Conheça Sardenha, a nova meca da escalada em rocha da Europa

Ainda pouco conhecida, a ilha na costa oeste da Itália é uma utopia da escalada em rocha: calcário, granito, gritstone, mármore, esportiva, boulder, esportivas de parede, trads modernas e muita praia paradisíaca com mais de 300 dias de sol por ano, tudo isso pra tornar a Sardenha uma opção certeira pra quem quer fritar os dedos nas férias.

A ideia de ir pra Sardenha veio de um amigo que tinha férias na mesma época, e já que o clima não ia ajudar pra fazer alpinismo em Chamonix, não pensamos duas vezes e pegamos o avião em Genebra pra visitar o único lugar da Europa que estava com tempo bom. Eu só tinha ouvido falar da tal Sardenha, mas foi só comprar o guia Pietra de Luna (48 euros a versão de vias longas e trads ou a versão de esportiva, encontrado em diversas livrarias pela ilha), que percebemos o potencial do local. Já estava óbvio que na semana que ficaríamos lá não ia ter tempo pra dia de descanso.

Aguglia Goloritze vista da praia | Foto: Cissa Carvalho

Aguglia Goloritze vista da praia | Foto: Cissa Carvalho

A Sardenha é uma ilha de 300 km de comprimento por 100 km de largura, com predominância de calcário e diversas regiões montanhosas, principalmente na parte centro leste. O clima é seco com muito sol o ano inteiro, e ela pode ser acessada de balsa de diversos portos europeus, ou voando para Olbia (norte), Alghero (centro oeste) ou Clagiari (sul). De cada cidade basta alugar um carro (altamente recomendavel pois é quase impossível chegar nos picos de escalada sem um), comprar seus mantimentos e partir pra escalada. É possível fazer acampamento selvagem em praticamente todos os lugares, ou ficar em campings e hostels próximos às cidades mais movimentadas.

Assim como em outras partes da Europa, pra aproveitar melhor é necessário estar escalando confortavelmente nos sétimos graus brasileiros, apesar de ter vias de todos os níveis. Uma corda de 70 m e 12 costuras são suficientes pra escalar 80% das vias da ilha. Para os setores de trad obviamente que precisa de um rack completo, e dependendo da área, dobrar as peças pequenas.

Mas vamos ao que interessa, escalada! Nossa primeira parada foi na cidade de Cala Gonone, grande pólo de escalada esportiva, mas que nos últimos 10 anos também teve grande quantidade de esportivas de parede abertas. Começamos num setor a 20 minutos de caminhada e na beira do mar, fazendo a La Vita Nuova, 100 m, 4 enfiadas, 6a graduação francesa, sendo cada enfiada com características bem diferentes.

Esportivas no Villagio Gallico | Foto: Cissa Carvalho

Esportivas no Villagio Gallico | Foto: Cissa Carvalho

Começou atlética, depois mais técnica, e logo vieram as faquinhas regleteiras, tudo em calcário abrasivo já que a via é recente, mas já deu pra pegar feeling da coisa. Depois tentamos entrar na Innocenti Deviazione, uma 6a+ na graduação francesa de 5 enfiadas, mas acabamos não terminando pois a rocha ficou bem estranha: por ser perto da praia algumas partes ficam bastante úmidas e podres, apesar de isso ser mais comum nos setores de esportiva.

No dia seguinte descemos para Cala Goloritze, considerada uma das praias mais bonitas do Mediterrâneo, e com uma agulha clássica bem na beira da praia. Nesse dia queríamos sofrer e depois de 1h30 de trilha do acampamento até a base, optamos pela Sinfonia dei Mulini a Vento, 165 m, 5 enfiadas, trad de 6c na graduação francesa com um crux de uma belíssima fissura que vai se abrindo numa chaminé de meio corpo. Aqui o grau já parecia mais difícil, talvez por ser uma escalada bastante física, e de novo calcário bem abrasivo. Tomamos um senhor espanco mas nos divertimos num dia que foi de total aventura. Antes de voltar pro acampamento ainda deu pra dar um mergulho na praia deserta pra refrescar.

