A história completa do fleece: De item fundamental a problema ecológico

Quem pratica esportes de montanha já deve ter se deparado com o equipamento conhecido como fleece. O tecido composto totalmente de poliéster foi considerado uma verdadeira revolução no vestuário em ambientes frios. De repente todas as marcas passaram a fabricar e a distribuir o produto.

Feito de fibras de poliéster, o fleece é amplamente utilizado no sistema de camadas, geralmente como peça intermediária. Conforme explicado no artigo ‘A história do sistema de camadas para trekking’, o sistema de camadas amplamente utilizado nos dias atuais foi idealizado no exército norte-americano em meados do século XX.

Há diversas gramaturas, que se refere à espessura do tecido. Os modelos (ou seja o corte ou o design do produto) variam de acordo com cada marca e cada coleção disponibilizada. No premiado artigo ‘Como escolher um fleece, estão todos os detalhes que se referem à escolha de um fleece.

Este artigo não tem ambição de ser a ensinar a escolher, ou mesmo explicar o que é um fleece. É para contar a história deste produto que, erroneamente, é traduzido como “polar”. O equívoco se deve aos primeiros modelos vendidos. Com o tempo o nome fleece passou a ser usado comercialmente e foi totalmente absorvido pelo público.

Era uma vez a Malden Mills

história do fleece

Henry Feuerstein

Henry Feuerstein emigrou da Hungria para os EUA na década de 1890 e encontrou trabalho costurando blusas na cidade de Nova York. Depois de perder o emprego duas vezes, Feuerstein passou a vender alimentos secos.

Quando seus investimentos imobiliários deram errado, Henry respondeu a um anúncio de classificados de jornal e gastou o restante de seu dinheiro (economizados em administração de lojas de atacados), US$ 50.000, em uma pequena fábrica em Malden, Massachusetts, em 1906.

Malden Knitting produzia casacos de lã e roupas de banho. Sob a liderança de Feuerstein, a empresa cresceu e criou a Malden Spinning and Dyeing em 1923 para atender à demanda, grande parte da qual para o Exército dos EUA durante a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais.

No final da Segunda Guerra Mundial, a Malden Knitting fazia experiências com vários tecidos e aplicações para ampliar sua capacidade de produção. O objetivo era conseguir antecipar as necessidades em constante mudança das famílias norte-americanas no pós-guerra.

A expansão econômica após a Segunda Guerra Mundial, também conhecida como o boom econômico pós-guerra, foi um período de prosperidade econômica em meados do século XX. Ele ocorreu principalmente em países ocidentais, como os EUA, após o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945.

história do fleece

Por esta altura, o filho de Henry Samuel Feuerstein havia assumido o comando da Malden Knitting e seu neto adolescente, Aaron, também trabalhava no negócio da família. Após se formar na Yeshiva University em 1947, Aaron foi nomeado supervisor de fábrica e iniciou uma longa e distinta carreira na Malden Mills.

Em 1956 Malden Mills conseguiu o que a indústria chama “ verticais” de produção contínua com tingimento, impressão e acabamento todos concluídos dentro de uma instalação. Com Samuel Feuerstein se aproximando da aposentadoria, o papel de Aaron Feuerstein era cada vez mais importante na Malden Mills.

Sob sua tutela, a empresa tornou-se mais automatizada e, ao contrário de outros fabricantes têxteis, permaneceu em Massachusetts em vez de se mudar para a costa sul ou oeste, onde a terra e a mão de obra eram mais baratas.

história do fleece

Quando a década de 1960 chegou ao fim, Aaron Feuerstein assumiu o controle total da Malden Mills e apostou alto em produtos de peles sintéticas, investindo US$ 20 milhões em equipamentos especializados e abrindo fábricas em Hudson, New Hampshire e Vermont.

Os anos 1960 e 1970 foram a idade de ouro entre os produtos sintéticos. Tudo o que era sintético significava que era um material do futuro. O sucesso de materiais como nylon, neoprene e fibra de vidro e o então recente descoberto Gore-Tex fizeram com que todo um novo mundo pudesse ser desenvolvido.

Apesar de contar uma fatia de 25% do mercado dos EUA, a demanda por peles sintéticas nunca cresceu plenamente e começou a diminuir nos anos 1970. Para evitar a queda nas vendas, Malden começou a produzir estofados de veludo para móveis domésticos.

A história do fleece

história do fleece

Na década de 1970 a Malden Mills desenvolveu uma lã feita de poliéster, que foi a base sobre a qual todo o fleece moderno foi criado. A empresa era conhecida no mercado por produzir peles sintéticas e roupas de lã, e queria replicar a natureza isolante desses tecidos sem os problemas que vêm com a lã natural (como ficar pesado quando molha e precisar de ovelhas para produzir matéria prima).

