A história da cadeirinha de escalada

A cadeirinha é tida como um dos equipamentos mais básicos para quem pratica escalada e montanhismo. O equipamento possui uma história pouco difundida, tanto que, curiosamente, é dos poucos equipamentos a ter a sua criação creditada a uma mulher.

Esta espécie de cinto de segurança é largamente utilizada para escalada, espeleologia, canyoning e trabalho em altura. O nome “arnês”, utilizado em Portugal, refere-se a um termo antigo que designava uma armadura medieval, que possuía diversas tiras de couro para serem colocadas as proteções e armas dos cavaleiros.

Modelo de brigatina medieval

A palavra arnês deriva do francês “harnais”, termo com origem no antigo vocábulo nórdico “Herrnest”. Uma “harnais” nada mais é que uma brigantina, o item interno de armadura medieval para se pendurar as proteções e armas. Os coletes à prova de balas modernos e os coletes balísticos são baseados no mesmo princípio da brigantina.

No Brasil, além de cadeirinha, o equipamento é também conhecido por diversos nomes. Por exemplo, boa parte do estado do Rio de Janeiro refere-se ao equipamento usando a palavra francesa baudrier. Mesmo assim, o equipamento foi difundido em praticamente todo o território brasileiro por cadeirinha.

O equipamento possui nomes distintos nos mais variados idiomas como:

  • Baudrier (francês)
  • Harness (inglês)
  • Arnés (espanhol)
  • Imbragature (italiano)
  • Anseilgurte (alemão)
  • Klimgordel (holandês)
  • Talabard (Catalão)

O início da cadeirinha

Jeanne Immink

A invenção da cadeirinha de escalada é atribuída à montanhista holandesa Jeanne Immink, no final do século XIX. A holandesa escalou extensivamente nas Dolomitas, com várias primeiras ascensões e é creditada por historiadores como pioneira no campo de escalada feminina.

No final do século XIX, o montanhismo e alpinismo eram exclusivamente atividades masculinas. Foi justamente Jeanne que abriu o caminho para mais e mais mulheres praticarem o esporte.

Embora sua carreira de montanhista tenha durado apenas cinco anos, Immink fez mais de 70 escaladas e ganhou reputação por escolher os picos e rotas mais difíceis da época, conquistando o respeito de seus colegas do sexo masculino.

Jeanne estava bem ciente de seu papel como guia de montanha e escreveu após uma escalada: “Desafio os alpinistas do sexo masculino a seguirem meus passos”. Ela foi a primeira montanhista mulher a usar calças em vez de uma saia.

Os italianos a chamavam de “La Donna Instancabile”, a Mulher Incansável. Dois picos têm o nome de Immink: o Cima Immink e o Campanile Giovanna, que ficam um ao lado do outro nas Dolomitas.

Numa época em que os clubes alpinos olhavam com ceticismo para as mulheres alpinistas ou até as excluíam da associação, Jeanne Immink era membro de dois clubes. Ela pertencia ao Clube Alpino Austríaco, bem como ao Clube Alpino Italiano.

Jeanne Immink faleceu em 1923, em Milão.

O Swami Belt

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Apesar de não ter muita relação a invenção de Jeanne Immink, o Swami Belt foi desenvolvido (ou talvez apenas descoberto) também por volta do final doo século XIX. A técnica foi desenvolvida seguindo mais ou menos a mesma lógica da cadeirinha de Jeanne.

O cinturão consistia da corda enrolada em torno da cintura e atadas com um nó. O modelo mais clássico eram três ou quatro voltas na cintura e terminadas com um nó Lais de Guia.

O sistema, originalmente, era colocado somente na cintura ou barriga, mas não nas pernas. Esta variabilidade do nó era o responsável por absorver o impacto de uma queda. Obviamente, a cada queda, havia um considerável desconforto do escalador.

A corda de escalada, que até a década de 1960 eram todas estáticas, era amarrada e quando o escalador sofria uma queda, o sistema Swami Belt, por não ser preso também às pernas, tendia a subir e apertar as costelas. Este apertão causava hematomas visíveis e, às vezes, fraturava alguma costela.

Além das fraturas, o sistema fazia com que o escalador chocasse à parede de frente, em uma posição quase ereta, chegando de frente e em pé contra a parede. Assim, era muito difícil um escalador proteger-se com as pernas (como é feito no dia de hoje).

