Bernardo do Espinhaço: o que talvez você não saiba

Eis que dou início à construção dessa matéria ouvindo PAJÉ – 4ª faixa do álbum “Manhã Sã”, produzido em 2015 – e também uma das tantas músicas emblemáticas de Bernardo do Espinhaço.

Carregada de tamanha força, a canção explica o porquê do músico ter sido consagrado como cantor de mochileiros e montanhistas:

“(…) Que a vida é chão em construção, só de pensar já posso andar a pé e até / E até que eu seja um pajé de mim e enfim / E a fé transborde pelas mãos de chão em chão / Semeio as tardes…”

Foto: Robson de Oliveira

Ode ao Espinhaço

Assim como filósofos da Grécia Antiga, Bernardo do Espinhaço carrega em seu nome a região onde nasceu.

E se na certidão de nascimento foi registrado como Bernardo Puhler, no luminoso manifesto diante da vida “É” Bernardo do Espinhaço, reverenciando assim, a segunda maior cordilheira da América Latina: a Serra do Espinhaço.

Cortando de norte a sul os estados da Bahia e de Minas Gerais, a cordilheira brasileira é considerada por muitos uma das mais extraordinárias paisagens do Planeta Terra, além de conter uma riquíssima biodiversidade e existir há aproximadamente 1.8 bilhões de anos.

Foto: André Dib

Bernardo e suas raízes

Criado entre a roça e a cidade, filho de uma pianista também literária, assim como seus avós que pertenciam à Academia Mineira de Letras do Triângulo, Bernardo parece ter herdado nos genes a predisposição à musicalidade e à escrita.

Com apenas 5 anos de idade já estava no Conservatório de Música UFMG aprendendo piano e desde muito cedo participava de “concursos poéticos” em sua escola, sendo diversas vezes classificado em primeiro lugar.

Filosofia musicalizada

Questionado sobre o tônus filosófico existente em muitas de suas composições, Bernardo alega nunca ter prospectado esse viés musical, lembrando que inicialmente suas canções tinham caráter apenas documental.

Porém, no decorrer de sua carreira, intuiu o quanto seu público e até ele mesmo, acabavam sendo literalmente reconstruídos pelas vivências junto à natureza.

Daí não teve jeito. Uma vez que seu avô foi também filósofo e historiador, novamente o sangue que corre em suas veias falou mais alto; levando-o a fazer cumprir um de seus chamados no mundo: criar um lugar de diálogo e de reflexão através da música.

“É mais forte a mão que é leve, mais alto o homem que curva / É mais sábio quem aprende, fica mais claro pra quem reconhece a vista turva / O meu canto na lua guardo, no cuidado da vigília / Semeando o bem eu faço um carinho em minha própria vida / O meu traço e como eu faço, vem de lá de minha família, um aprendizado farto vence a escassez da vida”

Foto: Robson de Oliveira

Compositor multi-instrumentista

Embora o cantor tenha facilidade em auto musicalizar suas próprias composições através de diversos instrumentos, como: acordeom, baixo, bateria, flauta transversal, gaita, percussão, piano, ukulele, viola caipira e violão (ufa! esqueci de algum?), Bernardo não se diz especialista na maioria deles, mas grava quase todos para facilitar o processo de arranjo das músicas.

Entre a formação que o acompanha há algum tempo, estão os músicos: Alexandre Andres, Alexandre da Mata, Arthur Rezende, Caio Valente, Felipe Fantoni, Frederico Heliodoro, Gregory Yohan, Mário Wamser e Rodrigo Lana.

A verdade é que Bernardo do Espinhaço (especialista ou não nos tantos instrumentos que dão singular tônica ao seu estilo), produz verdadeiras obras-primas.

Como no caso de “Canto Pras Travessias”, canção que evidencia a alma da cultura montanhês, tendo em seu videoclipe a participação de centenas de admiradores de seu trabalho.

Aliás, outra particularidade na temática de Bernardo: a comunhão horizontal que ele constrói com seu público.

