A história do vegetarianismo

Nos esportes outdoor, o vegetarianismo é uma presença constante e, proporcionalmente falando, muito maior que outros esportes. Muito dessa presença tem raiz ao fato de que os próprios esportes outdoor tiveram grande impulso com o movimento hippie.

Toda a influência e impacto que o movimento hippie teve nos esportes outdoor já foram tratados em no artigo “História do movimento hippie: Como a contracultura moldou a cultura de esportes outdoor“. Junto dos esportes outdoor, o movimento hippie também popularizou o vegetarianismo no mundo, mesmo que ele já data de tempos anteriores ao ano zero.

Grécia antiga: O início de tudo

Vegetarianismo

Pitágoras de Samos

A prática de viver exclusivamente de vegetais, frutas, grãos, legumes e nozes (com ou sem a adição de produtos lácteos e ovos) e se evitar o consumo de carnes, é bem antiga. A defesa de uma dieta sem carne começou por volta da metade do primeiro milênio a.C., na Índia e no leste do Mediterrâneo como parte do despertar filosófico da época.

No Mediterrâneo, a filosofia de evitar comer carne foi registrado pela primeira vez como um ensinamento do filósofo Pitágoras de Samos, fundador do movimento chamado Pitagorismo, e que viveu em aproximadamente 570 a.C. a 495 a.C.. Pitágoras de Samos alegou o parentesco de todos os animais como uma base para a benevolência humana para com outras criaturas.

Como muitos outros pensadores importantes da Grécia, Pitágoras teria estudado no Egito, para onde teria viajado em cerca de 535 a.C.. Registrada pelo poeta romano Ovídio, é atribuída a ele frase: “Enquanto o ser humano for implacável com as criaturas vivas, nunca conhecerá a saúde e a paz. Enquanto os homens continuarem massacrando os animais, também permanecerão matando uns aos outros. Na verdade, quem semeia assassinato e dor, não pode colher alegria e amor”.

Na tradição grega de Pitágoras de Samos, não foi apenas evitar a crueldade contra os animais que estabeleceu o vegetarianismo como um modo de vida, ele também viu as vantagens para a saúde de uma dieta sem carne. O filósofo via o vegetarianismo como um fator chave na coexistência humana pacífica, apresentando a visão de que o abate de animais brutalizava a alma humana.

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Teofrasto

Assim, de Platão em diante, muitos filósofos como Teofrasto, Porfírio, Epicuro, Apolônio e Plutarco, especialmente os neoplatonistas, recomendaram uma dieta sem carne. Essa ideia trazia consigo a condenação dos sacrifícios sangrentos nos cultos e era frequentemente associada à crença da reencarnação das almas.

Sócrates, Platão e Aristóteles debateram o status dos animais, embora a conclusão de Aristóteles de que o reino animal existe para uso humano, prefigurou a visão dos romanos e da igreja cristã para os séculos seguintes. No entanto, o termo “pitagórico” se tornaria sinônimo de “vegetariano” e o vegetarianismo se espalhou por todo o Império Romano dos séculos III a VI d.C. entre aqueles influenciados pela filosofia neoplatônica.

Índia: A mescla com religião

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Jainismo

Na Índia, seguidores do Budismo e Jainismo (uma das religiões mais antigas da Índia) se recusaram, por motivos éticos e ascéticos (filosofia de vida que realizam práticas visando o desenvolvimento espiritual), a matar animais para comer. Os seres humanos, acreditavam eles , não deveriam causar dano a nenhuma criatura senciente.

Este princípio foi logo adotado em Bramanismo (antiga filosofia religiosa indiana que formou a espinha dorsal da cultura indiana) e, mais tarde, Hinduísmo e foi aplicado especialmente à vaca. Como no pensamento mediterrâneo, a ideia trazia consigo a condenação de sacrifícios sangrentos e era frequentemente associada a princípios de harmonia cósmica.

O vegetarianismo foi encorajado nos antigos versos dos “Upanixades” e também mencionado no “Rigueveda” (considerado o mais sagrado dos antigos textos hindus). O ponto central dessas religiões eram as doutrinas da não violência e do respeito por todas as formas de vida.

