AOC e DIB: Por que a representatividade é importante nos esportes outdoor?

Representatividade é a qualidade de uma pessoa, partido, grupo ou sindicato, devidamente escolhida por um grupo de pessoas, para representar um grupo perante autoridades e poder público. Um conceito simples que todos parecem saber na teoria, mas na prática não.

Como já foi discutido em vários episódios do MontanhaCast, além de ter sido também abordado no podcast Natrilha, a cultura de ressentimento nos esportes outdoor nos levou a uma triste realidade: nós, praticantes de esportes outdoor, não possuímos representatividade perante o poder público.

representatividade

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Um caso emblemático desse problema está acontecendo na cidade de Mairiporã-SP, região metropolitana de São Paulo-SP, onde um tradicional local de escalada, o qual existe há mais de 30 anos, está correndo perigo de ser varrido do mapa. O local em questão é o DIB, uma pedreira desativada no início dos anos 1970, a qual fica em uma propriedade particular, e que serve há muito tempo como uma espécie de campo escola dos escaladores da região metropolitana da cidade de São Paulo.

O fechamento da Pedreira do DIB foi discutido no programa semanal da Revista Blog de Escalada no YouTube ou Facebook ‘Papo de Redação’. O programa na íntegra pode ser assistido no topo do artigo.

Escaladores se uniram e elaboraram um abaixo assinado, na tentativa de reverter o desaparecimento da Pedreira do DIB. Se você, caro leitor, acredita que seja importante manter o local aberto e deseja colocar sua assinatura acesse: http://chng.it/Vg8fXjqDds

DIB sem clube ou associação

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Como não há de maneira formal representantes, ou mesmo alguém que represente à prefeitura de que há um grupo de pessoas que usufruem da área para lazer, o local está perto de banir a escalada, além de outras atividades de lazer, para sempre. Há, entretanto, um líder reconhecido pela comunidade: Alex Viana.

Conhecido por todos os frequentadores do local, o escalador Alex Viana é o organizador das práticas de escalada no local, mas não é necessariamente um representante formal para a prefeitura. Isso porque não há um clube ou associação formalmente ligada à Federação de Montanhismo e Escalada de São Paulo, que, ao menos em teoria, é a voz representativa dos praticantes de esportes de montanha no local e deveria monitorar este tipo de ameaça.

Antes de pensarmos na reação simplista de questionar de quem é a ‘culpa’, temos de analisar o problema um pouco mais de longe. A consequência da Pedreira do DIB, em termos de escalada ou rapel, sempre ser organizada de maneira informal é nosso apego cultural dos brasileiros de fazer coisas na informalidade.

Locais de escalada como a Pedreira do DIB, que é organizado por pessoas voluntárias e altruístas como Alex Viana, adotam a informalidade em termos de representatividade. E este tipo de pratica existe aos montes pelo Brasil. Há, claro, toda uma burocracia, carga tributária e pessoas que não querem contribuir mas continuar usufruindo do local.

Há ainda toda a animosidade de praticantes de escalada com organizações políticas do esporte que, independente da modalidade, enxergam o representante como um ‘teórico que não gosta do esporte’. A culpa disso é, inegavelmente, de boa parte de dirigentes que ficam por mais de uma década no cargo e, ao menos visualmente, não há qualquer benefício ao esporte ou associados há tempos.

No momento, por causa de toda a comoção da comunidade de escalada, arestas estão sendo aparadas para viabilizar uma saída para o problema na Pedreira do DIB. Toda movimentação de unir forças para resolver essa ameaça é louvável, mas não podemos deixar de refletir como é importante para todos, independente de orientação política, termos um (a) representante perante o poder público.

O mais urgente, claro, é garantir a existência da Pedreira do DIB, e isso já está nas mãos da FEMESP que juntou forças a Alex Viana e procura a melhor saída. Entretanto, toda essa ‘catimba jurídica’ e política que é necessário para que o local continue aberto, seria mais fácil se tivéssemos um representante como um deputado estadual, ou mesmo um secretário de esportes do governo do estado.

Representante esse que entendesse nossas paixões pelas práticas de esportes outdoor.

Alexandria Ocasio-Cortez

Muito provavelmente quem estiver lendo este texto, gosta de dizer que odeia política e os políticos. Mas, com certeza, ignora o fato de que para vivermos em uma democracia, dependemos de representatividade de várias camadas sociais.

