Travessia Quiriri -SC: Do Monte Crista até a Pedra da Tartaruga – Relato de Viagem

Tenho para mim que é em uma travessia que um “caminhante usual” se torna um montanhista, pelo menos assim foi comigo há anos atrás, quando recebi o convite do Renato Torres Pereira (escalador hoje radicado na Chapada Diamantina) para acompanhá-lo numa empreitada pelos campos do Quiriri – região norte do estado de Santa Catarina – fazendo a travessia do Monte Crista até o Pico Garuva.

Até aquele momento eu já tinha subido, e acampado, em algumas montanhas e vencer o desafio carregando a mochila pesada era motivo de orgulho. Mas, superar uma travessia exige mais do que boa vontade, é preciso um bom planejamento, o que te leva a adquirir conhecimentos técnicos sobre equipamentos, cortando qualquer grama de peso desnecessário da mochila, e sobre a geografia local, elaborando uma logística que aumente suas chances de sucesso.

Já há algum tempo eu planejava uma nova investida no Quiriri, fosse para repetir a Crista à Garuva, ou ir um pouco mais adiante, mas por diversas vezes e motivos os planos foram adiados. Eis que o assunto voltou a tona neste feriado de Corpus Christi e quase foi abortado outra vez.

Dois dias antes comecei com uma amigdalite com a qual teria que conviver durante todo o percurso, mas, com uma janela de tempo perfeita ao nosso favor, não havia como desistir, logo, juntamos parte da equipe da Terra Média Trekking para se aventurar pela região.

Assim, eu, Henrique Krueger, junto com a Michelle de Andrade (que sempre auxilia nas expedições) e o Rodrigo Mendes dos Santos (depto. de marketing, o criador da nossa logo), saímos na manhã de sexta-feira (05/06/15) bem cedo em direção ao Monte Crista com diversas ideias e planos alternativos, o resultado iria depender do nosso rendimento.

Monte Crista | Foto: Henrique Krueger

Trecho da Travessia | Foto: Henrique Krueger

Dia 01: Do Monte Crista até um pouco além do Rio Três Barras

Chegamos na base do Monte Crista às 08:15 – ali se paga uma taxa de R$ 15,00 para deixar o carro estacionado e R$ 3,00 por pessoa para manutenção da ponte pênsil, ponte esta que quinze minutos depois já cruzávamos com a mochila nas costas, embrenhando na mata atlântica em direção ao alto dos campos do Quiriri.

Monte Crista | Foto: Henrique Krueger

Monte Crista | Foto: Henrique Krueger

A caminhada inicia pela trilha do Monte Crista, onde pontos de captação de água não faltam.

Parafraseando o Rodrigo, “na trilha do Monte Crista é mais fácil morrer afogado do que de sede”.

Parte do caminho percorre remanescentes do “Caminho dos Ambrósios”, as famosas calçadas de pedra que alimentam muitas lendas na região. Às 10:00 alcançamos uma área ampla para acampamentos onde há acesso para duas belas cachoeiras.

Seguimos em frente e em cerca de quatro horas após o início – contando a parada para almoço, atingimos um pequeno platô onde o caminho bifurca, podendo seguir ao cume da montanha ou em direção a piscina natural do rio Três Barras e o restante da travessia.

Como já estivemos algumas vezes no cume do Crista, decidimos seguir adiante para ganhar tempo.

 Calçada de Pedra - o Caminho dos Ambrósios | Foto: Henrique Krueger

Calçada de Pedra – o Caminho dos Ambrósios | Foto: Henrique Krueger

Agora a trilha intercalava em vegetação campestre e pequenos trechos de mata um pouco mais alta.

Embora o dia estivesse fantástico, com céu azul e temperatura agradavel, o sol desgastava um pouco e nosso ritmo deu uma leve diminuída.

Aproximadamente em uma hora chegamos na bifurcação que da acesso ao rio Três Barras, que, de acordo com o planejado, era o mínimo que deveríamos atingir naquele dia.

Caminhamos ainda por mais um tempinho e, às 15:00, decidimos armar o acampamento.

Serra Dona Francisca vista do Monte Crista| Foto: Henrique Krueger

Serra Dona Francisca vista do Monte Crista| Foto: Henrique Krueger

Pelas tracklogs que tínhamos, não havia nenhum ponto de água por ali. Tínhamos água o suficiente para beber, mas não para cozinhar, assim, dando uma explorada numa baixada encontramos um pequeno veio que serviu para nos abastecer e preparar um macarrão oriental com molho de manjericão e bacon frito!

O pôr do sol não foi dos mais belos.

