A legitimidade da escalada de velocidade

É fácil falar que escalada de velocidade não deveria estar nas Olimpíadas, ou que não é escalada “de verdade”. Veja por quê essas noções estão erradas.

Por John Burgman (Tradução de Thiago Waldhelm)

Enquanto nos banhamos no resplendor da estreia da escalada Olímpica – e provavelmente recuperamos o sono perdido -, nos encontramos em um território desconhecido, refletindo sobre o turbilhão de Tóquio em vez de nos animarmos para ele. Podemos olhar para trás e ver onde e quando o sonho de Nathaniel Coleman começou.

Podemos ouvir diretamente de Colin Duffy o que foi fazer parte da história Olímpica. Mas uma das elucubrações mais peculiares nesse ocaso Olímpico é o sentimento de que a escalada de velocidade – uma das disciplinas do formato combinado das Olimpíadas de 2020 – não é escalada de verdade.

Nós todos ouvimos esses argumentos falsos antes; tentar deslegitimar escalada em velocidade é uma retórica infeliz mas comum em nosso esporte. Mas os difamadores agora tem o maior ponto de referência de todos, as próprias Olimpíadas.

As alfinetadas mais recentes em escalada de velocidade (como um evento) e escalada em velocidade (como disciplina competitiva) provêm em sua maioria dos placares determinantes na divisão masculina das Olimpíadas. Alberto Ginés López não é especialista em velocidade sob nenhuma ótica, e mesmo assim venceu a etapa de escalada de velocidade nas Olimpíadas…

Inegavelmente ajudado por uma queimada de largada de seu oponente, o estadunidense Colin Duffy, na bateria inicial, e por um escorregão do japonês Tomoa Narasaki na bateria final.

A vitória de Ginés López nestas baterias não seriam penas chocantes, mas também cruciais para sua eventual medalha de ouro olímpica. Na verdade, o melhor resultado de Ginés López nas etapas seguintes foi mediano, e o pior foi esquecível: sétimo lugar na etapa de bouldering (entre sete competidores ativos) e quarto lugar na etapa conclusiva de vias guiadas.

Ainda assim, os resultados multiplicados foram o que acabaram resultando na vitória de Ginés López – e todo o crédito a ele, jogo limpo. Mesmo assim, vale notar que escalada em velocidade, especialidade que é inquestionavelmente menos popular com as massas da escalada que guiada ou bouldering (ou moonboarding, ou hangboarding) acabou sendo a mais significativa das Olimpíadas.

Você pode resmungar, mas não diga que eu não avisei.

Mesmo Adam Ondra, que fez várias comentários contra Velocidade, fica satisfeito com bons desempenhos na disciplina, como ele fez na final em Tóquio | Foto: Ryu Voelkel

Espectadores e escaladores tem todo o direito de terem suas opiniões, e está tudo bem em discutir sobre o sistema olímpico de multiplicação de pontos. Eu mesmo também não sou apaixonado por ele.

Como alternativa, se o formato combinado olímpico é, em teoria, uma medida de determinar quem é o melhor escalador mais abrangente, a medalha de ouro não deveria ter ido para Colin Duffy (o único finalista masculino a ficar no top 5 de cada etapa) em vez de de Ginés López?

Algumas pessoas na internet teceram argumentos ferrenhos a isso. Mas parece que esses argumentos, muitas vezes, vão longe demais, e eventualmente se contorcem na afirmação sem sentido, mais uma vez, de que escalada de velocidade não é escalada de verdade.

Velocidade não é algo novo

Miho Nonaka comemora seu resultado nas eliminatórias de Velocidade | Foto: Leo Zhukov/IFSC

Literalmente falando, escalada de velocidade nada mais é do que ir do ponto A ao ponto B em um plano vertical. Obviamente, isso faz dela escalada, mas isso parece uma resposta fundamentalista e sarcástica à censura conceitual da disciplina de velocidade.

Ao invés disso, deixe-me começar dizendo que a escalada de velocidade é a mais velha de todas as disciplinas competitivas da escalada, no sentido organizado e convidativo. Na edição de 1992 do The Sport Climbing Competition Handbook, o primeiro livro focado exclusivamente em escalada competitiva estadunidense, o autor Peter Darmi escreveu:

“Escalada competitiva começou no bloco de países soviéticos no meio da década de 1970 com provas de escalada em velocidade, geralmente acontecendo em superfícies de rocha natural. Só a velocidade contava. Quem chegasse primeiro ganhava.”

Alguns historiadores notam que outros tipos de provas de escalada de velocidade existiam mesmo antes disso, tão longe quanto a metade do século XX. É claro, só porque algo existe há muito tempo em vários formatos não significa necessariamente que é algo bom.