Uma democracia de verdade baseia-se na representatividade política de várias faces da sociedade, incluindo os que praticam esportes outdoor. É a união de vários tipos diferentes de camadas sociais, que escolhem um representante comum e, ao menos em teoria, esse escolhido será a voz ativa em qualquer assunto que envolva esta camada.

O ideal, por exemplo, é que para os praticantes de atividades outdoor no Brasil, existisse uma entidade de classe que representasse todos: escaladores, rapeleiros, praticantes de trekking, hiking, pesca, camping, caravanismo, trail running, canionismo, entre outras. Antes do (a) leitor (a) começar a praguejar a respeito de ser representando a um grupo social que tenha preconceito, pense em quantos votos isso representaria a um político disposto a ser o representante dos esportes outdoor.

Sim, se não tivéssemos preconceitos e implicâncias com determinadas atividades, seríamos mais fortes e, consequentemente, mais respeitados pelo poder público. Pagaríamos, inclusive, menos impostos em equipamentos de nossas práticas.

Uma maneira de refletir a respeito de como podemos ter um representante, é observarmos, por exemplo, o caso da política americana Alexandria Ocasio-Cortez, conhecida pelas iniciais AOC. Ocasio-Cortez é ativista e organizadora comunitária dos EUA, atualmente servindo como congressista na Câmara dos Representantes (o equivalente à câmara dos deputados) por Nova York.

Alexandria entrou no radar dos brasileiros pelo documentário do Netflix ‘Virando a Mesa do Poder’ (Knock Down The House), de 2019, que ilustra de maneira bem crua como é necessário termos representantes e que, com persistência, é possível mudar a imagem da política nacional. O trailer do filme está logo no início desse subtítulo (no link o filme está na íntegra e gratuito).

Alexandria Ocasio-Cortez é uma descendente de latinos formada em relações internacionais. AOC teve de trabalhar como garçonete para ajudar sua família após a morte do pai. Vinda de uma família da classe trabalhadora, surpreendeu os norte-americanos ao vencer nas eleições primárias Joe Crowley, deputado democrata que há quase quinze anos ocupava o cargo.

O segredo de Alexandria Ocasio-Cortez foi que a candidata batia de porta em porta para conhecer o cotidiano dos moradores daquele distrito. Crowley aceitava doações de grandes empresas. Assim AOC derrotou Joe Crowley por 57% dos votos a 42.5%.

Embora seja a mais popular, AOC é apenas uma das quatro democratas progressistas que surpreenderam nas eleições primárias de 2018. As outras são Amy Vilela (Nevada), Paula Jean Swearengin (West Virginia) e Cori Bush (Missouri).

Esta semana, AOC divulgou um fato sobre sua vida pessoal que chamou a atenção e entusiasmo em torno da indústria de atividades outdoor nos últimos dias. A congressista é, aparentemente, uma ávida praticante de hiking.

Em um vídeo postado no Instagram neste fim de semana (assista acima), AOC carregava uma mochila Osprey em uma trilha no estado de Nova York. No vídeo, a congressista disse que tira horas de folga e se faz trilhas. O hábito de fazer hiking foi adquirido após o tumulto no Capitólio dos EUA por fanáticos de extrema direita em janeiro.

“Depois do tumulto, eu senti que precisava de uma prática para me ajudar a me firmar. Estava ficando muito mais difícil acalmar minha mente depois do incidente.”. Nesta semana, diversas entidades de trekking dos EUA, além da associação norte-americana de esportes outdoor dos EUA, procuraram a política para alinhamento.

Políticos, representatividade e esportes outdoor

Responda rápido: quando foi a última vez que viu um (a) político (a) brasileiro (a) em uma atividade outdoor, ou mesmo praticando alguma atividade esportiva fora de sua campanha?

Não seria o momento de também procurarmos representantes de todos nós, praticante de atividade outdoor. Não seria a hora de amadurecermos como cidadãos e deixar de perpetuar preconceitos e nos apequenar ainda mais?

Faça então um exercício para que sirva de reflexão. Procure pela sua memória quem é o (a) deputado (a), ou qualquer representante leal que os esportes outdoor possuem. Tente listar pelo menos cinco. Essa dificuldade de listar pelo menos cinco, ilustra bem a necessidade de termos alguém que seja a nossa voz.

Em um momento sensível como a que vemos na Pedreira do DIB em São Paulo, não seria a hora de repensarmos a nossa representatividade?

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