O vegetarianismo sempre foi central para o budismo, que consagra a compaixão a todas as criaturas vivas. Buda e Pitágoras foram contemporâneos. Especula-se que é possível que o pensador grego tenha sido influenciado pelos ensinamentos místicos indianos.

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rei indiano Asoca

O rei indiano Asoca, frequentemente citado como um dos maiores imperadores da Índia, se converteu ao budismo, abandonando a tradição védica predominante, chocado com os horrores da batalha. Os sacrifícios de animais terminaram quando seu reino se tornou vegetariano.

O abandono de Asoca da tradição real da caça estava de acordo com a reverência pela vida animal que ele demonstrava em uma mesa vegetariana. Para seus súditos, sacrifícios de sangue foram proibidos, mas a caça não, exceto de animais “não comestíveis” e pássaros em listas protegidas.

Além da Índia, o vegetarianismo foi levado, com o budismo, para o norte e para o leste, até chegar à China e Japão. Em alguns países, os peixes foram incluídos em uma dieta considerada sem carne.

O Renascimento e o vegetarianismo

Na Europa, no século XII, a fome e as doenças aumentaram à medida que as colheitas falhavam e os alimentos eram escassos. A carne era em grande parte um luxo escasso e caro até para os ricos.

Foi durante este período que houve uma redescoberta da filosofia clássica antiga. Os pensamentos pitagóricos e neoplatônicos mais uma vez se tornam influente na Europa. Era o início do Renascimento.

O Renascimento foi um movimento cultural, econômico e político, surgido na Itália no século XIV e se estendeu por toda a Europa até o século XVII. Inspirado nos valores da Antiguidade Clássica (século VIII a.C. e o século V d.C). O movimento foi impulsionado pelas modificações econômicas, reformulando a vida medieval dando início à Idade Moderna (1453 a 1789).

Além de reviver a antiga cultura greco-romana, ocorreram no Renascimento muitos progressos e realizações no campo das artes, literatura e ciências, que superaram a herança clássica. Mas durante o início do período da Renascença a ideologia vegetariana aberta era um fenômeno raro.

A redescoberta dos escritores clássicos incluiu a noção de que os animais eram sensíveis à dor e, portanto, merecedores de consideração moral, e essa ideia deveria ser revisitada durante o período do Iluminismo, que veio posteriormente, quando o método científico começou a ganhar relevância.

O veneziano Luigi Cornaro (1465-1566) escreveu um dos primeiros best-sellers sobre dieta da história. Seu livro, Trattato della vita sobria, publicado em 1558, prega a moderação na alimentação como o caminho para ter uma vida longa e saudável. Foi Cornaro que começou a fazer críticas aos excessos prevalecentes da cultura de alta classe e adotou uma dieta vegetariana.

Pessoas de diversas visões filosóficas defendiam o vegetarianismo. Dentre as figuras filosóficas mais emblemáticas estão Voltaire, Percy Bysshe Shelley e Henry David Thoreau, que praticavam a dieta. Leonardo Da Vinci (1452-1519), inventor visionário, desenhista e pintor, sentia repulsa pela matança de animais e era conhecido em sua própria época como aquele que denunciava abertamente o consumo de carne.

O Iluminismo

O Iluminismo foi um movimento intelectual de ideias burguesas contrárias ao absolutismo, ao mercantilismo e ao poder politico do clero. O movimento que se tornou popular no século XVIII, surgido na França, com o pensamento de defender o uso da razão sobre o da fé para entender e solucionar os problemas da sociedade.

Com o movimento intelectual emergiu uma nova avaliação do lugar do homem na ordem da criação e, com o novo domínio científico da investigação, recuperou o domínio sobre o reino animal. As tentativas de René Descartes, uma das figuras-chave na Revolução Científica, de refutar cientificamente a existência de almas animais deram lugar à vivissecção (ato de dissecar um animal vivo com o propósito de realizar estudos de natureza anatomo-fisiológica) e ao conceito de animal como máquina.

Em contrapartida, o filósofo britânico John Locke, conhecido como o “pai do liberalismo”, expressou argumentos de que os animais eram criaturas inteligentes e sentimentais e objeções morais foram levantadas, pois havia uma aversão crescente aos maus-tratos de animais.

