A polêmica de 60 anos: Os chineses realmente chegaram ao Monte Everest em 1960?

Para muitos jornalistas, e consequentemente para a mídia em geral, citar uma polêmica com algo é considerado necessário para o avanço do conhecimento em várias áreas. Indiscutivelmente, pelo menos em algum momento oportuno, as polêmicas irão trazer uma reflexão sobre algum assunto. À luz da razão, uma polêmica é a prática de provocar disputas e causar controvérsias em diversos campos discursivos.

O montanhismo e escalada não poderiam ficar de fora disso, pois a polêmica gera confronto entre diferentes pontos de vista sobre um mesmo tema. Evidentemente como dentro do montanhismo o que mais existe são pessoas que se consideram “donos da verdade”, mesmo com pouco conhecimento de causa, é fácil perceber que em praticamente todo assunto a respeito de cumes de montahas, há uma polêmica.

Recentemente o trailer do filme chinês, divulgado em primeira mão pela Revista Blog de Escalada para a América Latina, que aborda a saga da escalada ao Everest pelo lado tibetano, acabou por levantar uma velha polêmica: Os chineses de fato chegaram ao cume do Everest em 1960?

Por que o cume chinês no Everest é polêmico?

China e EUA hoje são as duas grandes potências econômicas. Como pano de fundo destas polêmicas, estão as velhas pequenas competições que estavam esquecidas desde a Guerra Fria. Pequenas disputas para mostrar à população de seu país, que está superando o grande rival do momento.

Por pequenas disputas, entenda ostentar marcas como: o maior número de medalhas em uma Olimpíada, maior quantidade de satélites, edifício mais alto, maior porta-aviões, maior bilheteria e, dentro do montanhismo, quem chegou primeiro ao Monte Everest.

Para entender um pouco melhor os riscos inerentes à escalada ao Everest, sugiro que você confira o infográfico interativo da Betway Insider

Para os americanos, apenas seis pessoas já estiveram no cume antes da expedição norte-americana: Edmund Hillary e Tenzing Norgay, em 1953, Ernst Schmied, Juerg Marmet, Dolf Reist e Hans-Rudolf von Gunten, alpinistas suíços em 1956. Após isso, na visão norte-americana, James W. Whittaker fez a sétima, e tão sonhada, ascensão americana do Everest em 1963.

Mas os chineses, que na época não eram a potência econômica de hoje, mas eram o maior país comunista do mundo, afirmaram que chegaram em 1960. Desta maneira, antes dos grandes capitalistas do mundo, os norte-americanos, a maior nação comunista do mundo já teria estado no topo do mundo. Por todo o simbolismo envolvido, qualquer contestação a respeito da conquista chinesa obviamente iria aparecer.

A melhor metáfora para abordar este assunto, talvez seja compará-la com o futebol. Desde a Copa do Mundo, o futebol começou a usar um árbitro de vídeo, conhecido como Video Assistant Referee (VAR), para tentar acabar com a polêmica em torno de lances duvidosos. Pois os EUA, quando se referem à conquista dos chineses, levantam a hipótese de ausência de provas confiáveis a respeito da ascensão chinesa. A China por sua vez, como um time de futebol beneficiado por um lance polêmico, disse que é apenas inveja do adversário.

Chineses no Cume

O Tibet, país que faz fronteira com o Nepal justamente pelo Monte Everest, é um pedaço de terra rico em recursos naturais, como ouro, zinco, manganês e madeira. Por ter estes recursos naturais, foi considerado estratégico pelos chineses que invadiram o país e o anexaram à Republica Popular da China em 1950. Com a ascensão ao cume deEverest realizada por britânicos em 1953, os chineses procuraram também chegar ao topo do “teto do mundo”, mas pelo seu lado. Uma espécie de prática comum para delimitar territórios.

Reza a lenda que chegaram lá em uma expedição no ano de 1960 (três anos antes dos norte-americanos). Oficialmente, a maioria das listas oficiais dos cumes do Monte Everest afirma que dois escaladores chineses (Wang Fu-chou e Chu Yin-Hua) e um tibetano (Konbu) alcançaram o cume do lado norte em 1960.

Quando anunciaram que fizeram a primeira ascensão bem-sucedida, do lado norte do Monte Everest, os chineses foram recebidos com ceticismo no Ocidente e em festa em seu país. Muitos dos incidentes descritos no relatório de sua ascensão, pareciam improváveis aos olhos dos céticos.

Por que o ceticismo do Ocidente (leia-se norte-americanos)? Importante lembrar que não existe liberdade de imprensa no país, desde a Revolução de 1949 que deu origem a República Popular da China. Em linguagem simples, o que é publicado para a população, e para o mundo, é o que o governo mandar ou autorizar. Portanto, hipoteticamente falando, se o governo chinês resolver informar a todos que chegaram no planeta Marte, antes de qualquer ser humano, a imprensa deve publicar sem sequer contestar.