Escalando em Pedra Longa | Foto: Cissa Carvalho

Escalando em Pedra Longa | Foto: Cissa Carvalho

No outro dia passamos por Baunei, uma cidade bem central pra abastecer de comida, e fomos na direção de Pedra Longa, um monólito também na beira do mar. Este seria um dia de descanso, então fomos conhecer um setor de esportiva super clássico na ilha, o Villagio Gallico, com perto de 50 vias de 5b fr a 7c fr. A parede pega sol de tarde e as bases são acessadas a dois minutos de caminhada do estacionamento. Ficamos algumas horas escalando vias bem fáceis só pra se divertir mesmo, já que saímos da escalada do dia anterior com os dedos fritos e cheio de arranhões nas pernas. Além disso, o dia seguinte prometia.

A próxima parada foi a própria Pedra Longa, onde escalamos a lindíssima Marinaio di Foresta, 190 m, 7 enfiadas, 6a+ fr, toda equipada. A via começa com três enfiadas de travessia bem em cima do mar, e é só olhar pra baixo pra ver o lindo contraste do azul turquesa com a rocha avermelhada. A partir da quarta enfiada começa uma escalada quase sempre negativa mas bastante sequencial e de lindíssimas travessias, com muita montada. A via termina num diedro negativo super abrasivo onde se faz uma montada com o marzão turquesa lá embaixo. Apesar de ser bem recente, ela está se tornando um grande clássico entre as multi-pitch da ilha. Depois da descida fomos comemorar com cerveja, pizza e gelato, só pra não quebrar a tradição.

Úlitmo move da Marinaio di Foresta, na Pedra Longa | Foto: Cissa Carvalho

Úlitmo move da Marinaio di Foresta, na Pedra Longa | Foto: Cissa Carvalho

Nesse mesmo dia descemos pra costa sudoeste da ilha, na região de Masua. Nosso objetivo na verdade era o Capo Pecora, região de granito e trad moderna, mas que logo descobrimos é escalável somente no inverno, e fora dessa época fica com as paredes molhadas, o que torna a escalada inviável. Essa parte da ilha é bem menos turística e a costa bem mais selvagem. Nessa região fica o Pan de Zucchero, um monolito isolado onde só se chega de barco, e que tem algumas vias de 4-5 enfiadas. Optamos então por uma via curta e facilzinho. Fizemos uma via de quatro enfiadas e 5c, pra depois passar a tarde na praia comendo lula frita e pegando uma corzinha.

No penúltimo dia resolvemos descansar um pouco e conhecer Cala Luna, na região de Baunei onde já havíamos estado. A praia é acessada por barco a partir de Cala Gonone ou numa trilha de 2 horas. A praia tem 2 setores de escalada, um bem na beira da praia com vias bem negativas e atléticas começando em 6b fr, e outro setor mais fácil mas com rocha bem estranha na outra ponta da praia. Provamos os dois: no primeiro tomamos espanco pois tentamos aquecer direto num 7a fr, e no segundo não ficamos muito pois tinha gente monopolizando o setor quase inteiro com top ropes, fora que as vias eram bizarras e a rocha como já dito, bem estranha. Mas valeu o dia de praia com água super refrescante e um climão de paraíso.

Praia de Cala Luna e esportivas nas caves | Foto: Cissa Carvalho

Praia de Cala Luna e esportivas nas caves | Foto: Cissa Carvalho

O último dia foi pra voltar pra Olbia pra pegar o avião. Gostinho amargo pois não dava vontade de ir embora. Pensei que se fosse passar outro inverno na Europa valeria muito mais a pena ficar uns meses na ilha onde a escalada é garantida e o custo de vida bem acessível, com clima estável, comida boa e o imbatível café italiano.
Sardenha é tudo de bom: preço, acesso, facilidade de movimentação, escalada pra todos os gostos e níveis, comida boa, praia, guia super detalhado e gente hospitaleira.

Para quem quer variar e conhecer lugares novos na Europa ou pra quem vai fazer uma primeira viagem de escalada pelo velho continente é com certeza uma das escolhas mais certeiras em qualquer época do ano.

Meio da via em Masua | Foto: Cissa Carvalho

Meio da via em Masua | Foto: Cissa Carvalho

Setor Villagio Gallico | Foto: Cissa Carvalho

Setor Villagio Gallico | Foto: Cissa Carvalho

 Pan de Zucchero e falésia de Masua | Foto: Cissa Carvalho

Pan de Zucchero e falésia de Masua | Foto: Cissa Carvalho

Primeira enfiada em Masua | Foto: Cissa Carvalho

Primeira enfiada em Masua | Foto: Cissa Carvalho

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