Ciência e tecnologia nos esportes outdoor: Como os negacionistas sabotam as atividades de natureza

Daqui a alguns anos, muito provavelmente em algumas décadas, o ano de 2020 ficará conhecido como o de confronto de ideias entre os negacionistas (dentro destes os anti-vacinas, anti-ciência, terraplanistas, etc) e a parte da população mais esclarecida. Há, sem a menor sombra de dúvida, uma reprodução ao vivo e a cores do mito da caverna de Platão.

Como já abordado aqui neste espaço, o universo dos esportes outdoor vivencia a cada ano uma ebulição de praticantes obscurantistas em um ambiente totalmente dependente da ciência. Sem ciência não há tecnologia e, claro, sem tecnologia não há equipamentos outdoor.

Uma das seções mais completas da Revista Blog de Escalada em relação a outras mídias do mesmo segmento é sobre a tecnologia de equipamentos. O veículo inclusive já recebeu prêmios de jornalismo por isso, além de ser referência no universo de esportes outdoor.

Cordas, mochilas, sapatilhas de escalada, jaquetas, barracas, entre outros equipamentos que o praticante de esportes de natureza é dependente, são puramente dependentes de ciência e tecnologia. Lembrando que a tecnologia é a aplicação de conhecimento científico para conseguir um resultado prático.

Portanto é um total paradoxo que praticantes de esportes de montanha, os quais usufruem do que há de mais moderno em tecnologia e ciência, mas ao mesmo tempo sejam descrentes da medicina moderna, do uso de vacinas e estejam reticentes a conceitos científicos consolidados há décadas. Assim como o pior cego é aquele que não quer ver, o pior ignorante é aquele que se acha que sabe de tudo.

Esta manifestação de superioridade ilusória de um leigo diante conceitos da ciência é visto a cada minuto em grupos de WhatsApp e Telegram. A pandemia apenas facilitou destas pessoas serem identificadas.

Há sempre uma pessoa que se acha mais inteligente, ou mais esclarecido, que algum cientista ou alguém que tem como determinado ramo a sua profissão (como médicos, biólogos, engenheiros, etc). Ironicamente, muitos destes negacionistas, em sua maioria esmagadora também são os “valentões” de grupos de WhatsApp e outras redes socais, acabam contraindo COVID-19 mesmo depois de debochar das medidas de segurança e das notícias sobre a doença.

Assim, muitos (mas muitos mesmo) ainda consideram que seu grupo de WhatsApp equivale a uma faculdade, ignorando o fato de que simplesmente ter acesso à informação não é o mesmo que ter conhecimento.

Mito da caverna de Platão?

Mito da Caverna é um texto do filósofo Platão contida no livro 7 (de um total de 10) em sua obra mais complexa: A Republica. O mito relata a condição em que os seres humanos estão, desde o início de vida, acorrentados no fundo de uma caverna subterrânea. Estes estão completamente imobilizados e com seu campo visual restrito às imagens projetadas em uma parede natural que têm diante de si.

Nesta parede, somente aparece sombras de seres humanos e de objetos que movem-se com certa regularidade. Seu horizonte perceptivo, portanto, limitou-se a essa realidade, tida por esses prisioneiros como o conjunto de tudo o que existe.

Quando um dos prisioneiros consegue perceber que o que veem são apenas sombras, este tenta contar aos companheiros. Os companheiros se negam a conhecer uma outra realidade que não seja aquela a que estão habituados. Estes o chamam de louco, ameaçando-o de morte caso não pare de falar daquelas ideias consideradas absurdas e de um mundo que não era por eles conhecido.

Assim nasceu uma maneira de metaforizar o negacionismo, que é a escolha de negar a realidade como forma de escapar de uma verdade desconfortável. Uma linha de pensamento que coloca em xeque preceitos básicos e já sedimentados pela ciência no mundo. Uma estratégia antiga e infelizmente bem sucedida de “minar” conceitos científicos.

Argumentum ad hominem

Argumentum ad hominem, termo em latim que significa “argumento contra a pessoa”, é uma estratégia utilizada quando alguém procura negar uma proposição fazendo uma crítica ao seu autor e não ao seu conteúdo. Ou seja, ataca-se a pessoa que apresentou um argumento e não o argumento que ela apresentou.

Eleanor Roosevelt, conhecida por suas realizações humanitárias ao longo da vida, afirmou que “grandes mentes discutem ideias, mentes medíocres discutem eventos, mentes pequenas falam sobre os outros”. Isso porque a tendência de desqualificar os outros quando não se tem argumentos sólidos, prática comum em redes sociais (especialmente em grupos de Whatsapp e Telegram), põe em risco nossa capacidade de chegar a um entendimento porque destrói pontes em seu caminho.

Pode-se recorrer a insultos pessoais, humilhação pública ou até mesmo trazer à tona os erros que aquela pessoa cometeu no passado. Hoje dá-se o nome disso como “cancelamento”.

O comportamento negacionista de “aprisionados na caverna de Platão”, os quais sempre utilizam a estratégia Argumentum ad hominem, pode ser percebido em toda fúria dos haters e comentadores de redes sociais. Estas pessoas sempre confundem o que é opinião (aquilo com o qual aquele acredita) com o que na realidade é um fato (que podem ser comprovados ou refutados com base em evidências objetivas).

Um fato é aquilo que aconteceu, enquanto que a opinião é o que alguém pensa que ocorreu, uma interpretação dos fatos. Por exemplo, se um equipamento é ruim, ou ou tratamento médico é eficaz, é porque foram feitos diversos testes e exames até chegar a uma conclusão objetiva. Citar como exemplo algo que “funcionou para mim”, ou que “conheço um caso que aconteceu o contrário” é nada mais que uma opinião a respeito de algo.

Fatos usualmente são submetidos à prova por números, documentos, registros e análises. Opiniões, por outro lado, refletem juízos, valores e interpretações empíricas.

Terraplanistas do universo outdoor em 2020

Basta monitorar as redes sociais para verificar que o ano de 2020 fez com que todos os negacionistas existentes nos esportes de montanha aparecessem. Pessoas durante a parte mais rígida da quarentena foram escalar, fazer trekking, entre outras atividades.

Todas usaram como argumento que “eu penso de outra maneira”, ou mesmo “eu não acredito que vá pegar”. Exemplos não faltam para ilustrar este pensamento negacionista e, por vezes, egoísta de quem pratica algum esporte outdoor. Aqui mesmo na Revista Blog de Escalada há diversas notícias a respeito deste flagrante desrespeito às regras de convívio social por parte de quem pratica esportes outdoor.

Infelizmente estes negacionistas, embora aparentemente sejam minoria, constantemente apostam nos processos de desinformação, colaborando para a confusão entre o fato e a ficção, e espalhando irresponsavelmente mentiras que se tornam verdades.

Porém estes mesmos negacionistas, os terraplanistas do universo de esportes outdoor, que jogam contra o esporte e colaboram para que ele seja sempre visto com preconceito. Porque, para estes, o esporte deve sempre ser de nicho e nunca deixar de sê-lo.

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