A escalada virou moda: Os locais para a prática estão preparados?

Desde o início de 2018, quando mais um ginásio de escalada inaugurou na cidade de Belo Horizonte, há um crescimento acentuado na criação de ginásios, muros e academias de escalada em todo o Brasil. A discussão sobre a qualidade e capacidade destes mesmos locais fica em segundo plano quando se constata o óbvio: a escalada virou moda.

Mais e mais pessoas estão tendo o contato com o esporte nas academias e, consequentemente, acabam indo conhecer a escalada em rocha. Não há uma estatística precisa sobe o volume de pessoas que estão frequentando estes lugares de escalada, nem mesmo os ginásios, mas entrevistando os proprietários de vários lugares de escalada que ficam em propriedades privadas, chega-se à conclusão de que o aumento foi, até certo ponto, assustador.

Algumas marcas e empresasque exploram o setor esfregam as mãos para alavancar os negócios com este crescimento. Mas os locais de escalada, como conhecemos hoje, estão preparados para receber este volume duas ou três vezes maior que o normal?

Antes de responder, devemos ponderar que muitas áreas de escalada no Brasil, em torno de 85%, ficam em áreas particulares. Além disso, devemos ponderar também que há poucas associações de escaladores que ficam responsáveis por manutenção das trilhas e base das vias e pelo controle de entrada de escaladores no Brasil.

Nos locais de escalada que ficam em propriedades particulares, mas sem controle e manutenção de associações, são exatamente os locais que podem sofrem impacto, degradação e, infelizmente, conflitos de interesses entre os proprietários e escaladores. Importante observar que em um local que recebia, em média, de 20 a 30 escaladores, passar a receber 100 a 150, haverá um impacto no local considerável. Não somente no local, mas também nas cercanias.

O ideal seria haver controle?

A frase em latim do poeta romano Juvenal, Quis custodiet ipsos custodes (Quem irá vigiar os próprios vigilantes) é geralmente utilizada para considerar a incorporação da questão filosófica a respeito da responsabilização. Este é o principal problema da escalada brasileira: responsabilização. Pois neste momento é necessário fazer a mesma pergunta: quem vigiará os escaladores?

Muito se discute que vários destes locais de escalada serão controlados com cobrança de taxa de escalada “justa”. O dinheiro arrecadado ficaria para o proprietário. Em um mundo ideal, o proprietário ficaria responsável para também fazer a manutenção de trilhas e base das vias. Como dito, este é o cenário ideal. Mas na realidade não acontece assim.

Com raríssimas exceções, os locais de escalada não possuem manutenção das trilhas realizadas pelos proprietários. Grande parte das vezes é um grupo de escaladores voluntários que faz este trabalho. O problema fica mais grave ao notarmos que são poucos os lugares que isso acontece. O exemplo mais cristalino existente no Brasil é a Lapa do Seu Antão, em Minas Gerais, que há controle de acesso, manutenção de trilhas, base das vias, limpeza de lixo e até mesmo de vias. Mas o local é uma exceção.

Locais de visitação maciça, como a Pedra da Divisa, e Visual das Águas, em São Paulo, não possuem controle e a cada ano as denúncias de falta de educação de escaladores e da degradação de trilhas e base das vias é uma constante. Dependendo do local visitado, é perceptível que um problema irá acontecer em médio prazo, com o crescimento do esporte e aumento do interesse de todos a respeito da atividade. A situação da escalada brasileira é, sem nenhum exagero, uma bomba relógio. Muito disso pela omissão da comunidade ao discutir representatividade e, por outro lado, os que deveriam ser representantes que apenas querem os cargos para apenas ostentar prestígio.

Nos locais de escalada dentro de propriedades do estado federal, estadual e municipal, já enfrenta uma outra realidade. Há controle de acesso e as devidas manutenções. Mas, estes lugares fazem parte de uma pequena porcentagem e que, meio que indiretamente, pode ser afetada caso aconteçam problemas de convivência em locais particulares. Lembrando que escaladores mesmo em propriedades do poder público não possuem representatividade quanto aos políticos e sequer são reconhecidas como um órgão a ser consultado.

O que queremos do esporte?

A esta altura, com a iminência do esporte ganhar as telas de todas as televisões do mundo nas Olimpíadas de 2020 em Tóquio, é fundamental que todos os escaladores se perguntarem o que quer do esporte. Pois o espírito rebelde e atitude desrespeitosa com as regras e pessoas por onde passa, não cabe mais dentro do nosso esporte. A omissão de todos os lados é visível e alvo de discussões intermináveis, mas que não adiantam muito.

A questão da educação social nem é levada em consideração para tratar o tema do crescimento da escalada. O que deveria agora ser a preocupação número um de todo e qualquer escalador, é conseguir praticar sempre o esporte. Para isso é necessário que os locais de escalada, assim como os escaladores e suas representações perante a comunidade local, estejam preparados para a avalanche de pessoas que irá receber.

Para isso, é importante uma reflexão a respeito dos desejos pessoais a longo prazo no esporte e se vale a pena continuar a ser este bando de indivíduos dividindo o mesmo espaço que é a comunidade de escaladores brasileira atualmente. Não há como esconder que atualmente somos um bando de pessoas com ego exacerbado, com a vaidade no mais alto grau do ser humano e uma soberba acima de qualquer outro ser humano. Esta desunião causada pela atitude pusilânime de todos é o calcanhar de Aquiles do esporte e, infelizmente, ninguém parece perceber ou fazer algo para evitar algum eventual problema.

Portanto, respondendo a pergunta do título deste artigo: não, os locais de escalada não estão preparados para receberem a avalanche de novos praticantes. O que devemos fazer? Tudo depende da resposta à pergunta “o que você quer do esporte?”.

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