Mas qualquer argumento anti-velocidade perde força porque apagar a escalada de velocidade da lousa arrisca desacreditar muito da fundação da escalada, sem mencionar algumas das métricas de evolução amplamente aceitas na escalada. Considerem os famosos recordes de velocidade para o The Nose do El Capitan.

Os irmãos Mawem, Mickael (esq.) e Bassa (dir.). Bassa venceu a etapa de Velocidade na qualificação da Escalada Esportiva, mas precisou se ausentar da final devido a uma lesão no bíceps que ocorreu na etapa Guiada na qualificação. Você acha que Velocidade não é legítima? Converse com o Bassa | Foto: Jess Talley, Jon Glassberg/Louder Than 11

Na Europa e outras partes do mundo teriam tido suas próprias instâncias de aumento de eficácia na escalada, que também evoluíram, muitas vezes, em recordes de velocidade puros e simples. E também temos as ascensões em velocidade das montanhas Eiger, Matterhorn, Denali e Everest – e ninguém diz que essas ascensões, nas quais o menor tempo é tudo o que importa, não são escaladas de verdade.

Diga o que quiser sobre escalar o Monte Everest e “o circo que é a indústria comercial do Everest”, como rotulou Michael Levy para a Revista Climbing mais cedo nesse ano. Diga o que quiser sobre a inclusão da escalada nas Olimpíadas também.

Mas a história da escalada é, de muitos jeitos, uma crônica de elementos que a atual disciplina de velocidade apenas realça, aumenta e celebra ao máximo: eficiência, economia de movimentos, e a dinâmica binária de perder/ganhar de uma competição.

O Paradoxo Ondra

Mais do que qualquer outra coisa, me parece que escalada de velocidade é o bode expiatório para quem quer criticar escalada competitiva no geral. Com sua via padronizada, seu formato mata-mata e a memória muscular inerente do treinamento, escalada de velocidade é muito diferente em núcleo e conceito de todas as outras disciplinas da escalada.

Também é o tipo de escalada mais distante das configurações sociais do hobby de escalada recreativa da maior parte das pessoas – ficar de bobeira no ginásio, encontrar amigos nos picos, discutir e descobrir betas uns com os outros nos crash pads.

Aleksandra Miroslaw estabelece um novo recorde mundial de Velocidade na final olímpica | Foto: Dimitris Tosidis/IFSC

Também vale ressaltar que muitos dos escaladores que são considerados os melhores escaladores no mundo (principalmente o tcheco Adam Ondra) tem dificuldades na disciplina de velocidade. Isso coloca um alvo enorme na escalada de velocidade, porque a disciplina produz resultados muito anômalos.

Como poderia o Ondra(!) não ser bom em um certo tipo de escalada?

Bem, claramente a falha deve estar na modalidade de escalada, e não no escalador. E, assim, os detratores de escalada em velocidade competitiva vão argumentar que a labuta de Ondra prova seu ponto, enquanto fãs de escalada de velocidade dirão que isso é exatamente o que sublinha a legitimidade única da disciplina.

É o Paradoxo Ondra: um não-velocista se tornando evidência para os dois lados do debate.

Espaço para todos

Não espero mudar a cabeça dos críticos mais vocais da escalada de velocidade, mas não há como negar o entusiasmo de uma boa corrida… Ou o fascínio esportivo de um novo recorde mundial ser estabelecido, como fez a polonesa Aleksandra Miroslaw ao marcar 6,84 segundos nas Olimpíadas.

Ao invés de continuar discutindo o passado ou o presente da escalada de velocidade, prefiro olhar para o futuro da disciplina. Sou super a favor de ver o quão mais rápidos escaladores conseguem subir na rota padronizada de velocidade…

Porque há grandeza lá, assim como há grandeza nas outras disciplinas do esporte, mas um tipo diferente de grandeza. Poderia haver um jeito de organizar revezamento em velocidade também?

Pode contar comigo, também haveria grandeza nisso. Poderíamos voltar com a ideia de vias de velocidades diferentes, que precisariam ser enviadas à vista pelos competidores?

Sim, por favor!

Talvez em algum lugar no futuro pós-Olímpico, de portas abertas da escalada em velocidade, alguns dos detratores podem eventualmente se converter. Se as pessoas continuam não querendo assistir, tudo bem. Se não tem interesse em torcer por escaladores velocistas, sem problemas.

Mas, na minha opinião, eles que saem perdendo. A etapa de velocidade das Olimpíadas é só a mais nova maturação de um espírito antigo. E definitivamente é escalada.

O artigo acima foi publicado originalmente no site da climbing.com e foi traduzido e publicado com o consentimento do autor.

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