Alta performance: Entenda os detalhes que fazer um atleta tornar-se (ou não) uma lenda do esporte

Tecnicamente falando, uma lenda é uma narrativa fantasiosa (história) transmitida pela tradição oral através dos tempos. As lendas combinam fatos reais e históricos com fatos irreais, que são meramente produto da imaginação aventuresca humana.

O termo foi usado como adjetivo por vários jornalistas para engrandecer atletas de alto rendimento. Desde o início, um atleta torna-se efetivamente uma lenda quando ele transcende o próprio esporte. Em termos práticos é quando seu nome é conhecido até por quem não acompanha o esporte que pratica.

Para consolidar este conceito basta lembrarmos de nomes como Nadia Comăneci, Serguei Bubka, Pelé, Diego Maradona, Michael Jordan, Kobe Bryant, Cristiano Ronaldo, Lionel Messi, Michael Phelps, Muhammad Ali, Mike Tyson, Mathew Fraser, entre muitos outros nomes, são exemplos de atletas que tonaram-se lendas do esporte que praticam.

Paralelo a isso, estão atletas com rendimento acima da média, ou mesmo da geração a qual faz parte, mas que não alcançam a repercussão de quem possui uma performance acima da média. São conhecidos como heróis locais, que são governados pela ideia de que “é melhor ser um peixe grande num lago pequeno do que ser um peixe pequeno num lago grande”.

O livro “David e Golias”, do autor Malcolm Gladwell, que questiona a forma como encaramos as nossas limitações e desvantagens, especifica bem este tipo de ‘conformismo’ em não ser grande, ou uma lenda, mas ser reconhecidamente um herói local. Vemos exemplos de atletas que optam por este caminho todo o tempo: escaladores que somente escalam no mesmo lugar, jogadores de futebol que nunca saem do próprio país, atletas que somente obtêm resultados em competições locais, etc.

O que transforma pessoas em lendas?

Condicionamento físico, responsabilidade, garra e uma boa dose de tenacidade são características muito importantes para quem quer ser um atleta profissional. Todo esse conjunto de sentimentos pelo esporte precisam vir acompanhados de muito preparo e capacitação.

Mas para tornar-se uma lenda do próprio esporte é necessário não somente estabelecer marcas. Também é preciso que este atleta (a) se destaque fora do esporte com atitudes e, essencialmente, suportar a pressão por resultados. Usando um exemplo da própria escalada: não é suficiente escalar uma via muito difícil, pois além deste valor ser relativizado com outros ao redor do mundo, é também importante observar a postura deste (a) atleta.

A maneira com a qual se relaciona com o esporte, com os outros praticantes, o respeito pela própria disciplina, pelos patrocinadores, com a imprensa, etc. Enfim, como é sua postura diante de todos que fazem parte do universo daquele esporte. Além disso, pelo exemplo, o retorno que ele oferece ao esporte é muito além de somente escalar algo difícil.

Praticar um esporte de alto desempenho é um dos maiores desafios a que alguém pode se submeter. Pois, se ele não der pelo menos 100% em tudo, não irá vencer. Porém, é muito difícil conseguir atingir este potencial todas as vezes que houver um desafio. Pois quem chegou a ser uma lenda em sua atividade, muito provavelmente conseguiu esta porcentagem em quase todas.

Precisa colocar em números? Então aí vai: uma lenda provavelmente entregou 100% de si em 98% das vezes que foi desafiado. Já um atleta que é acima da média (mas sabe que está longe de ser de alto desempenho), consegue fazer isso em no máximo 90% das vezes. Pois estão nestes 8% o que faz alguém merecer elogios rasgados e tornar-se lenda e outros serem esquecidos com o tempo.

Somado a isso, antes e depois do desafio, um atleta de alta performance precisa ser fiel à sua rotina e às orientações físicas e nutricionais. Ele se dedica 100% à sua vitória. Observe que estes atletas profissionais de alto rendimento raramente são vistos consumindo bebidas alcoólicas, especialmente durante a temporada regular de seus esportes.