A Revolução Francesa foi um processo revolucionário inspirado em ideais iluministas contra a monarquia absolutista. Foi o evento histórico que inaugurou a Idade Contemporânea.

O filósofo escocês John Oswald (1730-1793), que morreu combatendo na Revolução Francesa, publicou o manifesto The Cry of Nature or an Appeal to Mercy and Justice on Behalf of the Persecuted Animals, no qual argumentou que o indivíduo possui naturalmente sentimentos de piedade e de compaixão, e que se cada pessoa tivesse de matar os animais que come o vegetarianismo seria muito mais comum

O criador do movimento metodista John Wesley foi influenciado pelos escritos do médico Dr. George Cheyne, que adotou uma forma de “Dieta dos Vegetais” para curar-se de uma série de doenças relacionadas à obesidade na primeira metade do século XVIII. Foi o trabalho do Dr. Cheyne que impactou diretamente as gerações subsequentes de médicos reformadores.

Grandes filósofos como Voltaire e Rousseau questionaram a desumanidade do homem para com os animais. Voltaire tinha lido Del vitto pitagorico per uso della medicina do médico, naturalista e escritor italiano Antonio Cocchi. O influente livro The Rights of Man, de Thomas Paine, levantou questões mais amplas sobre os direitos dos animais.

No final do século XVIII, o filósofo, jurista e um dos últimos iluministas a propor a construção de um sistema de filosofia moral, não apenas formal, Jeremy Bentham, afirmou que o sofrimento dos animais, como o sofrimento de seres humanos, era digno de consideração moral e considerava crueldade aos animais como análoga ao racismo.

O início da Idade Contemporânea

O ano de 1809 marca o início de um movimento dentro de uma ramificação da igreja inglesa em direção ao vegetarianismo como uma expressão da fé cristã. Estabelecendo a Igreja Cristã Bíblica em Salford em 1809, o reverendo William S. Cowherd apontou para referências bíblicas em seu apelo contra o consumo de carne.

Os vegetarianos do início do século XIX também, em sua maioria, condenavam o uso de álcool tanto quanto de carne e apelavam tanto para as vantagens nutricionais quanto para as sensibilidades éticas. Como antes, o vegetarianismo tendia a ser combinado com outros esforços em direção a um modo de vida humano e cosmicamente harmonioso.

Embora o movimento vegetariano como um todo sempre tenha sido levado adiante por indivíduos inclinados à ética, instituições especiais cresceram para expressar as preocupações vegetarianas como tais. A primeira sociedade vegetariana foi formada na Inglaterra em 1847 pela Igreja Metodista Britanica, e a International Vegetarian Union foi fundada provisoriamente em 1889 e de forma mais duradoura em 1908.

A influência do cristianismo radical no século XIX deu à causa do vegetarianismo um grande impulso na Inglaterra e nos EUA. Esses grupos eram cristãos fundamentalistas vegetarianos, com grandes congregações compostas por indivíduos pobres e recém-urbanizados.

Representantes que se aventuraram longe da Inglaterra e das vilas vegetarianas eram evidentes nos EUA na década de 1830, praticando entre grupos como os Adventistas do Sétimo Dia. Um notável praticante desta religião foi o Dr. John Harvey Kellogg, pregador e inventor dos famosos cereais matinais.

A Vegetarian Society, entidade filantrópica britânica, foi criada em 1847 com o objetivo de “apoiar, representar e aumentar o número de vegetarianos no Reino Unido”. A organização em seu início foi formada por três grupos: membros da Bible Christian Church, leitores do The Truth-Tester e da Alcott House.

Na década de 1880, os restaurantes vegetarianos eram populares em Londres, oferecendo refeições baratas e nutritivas em ambientes respeitáveis.

Século XX

No início do século XX, o vegetarianismo no Ocidente estava contribuindo substancialmente para o impulso de variar e influenciar a dieta não vegetariana. Em alguns lugares, uma dieta sem carne era considerada um regime para distúrbios específicos.

Na Alemanha, por exemplo, foi considerada um elemento em uma concepção mais ampla do vegetarianismo, que envolveu uma reforma abrangente dos hábitos de vida na direção da simplicidade e da saúde.