Estávamos numa depressão em meio a montanhas e algumas nuvens fecharam parte da visão. Ao anoitecer, o piscar das lanternas nos acampamentos indicava que não havia ninguém na trilha mais avançado do que o local onde estávamos, ou seja, muito provavelmente ninguém mais faria a travessia.

 Pôr do Sol no primeiro dia de Travessia | Foto: Henrique Krueger

Pôr do Sol no primeiro dia de Travessia | Foto: Henrique Krueger

O local onde paramos não tinha sinais de acampamentos antigos, sendo assim, armamos as barracas em um capim que ia até as canelas.

Com o pouco de vento que fez durante a noite, o capim batia nas lonas de forma sequencial e em diferentes lugares, fazendo um barulho que parecia muito com alguém caminhando ao nosso redor. Pensei em aliens, já meus companheiros de equipe falaram em fantasmas.

Dormimos.

 Pôr do Sol no primeiro dia de Travessia | Foto: Henrique Krueger

Pôr do Sol no primeiro dia de Travessia | Foto: Henrique Krueger

Pôr do Sol no primeiro dia de Travessia | Foto: Henrique Krueger

Pôr do Sol no primeiro dia de Travessia | Foto: Henrique Krueger

Dia 02: Pelos campos até a Pedra da Tartaruga

O objetivo do segundo dia era claro: acampar próximo a pedra da tartaruga.

Preparamos o café da manhã e as 07:45 já estávamos caminhando novamente, dessa vez, somente pelos campos de altitude – uma sequência de sobe e desce suaves entre os morros.

Ainda que o sol tenha se feito presente o dia inteiro, a temperatura nestas regiões mais altas se manteve bem agradavel.

Nascer do sol no segundo dia de travessia | Foto: Henrique Krueger

Nascer do sol no segundo dia de travessia | Foto: Henrique Krueger

Levamos cerca de três horas para atingir a Pedra do Lagarto de aproximadamente 1354 m.s.n.m..

Nas proximidades da pedra há um rio, um ótimo local para acampar e, um pouco antes, uma pedra onde o bivaque é uma boa opção, especialmente se você quiser dar uma esticada no primeiro dia de travessia ou planeja descer pelo Pico Garuva.

Aproveitamos o céu azul para fazer umas fotos e assinar o livro de cume.

Para quem está planejando ir para a Pedra do Lagarto, por favor, leve tampas novas para o tubo de PVC que guarda o caderno de cume e um caderno novo para deixar lá! Abrimos o PVC onde o caderno deveria estar e existia somente um bloco de notas totalmente amassado, umedecido e com a tinta borrada.

Enrolamos estes papéis em um plástico (se colocássemos nas mochilas ia se despedaçar) e deixamos uma pequena caderneta como livro provisório…

Visual da Pedra do Lagarto | Foto: Henrique Krueger

Visual da Pedra do Lagarto | Foto: Henrique Krueger

Seguimos adiante e, após contornar uma elevação avistamos pela primeira vez a Pedra da Tartaruga, que faz totalmente jus ao nome que recebeu.

Parecia relativamente perto, mas sabíamos que ainda estava distante, pois, para chegar até lá, tomaríamos primeiro o rumo noroeste, nos aproximando da Fazenda Alto Quiriri.

Chegando numa parte deste trajeto tínhamos a opção de seguir o caminho normal ou pegar uma baixada/subida íngreme e economizar cerca de um quilômetro.

Optamos pela segunda opção, o que acabou não saindo como o esperado.

Visual da Pedra do Lagarto | Foto: Henrique Krueger

Visual da Pedra do Lagarto | Foto: Henrique Krueger

Descemos a baixada até o rio e ali almoçamos, porém, na hora de tomar o caminho morro acima a trilha não estava tão marcada quanto aparentava e, para evitar qualquer problema, decidimos por tomar a esquerda e alcançar novamente a rota normal.

Após cerca de 1h40min chegamos no topo do Morro da Antena, ponto culminante da travessia, onde ventava absurdamente forte – fui obrigado a tirar o boné para não perdê-lo.

Às 16:45 horas chegamos na Pedra da Tartaruga, onde montamos acampamento.

Aqui vale acrescentar que há pouca água disponível entre a Antena e a Tartaruga – encontramos um ponto de captação de qualidade duvidosa que tivemos que ferver para evitar problemas.

Pedra da Tartaruga | Foto Henrique Krueger

Pedra da Tartaruga | Foto Henrique Krueger

Pedra da Tartaruga | Foto: Henrique Krueger

Pedra da Tartaruga | Foto: Henrique Krueger

Portanto, fica a sugestão de seguir um pouco adiante da Tartaruga onde há um vale com um córrego para abastecimento.

