Conservadorismo obscurantista: Por que há tantos escaladores contra a escalada olímpica?

O evento esportivo mais importante de todos é, sem sombra de dúvida, os Jogos Olímpicos de Verão. Participar de uma olimpíada é uma honra para qualquer atleta, mesmo que seja apenas como coadjuvante.

Para estar neles é necessário muita dedicação e, salvo poucos exemplos, não existe atalho ou conta matemática que facilite ou encontre ‘jeitinho’. Para qualquer atleta é necessário estar participando de um esporte em performance de alto rendimento real (não apenas relativo) e não apenas se auto considerar uma “esperança olímpica”.

Com as medalhas no skate e surf, além de um interesse fora do comum nas coberturas esportivas, é facilmente imaginável que o mesmo aconteceria para a escalada esportiva se tivéssemos um (a) brasileiro (a) participando. Algo que, como todos sabem, não aconteceu em 2020 e dificilmente (para não dizer impossível) acontecerá em 2024, a menos que aconteça um milagre.

A escalada vive um momento único na sua história, mas, curiosamente, ainda é boicotada, às vezes até esnobada, pela sua própria comunidade. Hoje, em pleno 2021, quem deveria prestigiar não prestigia, quem deveria participar não participa, quem deveria organizar não organiza e quem deveria se preocupar não se preocupa, porque o que deveria ser o carro chefe de qualquer entidade de classe, seduzindo várias marcas para patrocinar, sequer desperta interesse por quem pratica.

A contracultura e a escalada

Assim como o skate, a escalada também ainda carrega a mentalidade e filosofia da contracultura, sobretudo no que tange a contestação social. Frases de efeito como “escalada é estilo de vida” e atitudes do movimento punk (que questionava o capitalismo britânico), hippie (que questionava o militarismo dos EUA) movimento anarquista (que questionava organização política), entre outros, fazem parte até hoje do vocabulário e do modus vivendi dos escaladores.

O termo “tribos urbanas” foi criado pelo sociólogo francês Michel Maffesoli em 1985 e explica bem a aglomeração de pessoas em torno de um interesse comum e com forte identidade jovem. O termo era uma metáfora para dar conta das formas supostamente novas de associações entre os indivíduos na “sociedade pós-moderna”.

Assim, os escaladores formavam, da mesma maneira que os skatistas e surfistas, uma tribo urbana (apesar de não estarem nas cidades, viviam nelas) e compartilhavam hábitos, valores culturais, estilos musicais e ideologias políticas semelhantes. Uma espécie de subsociedade que partilhava interesses, gostos, relações de amizade e que foi identificada mais fortemente depois da publicação do livro “O tempo das tribos: O declínio do individualismo nas sociedades de massa“.

Como a escalada, assim como os esportes outdoor em geral, são profundamente impactados pela contracultura e o movimento hippie pode ser lido no artigo “História do movimento hippie: Como a contracultura moldou a cultura de esportes outdoor”. Nos bastidores todos admitem que é como se cada praticante ainda viva uma espécia de rebeldia e adolescência eterna, e é exatamente isso que atrapalhou, e ainda atrapalha, o desenvolvimento da escalada como modalidade olímpica no Brasil.

Muitos dos que começaram a escalar, por qualquer que seja o motivo, se identificam como um “diferenciado” e alguém que “pensa diferente” em termos de sociedade, arte, filosofia e cultura, e se posiciona contra valores disseminados pela indústria e o mercado cultural. Quem fazia parte de tudo aquilo da escalada romântica e, de repente, resolve organizar competições de escalada, está “traindo o movimento”.

As aspas nas expressões se justificam por serem tiradas de diálogos frequentes de escaladores.

Não há pesquisas nesse aspecto, mas caso fosse feita uma a respeito da aceitação das competições de escalada dentro da própria comunidade, o resultado seria uma larga vantagem para quem não aprecia o esporte ter se tornado olímpico, ou mesmo sequer acompanha (mesmo de maneira superficial).

Escaladores ao longo da vida, a maioria deles veteranos, acreditam que com os Jogos Olímpicos haverá uma crescente “abordagem hipercompetitiva” da escalada. Há quem defenda que o “verdadeiro espírito da escalada” não repousa na competição.

Ironicamente, estes mesmos escaladores veteranos e românticos também reclamam dos preços de equipamentos e, vez ou outra, resmunga que grandes nomes da escalada sequer considerem o Brasil no calendário de viagens e expedições. Veteranos estes que, diga-se, se fizessem uma reflexão veriam que a popularização do esporte faria equipamentos ficariam mais baratos e alguns nomes de prestígio na escalada passar temporadas por aqui.

Para estes veteranos é importante fazer algumas perguntas: será que a escalada tornar-se esporte olímpico é tão ruim assim para o próprio esporte? Não seria esse o momento de imaginarmos como seria bom para a escalada que também tivéssemos uma Rayssa Leal, que inspirasse milhares de novos praticantes ?

Esse contato com uma realidade difusa e parcialmente substituída por uma fantasia visionária, que é praticar o romantismo de que escalada não é competitiva, faz sentido na terceira década do século XXI?

Obviamente, estas são perguntas que não obteremos respostas (ao menos não tão cedo). Mas o fato é que essa esnobada e desinteresse é que fez com que não houvesse uma renovação da geração de praticantes nos últimos 10 anos. Essa mesma linha de pensamento de conservadorismo tacanho criou uma monopolização localista disposta em formato de feudos em todo o Brasil.

Estes mesmos feudos, que também podem ser identificados como as populares “panelinhas”, administram o esporte voltado a apenas interesses pessoais, em detrimento do coletivo, contribuindo para o nanismo da escalada em território brasileiro. Assim, com grande parte da comunidade desinteressada, as iniciativas de criação de circuitos regionais são sufocadas, novos (as) e entusiasmados (as) praticantes são afastados (as) e práticas de maracutaia e falcatrua de bastidores (que existem e não é em pouca quantidade) são mascaradas.

O fato é que enquanto há federações e associações de novos esportes olímpicos conseguindo isenção de impostos, superexposição na mídia e renovando a nova geração de praticantes, a escalada sofre de autofagia e nanismo e segue o caminho inverso em alta velocidade. Há uma afirmação repetida pelos escaladores conservadores obscurantistas de que “eles necessitam mais da gente do que nós deles”, como se não fizessem parte do mesmo esporte (e fazem, apesar de negarem de maneira infantil), a qual resume bem o grau de preconceito e resistência em aceitar a realidade.

Resta perguntar:”Eles” quem? As pessoas que praticam o mesmo esporte?

Hoje se não há sequer um (a) participante nas Olimpíadas (nem mesmo como coadjuvante), grande parte é culpa do comportamento conservador, que não aceita competições, e negacionista, que acredita que somos auto suficientes e insiste em acreditar que é o mundo inteiro está errado.

Comente agora direto conosco

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.