A saúde pública britânica, o país mais rico da época, ainda estava em mau estado e com altos níveis de mortalidade infantil, além da pobreza generalizada. A Vegetarian Society enviou cestas básicas para comunidades mineiras durante a Greve Geral de 1926 no Reino Unido.

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Mahatma Gandhi

Qualquer história do vegetarianismo seria incompleta sem mencionar a contribuição feita por Mahatma Gandhi, que escreveu extensivamente sobre o assunto. Nascido em uma família vegetariana, a prática foi fundamental para sua vida.

Gandhi, antes de iniciar seus estudos jurídicos em Londres, Gandhi prometeu à mãe que não tocaria em “vinho, mulheres e carne”. Na Inglaterra, ele passou a acreditar de verdade no vegetarianismo pela primeira vez na vida e foi apenas em Londres que ele abraçou razões éticas para não comer carne.

Como membro da Vegetarian Society de Londres, Gandhi superou seu medo de falar em público e se tornou, pela primeira vez, um ativista que defendia uma causa. Gandhi aprendeu a vincular seu vegetarianismo a uma série de causas radicais e a uma concepção abrangente de não violência.

Gandhi praticou muitos dos princípios dietéticos mais populares de hoje, especialmente a restrição calórica e uma dieta rica em frutas, vegetais e nozes. Seu crescimento pessoal e espiritual estavam profundamente ligados ao seu crescimento alimentar.

Na segunda metade do século XX, a obra do filósofo australiano Peter Singer inspirou um renascimento do interesse filosófico na prática do vegetarianismo e no tópico mais amplo dos direitos dos animais. O trabalho de Singer provocou discussões muito acirradas sobre a questão de se o tratamento tradicional de animais é justificado por quaisquer diferenças “moralmente relevantes” entre animais e humanos.

Nas décadas de 1950 e 1960, o público em geral tornou-se cada vez mais consciente dos problemas que haviam na prática da pecuária intensiva. O vegetarianismo também atraiu a contracultura de meados da década de 1960 (movimento hippie), à medida que as influências orientais permearam a cultura popular ocidental.

A década de 1970 viu uma atenção acadêmica mais itens para a ética do bem-estar animal, com o livro seminal de Peter Singer, Animal Liberation, em 1975, gerando o movimento contra a experimentação animal e a pecuária industrial.

Durante as décadas de 1980 e 1990, o vegetarianismo recebeu um grande impulso à medida que o impacto desastroso que a humanidade estava tendo sobre a Terra se tornou mais aparente. As questões ambientais dominaram as manchetes e estiveram por um tempo em primeiro plano na política.

Doença da Vaca Louca

A encefalopatia espongiforme bovina (EEB) é uma doença degenerativa que atinge o sistema nervoso do gado. É conhecida popularmente como Doença da Vaca Louca porque os sintomas incluem agressividade e falta de coordenação.

Uma epidemia de doença da vaca louca começou no Reino Unido nos anos 1980 e atingiu um pico entre 1992 e 1993, quando foram confirmados quase 100 mil casos. O surto aconteceu porque os animais costumavam ser alimentados com ração feita com restos de carne, miúdos e medula óssea, que muitas vezes estavam contaminados com os príons

Assim, em meados da década de 1990, questões como a importação de gado geraram oposição em todo o Reino Unido. Foram levantadas preocupações de saúde reais quando se percebeu que alguns alimentos estavam infectados com doenças como a Doença da Vaca Louca e Salmonela.

Paralelamente a isso, desde a década de 1980, a consciência popular passou a ser voltada para uma vida saudável e houve a constatação de que a alimentação era muito importante para isso. Consequentemente, o consumo de carne despencou, já que milhões de pessoas no Ocidente se voltaram para o vegetarianismo como uma alternativa segura e saudável.

Hoje, muitas sociedades vegetarianas e grupos de direitos dos animais publicam receitas vegetarianas e outras informações sobre o que consideram os benefícios ambientais e para a saúde. No século XXI o vegetarianismo tem sido promovido como uma forma de combater as mudanças climáticas e encorajar um uso mais sustentável da terra.

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