Portanto, este tipo de pensamento levanta suspeitas sobre qualquer “documento oficial chinês”. A prática de reprimir a imprensa e a liberdade de expressão, faz parte do modus operandi de países comunistas como a Coreia do Norte, República Popular da China, Cuba e, até certo ponto, a própria Rússia, Venezuela e Turquia dos tempos atuais. Não somente no montanhismo, mas em diversas áreas, alguns fatos documentados nestes países citados são amplamente contestados por países com imprensa livre.

Relatórios

Os detalhes contidos no relatório, quando lidos parecem muito fantasiosos e exagerados. Assim como as cenas da produção chinesa estrelada por Jackie Chan (assista ao trailer no topo do artigo). Abaixo estão alguns trechos dos relatórios publicados pelo jornalista Mark Horrell em 2013, em um artigo que abordou os 50 anos da conquista norte-americana.

O artigo de Horrell é considerado o mais completo sobre o assunto, até os dias de hoje.

  • Os quatro alpinistas que partiram no dia do cume foram Wang Fu-Chou (um geólogo), Chu Yin-hua (um lenhador), Liu Lien-Man (bombeiro). Todos membros leais do Partido Comunista Chinês e Konbu (um camponês tibetano). A maioria deles só havia escalado por dois anos.
  • Os montanhistas começaram a partir de um acampamento base a 8.500 metros, o que os colocaria firmemente na Cordilheira do Nordeste, provavelmente nas partes logo abaixo do Primeiro Passo. Embora o Mushroom Rock, entre o Primeiro e o Segundo Passo, seja único local possível para um pequeno acampamento. A maioria das expedições nos dias de hoje se situa entre 8.200 e 8.300 metros de altitude, bem abaixo da cordilheira, onde há muito mais espaço para um acampamento.
  • Levaram três horas para subir o segundo passo. Liu Lien-Man fez quatro tentativas para subir, mas acabava caindo. Chu Yin-Hua tirou as botas e as meias grossas de lã, para tentar escalar, mas também caía. Ambos acabaram se levantando quando Liu usou sua “experiência como bombeiro”, para levantar seus companheiros de equipe usando o “método de escada curta”. O método era ficar de pé em seus ombros, enquanto se agachava para acomodá-los. Com grande esforço, Liu Lien-Man então se levantou e permitiu que eles alcançassem e se movimentassem para o cume.
  • Quando Liu desmaiou de exaustão a 100 metros do Segundo Passo, os três montanhistas realizaram uma reunião de emergência. Todos decidiram que Liu Lien-Man esperaria com um cilindro de oxigênio, enquanto os outros continuariam indo ao topo. Nas palavras de Wang Fu-Chou, “embora ele não estivesse conosco, seu espírito nobre nos deu grande força para conseguir a vitória final”.
  • Estava escuro quando chegaram ao cume às 4h20. A essa altura, o oxigênio havia acabado e eles completaram o trecho final ao longo da crista do cume de quatro com Konbu à frente.
  • Os montanhistas deixaram uma bandeira chinesa e um pequeno busto de gesso do presidente Mao Tsé-Tung no cume, junto com uma nota escrita a lápis, contendo suas assinaturas sob um pequeno amontoado de pedras. Nenhum desses itens estava presente quando os americanos chegaram ao topo três anos depois.
  • Os montanhistas desceram durante a escuridão, pegando Liu Lien-Man no caminho. De acordo com Wang Fu-Chou, os montanhistas foram bem-sucedidos porque “foi a luz brilhante do Partido e do Presidente Mao Tse-tung que nos deu a força e a sabedoria ilimitadas”.

Foi cume ou não?

Atualmente, a ascensão é considerada genuína e aparece nos registros oficiais. Entretanto, existem algumas contestações a respeito do que foi escrito no relatório, que exalava linguagem de reverência ao partido comunista. A declaração deles sobre alcançar o cume na escuridão, depois de ficar sem oxigênio, foi talvez a alegação que parecia mais implausível para as pessoas na época.

Mas para desespero dos norte-americanos, a ascensão chinesa de 1960 parece ter sido genuína. Porque a descrição da rota pela expedição, é a descrição exata da via da face norte. Se Wang e Chu estivessem inventando a história, teria sido uma coincidência incrível. Como ambos descreveriam as características da rota em sequência sem nunca tê-las visto?

Como era o primeiro cume e a China era um país extremamente fechado, além de ser uma época de comunicação precária, os montanhistas não poderiam ter inventado a descrição de uma rota, ou mesmo escutado de outra pessoa, porque ela não existia.

Voltando à metáfora do futebol, ao menos para os norte-americanos, a sensação de saber que chineses chegaram ao cume do Monte Everest, é a mesma de uma pessoa que reclama de um pênalti não marcado para o seu time. Há a indignação, mas há também a dúvida, pois como todos sabem, pênalti não é garantia de gol. Por isso a dúvida permanece para os norte-americanos, pois em todos os documentos oficiais os chineses chegaram lá, mesmo que reclamem da autenticidade e validade do fato. Como uma torcida perdedora em uma partida com lance polêmico, resta admitir a derrota e engolir a indignação.

Para ler a reportagem completa de Mark Horrell: https://www.markhorrell.com

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