Com certeza esse trajeto do segundo dia é o mais bonito da travessia, confere aí algumas paisagens alucinantes pelas quais passamos:

Paisagens do segundo dia de Travessia | Foto: Henrique Krueger

Paisagens do segundo dia de Travessia | Foto: Henrique Krueger

Paisagens do segundo dia de Travessia | Foto: Henrique Krueger

Paisagens do segundo dia de Travessia | Foto: Henrique Krueger

Paisagens do segundo dia de Travessia | Foto: Henrique Krueger

Paisagens do segundo dia de Travessia | Foto: Henrique Krueger

Paisagens do segundo dia de Travessia | Foto: Henrique Krueger

Paisagens do segundo dia de Travessia | Foto: Henrique Krueger

Se na noite anterior parecia haver alguém caminhando ao redor das barracas, neste segundo acampamento a impressão que se tinha era de que se jogavam sobre as barracas, tamanha a força do vento.

Podíamos escutá-lo se aproximar feito cavalaria, ao longe, com um barulho cortante, aí primeiro uma leve brisa balançava a tenda, depois, uma rajada forte fazia toda a estrutura da barraca se inclinar.

Por conta disso, mesmo estando esgotados, a noite de sono não foi das melhores…

Dia 03: BR-101, Coca-Cola e ChocoLeite

Cansado e sem conseguir dormir boa parte da noite, fiquei horas no saco de dormir com uma vontade louca de tomar coca-cola e chocoleite – por conta da amigdalite não comi muito e acho que o corpo precisava de energia de fácil absorção (açúcar).

O vento continuou na manhã seguinte, mas não nos impediu de preparar um baita café, com direito a salame frito e queijo gorgonzola, mas não tirou meu foco das bebidas doces e, com esse objetivo em mente, seguimos em direção a famosa trilha do queijo, por onde desceríamos.

Nascer do Sol na Pedra da Tartaruga | Foto: Henrique Krueger

Nascer do Sol na Pedra da Tartaruga | Foto: Henrique Krueger

Nascer do Sol na Pedra da Tartaruga (Autor: Henrique Krueger)

Nascer do Sol na Pedra da Tartaruga (Autor: Henrique Krueger)

Já tinha lido a respeito do trajeto e praticamente todos os relatos diziam tratar-se de um caminho fechado e mal sinalizado, mas ninguém falou que o caminho é irritante! Por vezes você se sente em um zigue-zague, sem avançar em distância ou baixar a altitude, sem falar que praticamente não há água!

Perdemos a trilha em dois momentos, mas usando do bom senso de direção conseguimos alcançá-la novamente. Todavia, a mata cobrou o seu preço!

Enroscando em taquaras e galhos acabamos perdendo uma lanterna, um óculos de sol, um boné e um bastão de caminhada!

Se alguém for percorrer a trilha nos próximos fins de semana e encontrar algum dos itens, agradecemos se puder entrar em contato para combinarmos a devolução…

Não bastasse isso, em um dado momento um galho ou folha raspou no meu olho direito, causando um ferimento que resultou em dois dias de atestado com um tampão.

É assim, fantasiado de pirata, que neste momento escrevo o presente relato.

A caminhada nesse dia (sem parar para almoçar) foi mais ou menos das 08:15 da manhã até as 14:45 da tarde, quando alcançamos a rodovia BR 101, ponto de encontro onde ligamos para a Railene, nossa resgatista/motorista de empilhadeira que veio nos buscar.

Ao chegar na base do Crista novamente a primeira coisa que fiz o pedir uma coca-cola de dois litros e, ainda antes de chegar em casa, parei em uma lanchonete para tomar mais uns 700 mL de Chocoleite para brindar a conquista.

Equipe da Terra Média Trekking no final da Travessia | Foto: Henrique Krueger

Equipe da Terra Média Trekking no final da Travessia | Foto: Henrique Krueger

E foi isso, um total de cerca de 32 km percorridos nestes três dias, com ganho de elevação total de aproximadamente 1900 metros…

Como em outras vezes, a travessia sempre traz ótimas sensações durante todos os momentos: a empolgação de começar, as paisagens de encher os olhos e alimentar a alma durante o caminho e, depois de tudo, a super valorização das coisas simples de casa – o banho, a cama e as torneiras de água.

É como já disse Amyr Klink “O homem precisa sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto”.

Quer informações mais detalhadas? Entre em contato conosco através do Blog ou do facebook da Terra Média Trekking.

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