A responsabilidade social

Ao verificar as redes sociais, assim como reportagens jornalísticas, é evidente que atletas de verdade e de alta performance (reconhecidas no esporte a nível internacional) como LeBron James, Cristiano Ronaldo, Lionel Messi, James Harden, Usain Bolt, Adam Ondra, Janja Garnbret, Akyio Noguchi, Tomoa Narasaki, Alex Megos, entre outros, durante a temporada regular e competições não postam fotos no estilo ‘ostentação’ nem sequer consumindo bebidas alcoólicas.

Este tipo de hábito faz parte do que no meio empresarial é conhecido como postura de atleta diante a sociedade. Caso queira usar um termo mais moderno: responsabilidade social. Um dos melhores exemplos que vivemos na atualidade nos ajuda a entender melhor o que se esperar de um atleta: A crise de saúde pública que exige responsabilidade de todos.

Atletas, como figuras públicas, podem (e devem) ajudar com exemplos positivos. As principais marcas entenderam isso. As mais conscientes até mesmo exigem isso de seus patrocinados. Outras, como é o padrão, preferem se omitir (como tem ficado explícito desde o início da pandemia) de qualquer desvio de conduta de seus atletas, como se não tivesse nenhuma responsabilidade sobre isso.

Atletas que possuem descolamento intelectual com a realidade, furando medidas restritivas durante a pandemia, ou exibem consumo indiscriminado de bebidas alcoólicas em suas redes sociais, possuem vida curta em termos de patrocínio (além de não possuírem alto rendimento). Atualmente, claro, podem até possuir algo que leigos chamariam de alto rendimento (mas que não se sustenta ao longo do tempo), mas quando atingirem uma certa idade, quando fisicamente seu suposto alto rendimento não é mais possível de atingir, viram fumaça e somem.

A questão de compromisso social deveria ser tratada com bastante seriedade pelos atletas e aqueles que vivem do esporte. Mesmo que um atleta renomado (a) não reconheça, ele (a) sempre será modelo de comportamento, principalmente para crianças e adolescentes em formação. Obviamente, o que se espera, é que estes atletas sejam um modelo positivo e de alto padrão desejável.

O tempo passa, o tempo voa…

“A vida é o que acontece enquanto você está ocupado fazendo outros planos” : É creditado a frase a John Lennon. Na verdade, ela é um verso da canção Beautiful Boy, que está no álbum Double Fantasy Stripped Down, o último lançado pelo músico antes de morrer.

Pois esta frase deveria ser tatuada em toda e qualquer pessoa que se dedica ao esporte. Ser um atleta profissional, especialmente no Brasil, é um privilégio para poucos. Aqueles que estão ali, desfrutando de um salário para praticar um esporte com o melhor rendimento possível, são apenas 1% de todos os praticantes. Eles tiveram a sorte de conseguir viver disso.

Aliás, esse é o conceito de privilégio: direitos válidos apenas para um indivíduo ou um grupo, em detrimento da maioria. Aquele atleta que tiver consciência disso atravessará a carreira e saberá que tornar-se uma lenda faz parte saber que tem uma vantagem concedida a ele, com exclusão de outros (e ser grato por isso).

Saber que é uma exceção e que teve sorte (além do talento para aquele esporte) diante de outros tantos, faz com que esta pessoa se torne grata por isso. Basta observar ao longo da história infinitos casos de atletas de grande talento que por sua postura de arrogância, empáfia, superioridade e insolência de quem nunca faz nada pela sociedade, ou mesmo pelo próprio esporte, acabaram esquecidos e empobrecidos.

Como dito no parágrafo acima, exemplos de atletas que obtiveram relativo sucesso, mas sumiram, não faltam. Mais outros estão por acontecer, ainda mais em um mundo que a vigilância com os “privilegiadinhos’ é mais acirrada. Mas que fique claro para estes “atletas maravilhas da vez”que o tempo passa para todos, e é ele que fará a diferença entre tornar-se lenda ou apenas uma história triste de alguém que teve de voltar a morar com os pais depois de velho, porque não soube valorizar o privilégio que tinha.