Sonoridade teletransportadora

Confira abaixo um pouco da letra, da melodia, das paisagens, da energia e claro, da sonoridade teletransportadora da flauta transversal ao final dessa, que é a 5ª faixa do álbum Manhã Sã:

“Cantei pra celebrar todos da minha aldeia / Meu canto vai num mosquetão laçado em mil cargueiras / E em cada pé que se lançar num vão libertador / Eu vou estar com a minha fé e meu tambor”

Novo álbum + Trilogia

O 4º álbum, “Amorantanhês” (união das palavras “amor” + “montanhês”), será lançado ainda no primeiro semestre de 2020.

Sendo composto por músicas com um prisma mais romântico, como já expressado em faixas como: “Que É Pra Você Saber”, “Meio Amor” e “Quarentena”, o álbum prediz um novo ciclo na carreira do cantor.

“Que é pra você saber / Vou com você / Mesmo se eu não souber pra onde é / Que eu vou sair por aí com tua bandeira / Que eu vou cantar e te festejar a noite inteira / A minha casa vai estar sempre aberta / Faça morada, faça de mim a tua terra”

Bernardo relembra que a trilogia dos álbuns: “O Alumbramento de um Guará Negro em uma Noite Escura” (2014), “Manhã Sã” (2015) e “Tardhi” (2018) esta intimamente ligada a períodos emocionais de sua vida – representados pelos tempos: noite, manhã e tarde.

O 1º álbum, que remete à figura de um lobo-guará (animal do cerrado brasileiro cujos hábitos solitários diferencia-o de outras espécies de lobos que vivem em matilha), foi fruto de um depressivo momento vivido por Bernardo.

Foto: Robson de Oliveira

 

Pelo que através de uma retórica um pouco mais densa e num formato quase de um livro, contendo 12 capítulos através de 12 faixas musicais com ordem cronológica, Bernardo deu luz à obra que não me sinto no direito de descrever.

Sendo assim, os deixo com as palavras dele próprio:

“O álbum ‘Guará Negro’ respeita e expõe minha identidade, diz mais de mim do que eu poderia dizer de qualquer outra maneira. Impõe o ego no centro, no entanto servindo mais por desconstrução que vaidade. (…) Enquanto bicho, posso ignorar deliberadamente a tudo, menos a minha própria natureza. Quem o percorre – o álbum – lida com o sombrio, o bucólico, o ermo e o misterioso, mas me encontra resistentemente guarnecido de esperança.”

Se em “Guará Negro” nos deparamos com a escuridão, no álbum “Manhã Sã” lançado no ano seguinte, já conseguimos sentir os primeiros raios de sol iluminando suas canções, que flertam e muito com a positividade.

Após 3 anos e tendo as montanhas como parte do processo de cura, Bernardo lança “Tardhi”, álbum festivo, mais alegre, colorido e convidativo, inaugurado pela canção “Bora Lá”.

“Viver não tem manual / É movimento autoral / Mas veja bem: movimento / Não dá pra estar sem andar / Amor, o movimentar é o que nos dá sustento / Bora Lá, perder é se achar / Bora Lá que é temporada de Montanha / De Montanha / Montanha”

Não que momentos de crise sejam de todo agradáveis, mas como já dito pelo escritor Rubem Alves:

“Ostra feliz não faz pérola”.

Bem, eu poderia despender mais alguns instantes por aqui discorrendo sobre outros tantos trabalhos especialmente ímpares de Bernardo.

Como as canções: “A Trilheira” que exalta o empoderamento feminino nas práticas outdoor, ou “Rasgue o céu” e toda sua extensão geográfica, ou ainda “Benjamim”, belissimamente escrita em homenagem ao filho e ao amor incondicional do casal Juliana e Guilherme do projeto Montanha Para Todos, entre tantas outras.

“Quero ver quem há de impor um não / A quem só aprendeu a ser do sim / Benjamim, Benjamim o fruto que tu é / É pra lembrar do pé onde você deu / Quem te ver, verá a própria fé / Sonho é de quem quiser / Você convenceu (…)”

Mas a partir daqui, eu deixo com vocês!

Para conhecer mais sobre o trabalho de Bernardo do Espinhaço, acesse:

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