A agarra perfeita: A história pouco conhecida das agarras de escalada indoor

Neste ano de 2021 a escalada esportiva terá a sua estreia nos Jogos Olímpicos de Tóquio e será a maior visibilidade para o esporte em toda a história. Nos bastidores estão uma enorme equipe de profissionais que podem ver seu ofício ser valorizado em escala exponencial.

Analistas de movimentos (especialmente e principalmente de países que classificaram atletas), route setters (exclusivamente os certificados no IFSC) e os shapers. Este último grupo, os shapers, não farão parte de nenhuma comissão técnica ou seleção (que possuem boa dose de politicagem para ostentar o cargo), mas terão reconhecimento de todos os ginásios de escalada de todo o mundo.

Em países que estão ainda em desenvolvimento, os shapers de agarras de escalada ainda se desenvolvem de maneira empírica e com baixíssimo, ou nulo, embasamento em técnicas de design e ergonomia. Basta observar que os modelos mais baratos ainda causam lesões em atletas e aspirantes a atletas. Há muito tempo que a filosofia de fazer o escalador sofrer de dor não faz mais parte da arte de fabricar agarras.

O termo shaper (que em inglês significa modelador) foi dominado por muito por profissionais que construíam e modelavam as pranchas de surf sob encomenda. Com o tempo, o skate passou a possuir alguns shapers de renome. Pois na escalada este termo vem se consolidando a profissionais que unem design, ergonomia.

A historia das agarras de escalada

Conforme descrito no artigo A história dos ginásios de escalada: como nasceu a modalidade indoor, a história da criação das agarras de escalada se confundem com o das academias. Tida como uma das maiores invenções das paredes de escalada, as agarras de resina, somente foram desenvolvidas em 1983 pela empresa francesa Entre-Prises.

Pouco tempo depois a empresa norte-americana Metolius também começou a produzir agarras de escalada de maneira mais industrial. As agarras eram feitas de argila e, depois de endurecer, pintadas. A maioria dessas agarras era dolorosa para os escaladores, mas na época existiam poucas opções.

Parte dos desenvolvedores de agarras de escalada atualmente no Brasil ainda possui a mesma ideia de 1983 de que agarras devem ser dolorosas. Parte desse tipo de cultura ilustra bem como sob certos aspectos toda a cultura de escalada indoor no Brasil ainda está aquém do que existe nos EUA, Japão e Europa.

Com o tempo, a maioria das empresas começou a modelar com espuma e a fazer moldes que seriam fundidos com resina de poliéster. A resina de poliéster é relativamente barata, fácil de fundir e oferece uma textura agradável que os escaladores adoram. Mas tem desvantagens significativas.

Embora as empresas tenham aprimorado suas fórmulas de resina de poliéster com o tempo, as agarras eram um tanto frágeis e sujeitas soltar lascas e quebrar. O material também é bastante pesado e os vapores de resina de poliéster são altamente tóxicos, representando um perigo para os fabricantes de agarras.

Algumas empresas, no início dos anos 1980, tentaram vários tipos de metodologias de fabricação de agarras. Porém nenhuma conseguia bons formatos. Algumas agarras de escalada eram inspiradas em rochas de verdade, mas estes formatos acabavam lesionando muitos os escaladores.

Com o tempo, as principais empresas utilizaram o sistema que é usado até hoje: molde da agarra feita em espuma, para posteriormente ser reproduzida em uma resina de poliéster. O molde de agarra é feito exatamente pelo shaper.

A revolução do poliuretano

Quase uma década depois, a indústria foi introduzida ao poliuretano. Não há registros de quem, ou quando, foi que a indústria da escalada indoor passou a usar agarras de poliuretano. O que se sabe, até o momento, é que nos EUA, Groperz usou poliuretano pela primeira vez em 1991.

Já em 1998, empresas de agarras de escalada norte-americanas começaram a experimentar de forma independente diferentes misturas de poliuretano para produzir uma agarra quase inquebrável.

