A Cordilheira dos Andes é uma imensa cadeia de montanhas, cuja vastidão impressiona: seus 7240 km de comprimento a tornam a mais extensa do mundo, com muitas montanhas acima de 5 mil metros e mais de 100 acima dos 6 mil metros, as mais altas fora das grandes cordilheiras asiáticas.
Porém, apesar de seu tamanho e das inúmeras possibilidades para a prática de montanhismo, trekking e escalada nos países andinos, observa-se uma tendência para o turismo de montanha concentrar-se em determinadas regiões, deixando outros locais relegados ao esquecimento, quase inexplorados ou até mesmo virgens.
O objetivo dessa série de artigos é, justamente, divulgar alguns desses pontos onde os Andes se revelam em todo seu esplendor aos poucos e afortunados montanhistas que se atrevem a buscar tais destinos. Nessa primeira parte vamos descrever uma cadeia de montanhas que, provavelmente, quase ninguém ouviu falar: a Cordilheira de Chila, nos Andes peruanos.
A Cordilheira de Chila encontra-se situada na região do Cañon del Colca, esse, sim, uma grande atração turística bastante procurada por quem passa pela cidade peruana de Arequipa. Porém, poucos são os visitantes que cruzam o Colca e sobem as inúmeras trilhas que levam às montanhas de Chila.
E a maioria dos grupos de trekking fazem alguns percursos já clássicos que bordeiam as encostas desse cânion que leva a fama de ser o mais profundo do mundo (na verdade, o mais profundo é o vizinho Cotahuasi). O anonimato da Cordilheira de Chila pode parecer estranho quando ficamos sabendo de uma preciosidade que se esconde em suas alturas: é justamente aí onde nasce o Rio Amazonas, a aproximadamente de 5150 m de altitude, aos pés do Nevado Mismi (5.597 m)!
Outra explicação para o fato da Cordilheira de Chila ser tão pouco procurada pelos montanhistas é a vizinhança da Cordilheira Ocidental, do outro lado do cânion, com seus vários cumes de 6 mil metros: Ampato (6.288 m), Hualca Hualca (6.025 m), Chachani (6.057 m) e, já na região de Cotahuasi, o Solimana (6.093 m) e o Coropuna (6.425 m).
A preocupação excessiva com números, que talvez seja uma das marcas do montanhismo atual, faz com que a atenção dos escaladores que passam pela região esteja voltada para esses gigantes, deixando fora de foco cadeias de montanha como a de Chila, cuja maior altitude é o Cerro de Chila, com 5.654 m.
Mas, se em Chila não existe nenhuma montanha acima de 6 mil metros para se colocar no currículo, lá encontramos uma imensidão à espera de quem prefere, ao invés do montanhismo quantitativo, o montanhismo de exploração.
Chegar em Chila, por si só, já vale o esforço, pois é preciso atravessar o Cañon del Colca para subir por suas trilhas e, dependendo do ponto de partida, se desce até o fundo do cânion, a menos de 2.000 m de altitude para, depois de alguns dias, chegar a algum passo de montanha situado a mais 5.000 m.
E a vista que se tem nesses trajetos é indescritível, ficando evidente os grandes desníveis do Cañon del Colca, desde o fundo do cânion até o cume dos nevados de 6 mil metros da Cordilheira Ocidental.
Aliás, essa é a grande vantagem de se subir uma cordilheira menor: a visão e os ângulos privilegiados que se tem de vulcões como o Ampato e seu “companheiro” Sabancaya soltando fumaça, dos distantes Coropuna ou Solimana, ou das montanhas da região de Arequipa, como o Chachani.
Existem muitas opções de trilhas que partem do Cañon del Colca, saindo das várias e pitorescas vilas existentes ao longo do cânion, algumas isoladas e preservando o estilo de vida tradicional dos povos originários da região.
Atrações culturais é o que não falta: são muitas as igrejas e povoados coloniais, da época da colonização espanhola, ruínas e sítios arqueológicos e, até mesmo, cidades fantasmas.
Tais atrações estão no caminho de quem sobre o cânion que, nas partes mais baixas, possui bastante vegetação e um clima mais quente durante o dia. À medida em que se sobe a vegetação vai rareando e a paisagem ficando mais árida.
E, após cruzar por algum passo de montanha, geralmente acima dos 5.000 m, se chega à parte alta da Cordilheira de Chila, que se encontra dividida em três grupos principais: o grupo Chila, mais a oeste, onde estão as duas maiores montanhas da cordilheira, o Cerro Chila (5.654 m) e o Cerro Casiri (5.647 m); o grupo Minaspata – Ccacsata, situado em sua porção central; e o grupo Mismi, a leste, onde se encontra o nevado homônimo e a nascente do Amazonas.
Apesar de ser uma cordilheira mais baixa, para os padrões dos Andes peruanos, as possibilidades esportivas oferecidas pela Cordilheira de Chila são muitas. É possível montar longos roteiros de trekking de alta complexidade, cruzando suas profundas quebradas no sentido leste – oeste (ou ao contrário) e tendo como prêmio passar pela nascente do rio Amazonas, um dos lugares mais incríveis onde já fui.
A nascente situa-se em um paredão de rocha amarelada, que fica dourada com a proximidade do pôr-do-sol, em uma parte da cordilheira extremamente árida, onde nunca se imaginaria encontrar água, ainda mais a principal nascente do maior rio do mundo em termos de vazão hídrica.
A água brota desse paredão, no meio de blocos de gelo, e corre por um descampado coberto pelo verde da vegetação rasteira (o único tom de verde em quilômetros e quilômetros), com passarinhos cantando ao redor. Uma verdadeira paisagem paradisíaca!
O grupo Minaspata – Ccacsata talvez seja o menos explorado dessa cordilheira. Seus principais cumes somente foram conquistados em 1972 por uma expedição alemã e, certamente, existem muitas possibilidades de aberturas de novas rotas ou, até mesmo, cumes ainda virgens. Em minhas explorações por essa zona, por exemplo, vislumbrei distantes torres de rocha que, provavelmente, nunca foram escaladas.
Várias montanhas situadas a leste do Nevado Mismi, por sua vez, têm uma vertente projetada em direção ao Cañon del Colca com características mais alpinas, trazendo a possibilidade de abertura de rotas de alto grau de dificuldade.
A Cordilheira de Chila tornou-se uma de minhas favoritas, pela beleza de suas montanhas, pela riqueza cultural e histórica da região do Cañon del Colca e pelas inúmeras possibilidades esportivas. É um lugar para exploração, e para contemplação, onde, raramente, encontramos algum outro caminhante ou montanhista e que oferece, a quem não se preocupa com modismos ou números, a possibilidade de buscar, ou abrir, novos caminhos.
Guia profissional de montanha, com título de “Guía Superior de Montaña” obtido na EPGAMT. Guia de montanha associado à AAGM e à AAGPM. Guia de montanha credenciado no Parque Provincial Aconcagua. Sócio da empresa SummIT – Gestão de Projetos e Desenvolvimento Humano. Além de liderar expedições de escalada e trekking em alta montanha, trabalha com treinamento e consultoria nas áreas de gestão, liderança, motivação e inovação.
Pratica escalada em rocha desde a década de 1990 e alta montanha desde o início dos anos 2000, tendo realizado mais de 80 ascensões nos Andes e no Himalaia