitários, muitos dos quais nem praticam esportes de natureza, estão invadindo o universo de filmes outdoor com a visão torpe de que produções do gênero são propagandas estendidas das marcas que apoiam aventuras. Inegavelmente existe a troca da exibição da marca para o público alvo mas havia, até então, um certo limite e uso do bom. Mas a produção ao apostar em ser um “anúncio de margarina”, esquecendo de falar seriamente de um ídolo dos conservacionismo que foi Douglas Tompkins, desrespeita inclusive a sua memória, e quando chega ao final deixa no ar um constrangimento coletivo.

Nota Revista Blog de Escalada: 

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