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Mais tarde o sistema evoluiu, com a introdução dos laços de perna, que passaram a distribuir a carga não só à cintura do escalador, mas para as pernas. O sistema foi evoluído graças à invenção de outro equipamento de escalada: o mosquetão.

A ideia de distribuir o impacto para as pernas, é considerado o princípio da cadeirinha moderna.

Bill Forrest – o inventor da cadeirinha

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Quando se procura saber sobre cadeirinhas de escalada, inevitavelmente esbarra-se no escalador norte-americano Bill Forrest. Forrest era mais conhecido em seu país por suas escaladas de Big Wall. Quando começou a escalar em 1959, era jovem e ousado. Consequentemente, Bill caía muito.

No exército, Forrest aprendeu a usar o Swami Belt com um companheiro. Durante esses primeiros anos, ele costumava andar com algumas contusões ou arranhões relacionados a cordas no peito ou na cintura. Essa dor era a única parte da escalada que não gostava.

O escalador planejava fazer a primeira ascensão da face leste do pico Baboquivari, no estado norte-americano do Arizona. Provavelmente a via mais desafiadora dos EUA na época. Entre 1964 e 1966, Bill Forrest e Gary Garbert fizeram quatro tentativas infrutíferas.

Usar o Swami Belt e estribos era um esforço exaustivo e desconfortável. Bill entendeu que para obter sucesso na escalada, era necessário ter um método mais confortável de suportar o peso corporal.

Foi então que o escalador procurou uma empresa de segurança industrial em Denver. Na empresa, mostrou seu design inicial do que mais tarde viria a ser uma cadeirinha de escalada. Esse protótipo, que ele chamou de Butt Bucket.

Consistia em um cinto industrial de 8 cm de largura, fechado na frente com uma fivela de metal, com uma correia de 5 cm de largura costurada em torno dele e um assento de nylon de segurança costurado na parte traseira.

Por volta de 1967, depois de vários protótipos, a primeira cadeirinha de escalada estava pronta para ser testada. Ao transferir a carga para as coxas, o cinto de duas peças tornava a queda muito menos dolorosa e muito mais segura também.

Na primavera de 1968, Forrest e George Hurley usaram a nova cadeirinha (junto com a Daisy Chain, outra invenção de Forrest) quando completaram a primeira ascensão da face leste de Baboquivari. O conforto o convenceu de que todo escalador dos EUA iria querer uma.

Embora os materiais sejam mais refinados, as cadeirinhas de escalada modernas ainda empregam o mesmo princípio básico: tirar a carga da cintura e distribuir às coxas.

Forrest deixou o cargo de professor na escola Huron Junior, em Boulder, no Colorado, em 1968 para abrir uma pequena empresa: Forrest Mountaineering. Para ganhar dinheiro de outras maneiras, Forrest alugou também quartos para outros escaladores, que se tornaram cobaias dispostas para os seus novos equipamentos.

Depois de muitos testes de campo, no final da primavera de 1968, foi a uma tradicional loja de equipamentos outdoor da cidade de Boulder com uma sacola cheia de 12 cadeirinhas de escalada. O proprietário as comprou todas imediatamente.

Forrest desenvolveu uma ampla gama de equipamentos de escalada e produtos leves, incluindo presilhas para cadeirinhas, ferramentas de gelo com palhetas intercambiáveis, cooper head, daisy chain e bolsas de transporte duráveis.

Troll outdoors

Na mesma época em que Bill Forrest procurava desenvolver o que conhecemos hoje como cadeirinha de escalada, alguns dos primeiros equipamentos de escalada também foram criados no Reino Unido no início dos anos 1960.

Os principais expoentes deste movimento eram Alan Waterhouse, Paul Seddon e Tony Howard, que formaram os fabricantes de equipamentos de escalada Troll.

Uma cadeirinha projetada pelo escalador britânico Don Whillans foi fabricada pela Troll para a expedição à face sul do Annapurna (8.091 m) em 1970. O produto foi fabricado em massa logo depois e se tornou popular em todo o mundo.

A cadeirinha da Troll, pela sua qualidade, conforto e preocupação com ergonomia pode ser considerada a cadeirinha de escalada moderna como conhecemos hoje. O loop da cadeirinha também foi inventado pela Troll, batizada de Mark V.

A partir de então, várias empresas começaram a também desenvolver suas cadeirinhas de escalada. Com desenhistas industriais mais experientes, os modelos foram sendo aperfeiçoados, mas todos são modelos melhorados da Mark V.

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