As vendas começaram a cair e mesmo com novidades em termos de tecidos sintéticos e o negócio parecia afundar. A salvação veio na forma de Polarfleece, o qual revolucionou a indústria de tecidos. Estreando em 1979, Polarfleece era 100% poliéster, capaz de expelir a umidade do corpo enquanto fornece calor, e tornou-se o tecido mais indicado para roupas esportivas e aeróbicas de alto desempenho.

Yvon Chouinard e a então costureira Val Franco | Foto: Gary Regester – https://www.patagonia.com/

Paralelo a isso estava o norte-americano Yvon Chouinard, que possuía um suéter de lã favorito que sempre ficava pesado quando molhado, além de ser difícil de limpar. Chouinard começou a procurar um tecido ‘milagroso’, que poderia ser uma solução sintética que forneceria o mesmo aquecimento e resistência das fibras de lã, mas mais leve e com propriedades de secagem mais rápidas.

Yvon descobriu um tecido com fios de acrílico em uma loja do Canadá que parecia ruim e cheirava mal, mas tinha fobia de água e, portanto, era promissor. Inspirada por essa descoberta, Malinda Chouinard foi a Los Angeles em busca de um rolo de tecido que fosse semelhante.

O que Malinda trouxe era um tecido feito de poliéster e destinado a capas de assento de vaso sanitário. A princípio o tecido ficou encostado em um canto da empresa, até que Yvon o redescobriu e o levou para a sala de costura. O resultado foi um protótipo que agradou muito nos testes e Yvon Chouinard foi atrás da fabricante Malden Mills.

Assim a Patagonia figurou entre os primeiros grandes clientes da Malden Mills. Impressionada com a malha de corte único, a Patagonia usou Polarfleece para uma variedade de roupas. Aaron Feuerstein decidiu não patentear o fleece, permitindo que o produto fosse acessível às massas e barato para comprar. Logo a marca mudou o nome para PolarTec continua a fazer seus fleeces até hoje.

O Polarfleece não foi apenas um grande sucesso para a marca Patagonia, que se expandiu em várias linhas de roupas relacionadas, mas colocou Malden Mills no mapa para um uma variedade de outros fabricantes de roupas outdoor. Em 1982, a Polarfleece aumentou as vendas para US$ 5 milhões o que ajudou a tirar a empresa da falência em 1983.

A Patagonia refinou seu fleece durante a década de 1980, adicionando cores vivas e, eventualmente, padrões na sua linha para ajudá-los a se destacar da concorrência, mudando a textura do lã proeminente para uma textura que foi batizada de Synchilla em 1985. Atualmente a Polartec oferece mais de 400 tecidos diferentes de fleece.

Em novembro de 2001, a Malden Mills declarou falência depois que a recessão no início do novo ano deixou a empresa sem condições de pagar os credores. Mais tarde, em fevereiro de 2007, os ativos da Malden Mills foram comprados por uma empresa recém-formada chamada Polartec, LLC, que é propriedade da Chrysalis Capital Partners.

Problema ecológico

No mundo, há um problema oculto que vem sendo discutido frequentemente que é a quantidade de plásticos e derivados nos oceanos. Os microplásticos podem ser formados de maneira não intencional, quando objetos plásticos começam a se desgastar e derramar partículas, ou quando não reutilizamos, reciclamos ou descartamos materiais plásticos corretamente.

Só para se ter uma ideia, 90% do sal de cozinha do mundo têm partículas de microplásticos, segundo estudo do Greenpeace realizado com 39 marcas de sal de 21 países. Como já foi informado pela Revista Blog de Escalada em outros artigos sobre o tema dos plásticos, se nada for feito até 2050, os oceanos terão mais plástico do que peixes.

Atualmente é fácil encontrar fleece feito de fibras recicladas. O fleece mesmo de material reciclado é ruim para o meio ambiente porque inevitavelmente se espalha. Cada vez que se lava um fleece, milhões de partículas microscópicas de plástico saem pela mangueira da lavadora.

De acordo com um estudo conduzido pela Patagonia e pela Universidade da Califórnia em Santa Barbara em 2016, o fleece médio perde cerca de 1,7 gramas de microplástico por ciclo de lavagem (o fleece reciclado perde um pouco menos por ciclo). Já um mais antigo perde mais do que os novos novos. O estudo já foi publicado há anos e muito pouco aconteceu para mitigar o problema.

Em 2019 a Polartec lançou o Power Air, um fleece que libera 5 vezes menos microplástico do que um fleece padrão. Mas não existe fleece que não solte pedacinhos de plástico na lavagem.

Mas o que é possível fazer com todos aqueles fleeces que já possui? Não joguem eles fora!

Use-os até que fiquem finíssimos. Mas não os lavem em uma máquina e quando chegar a hora de comprar algo novo, pense em escolher uma que não seja ruim para o ambiente que você está usando.

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