Desde a década de 1990, quase todos os fabricantes de suportes de escalada mudaram para poliuretano, que é extremamente durável, tem uma relação resistência / peso superior e flexibilidade suficiente para permitir que seja aparafusado em todos os tipos de paredes, especialmente paredes curvas e altamente caracterizadas, sem quebrar.

A grande mudança na evolução da fabricação de agarras de escalada não foi somente o tipo do material utilizado, mas a metodologia de construção. A empresa Straight Up Holds criou um sistema de construção implementado por um estudante da Rhode Island School of Design.

O estudante, acostumado com as maquetes e protótipos feitos no laboratório da faculdade, introduziu o uso de modelagem em espuma expandida de alta densidade. Assim foi criado o método que existe até os dias de hoje.

A preocupação com a ergonomia

Nas áreas de administração, a preocupação a ergonomia é gigantesca, sendo uma das disciplinas mais valorizadas quando se objetiva aumentar a produtividade. Na escalada, tão importante quanto treinar força e técnica, é também fazer com que o escalador não lesione.

Uma agarra de escalada feita sem a preocupação de não lesionar o praticante de escalada, colabora para a estagnação do esporte. Este tipo de negligência com a ergonomia de agarras de escalada que fizeram com que algumas academias antigas ficassem sem revelar novos talentos.

Jackie Hueftle, uma das shapers mas respeitadas em todo o mundo e com mais de 50 anos de experiência em modelagem possui uma frase célebre que afirma que “se alguém se machucar no quarto dia na academia, provavelmente parará de escalar para sempre. Nós criadores e projetistas temos uma grande responsabilidade.”

Por isso, os designers de agarras começaram a se preocupar também com a ergonomia e dessa maneira o número de lesões de escaladores em ginásios de escalada diminuiu, além de proporcionar maior desenvolvimento atlético dos escaladores. Atualmente a principal preocupação dos shapers (designers que desenvolvem agarras de escalada), é proporcionar o mínimo de dor e máximo de conforto, possibilitando a todos uma escalada mais divertida.

O padrão parafuso 3/8″

Uma academia que deseja fazer um pedido de novas agarras de escalada tem no mercado milhares de opções. Mas uma coisa em comum com todas as agarras de escalada é que elas podem ser compradas e fixadas na parede do mesmo jeito.

Quando a escalada indoor começou não havia essa padronização. As primeiras paredes apresentavam painéis moldados com suportes integrados e, posteriormente, muitas tinham painéis redondos inseridos com um recurso de retenção que podia ser trocado para criar vias novas.

Hoje, todas as agarras vendidas vêm com um orifício de parafuso pré-formado e uma arruela que se encaixa em um parafuso de ⅜ ” (9,53 mm) de diâmetro. Este padrão agarra de escalada aparafusado permite a personalização infinita de paredes, para o deleite dos route setters e escaladores de todo o mundo.

Como os melhores shapers trabalham

Mas como os melhores shapers do mercado trabalham? Embora possa decepcionar aqueles que acreditam que tudo na escalada deve feito de maneira tosca e/ou rústica, o trabalho de um shaper é quase igual a de um escultor profissional. Além disso, é necessário ter um senso de qualidade apuradíssimo para manter um padrão uniforme em seu produto final.

O primeiro passo para construir uma acarra de escalada é o shaper esculpir um projeto original em espuma de alta densidade. Após finalizado o processo, silicone é então derramado sobre essa forma de espuma para criar um molde. Este molde é usado para moldar a forma de poliuretano.

Depois que o poliuretano endurece, ele é retirado do molde e as bordas são lixadas e inspecionadas quanto à qualidade, antes de serem ensacadas e enviadas aos clientes. No papel, o processo é bastante simples. A realidade da produção em massa é um pouco mais complicada.

Porém, para cada forma é necessário ter um tipo de liga de poliuretano à altura da forma. Encontrar a fórmula ideal de poliuretano para que cada modelo de agarra fique perfeita é um grande segredo.