Travessia da Serra Fina: Relato de Viagem – Parte I

Foto: Cristiano da Cruz

Foto: Cristiano da Cruz

Há algum tempo já vinha pensando em fazer a travessia da Serra Fina, ouvia inúmeras histórias e a vontade de encarar o desafio era cada vez maior até que chegou a nossa hora.

Desde 2012 estava juntando informações e estudando o percurso e em Agosto de 2013 o desafio foi superado.

A travessia foi realizada nos dias 23, 24, 25 e 26/08/2013 debaixo de céu azul, noites frias e estreladas com os amigos Paulo Adair Manjabosco de Garibaldi e Samuel Tolbach de Livramento.

Todo conteúdo aqui descrito foi baseado nas informações levantadas e estudadas antes e durante o trajeto que realizamos na Serra da Mantiqueira.

Quero agradecer antecipadamente ao amigo Tiago Korb de Santa Maria por ter nos fornecido cópia do mapa e informações muito importantes sobre a travessia.

A Serra Fina

A Serra Fina é uma parte da Serra da Mantiqueira, por sua vez uma das mais importantes cadeias de montanhas do Brasil. Situa-se em sua quase totalidade na divisa entre os estados de Minas Gerais (município de Passa Quatro), São Paulo e Rio de Janeiro.

É vizinha ao Maciço de Itatiaia, onde se situam o Parque Nacional de Itatiaia e o Pico das Agulhas Negras; os dois maciços são visíveis entre si.

A Serra Fina possui um dos maiores desníveis topográficos do território brasileiro e a quinta mais alta montanha do Brasil: a Pedra da Mina (2.798 metros).

Na extremidade leste da Serra Fina, também se destaca o Pico dos Três Estados (2.665 metros), em cujo topo está o ponto tríplice onde se unem as divisas dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.

A Serra Fina é considerada por muitos montanhistas a travessia mais difícil do Brasil, inclusive, servindo de treino para quem pretende escalar montanhas maiores que ficam fora do Brasil como o Everest (Himalaia, Tibet/Nepal) e o Aconcágua (Cordilheira dos Andes, Argentina).

A “Serra Fina” tem esse nome devido ao formato da Travessia que em grande parte do trajeto ocorre pelas “cristas” das montanhas que em alguns pontos chegam a apenas 1 metro de largura.

A Travessia é considerada a mais difícil do Brasil, não somente pelo relevo, pelas trilhas fechadas, pelo trechos de capim alto e fechado e pelos desníveis que passam de 1.000 metros por dia, mas pela escassez de água durante a travessia que na sua forma mais tradicional dura cerca de 3,5 dias.

Por isso, se faz necessário carregar bastante água em grande parte do trajeto o que torna a bagagem ainda mais pesada.

É de fundamental importância planejar a alimentação em relação ao uso de água para o seu preparo. Nós planejamos nossa alimentação seguindo o padrão de 3 refeições diárias da seguinte forma: café da manhã (Café e Leite em Pó ou Todinho, Pães e Aveia), para o almoço optamos por lanches rápidos (Pães, Sardinha, Atum, Azeitonas, Sucos em Caixinha), para o jantar (arroz com linguiça, massa miojo, lentilha e feijão pré-cozidos).

Assim, como haviam pontos de água antes do Capim Amarelo e da Pedra a Mina optamos pela massa no primeiro dia e pelo arroz com linguiça no segundo, a lentilha e o feijão deixamos para o terceiro dia por serem refeições que não necessitavam de água para sua preparação, além disso, a água obtida após a descida da Pedra da Mina tinha que durar até o final da travessia.

Levamos também lanches leves como barras de cereal, frutas secas, rapaduras e torrones.

 A travessia exige excelente preparo físico, equipamentos apropriados e boas noções de orientação terrestre, pois existem vários pontos do trajeto onde há bifurcações e trilhas onde perde-se facilmente a noção da direção correta que deve ser seguida.

O trajeto é bastante variado, alternando entre trechos com trilhas, mata, pedras, capim alto, muitas taquareiras, trechos de pura rocha, muito sol e com visuais espetaculares.

A principal característica é sem dúvida o desnível do terreno que em 90% do percurso é subindo ou descendo, essa peculiaridade, aliada ao peso da mochila cargueira torna o caminho bastante desgastante e complicado.

O tempo foi nosso amigo mais uma vez, nos 4 dias de travessia não caiu uma gota de chuva sequer, os dias eram abertos e quentes com visual perfeito em todas direções e as noites eram bastante frias, em alguns trechos mais difíceis da travessia o tempo estava nublado, o que também contribuiu para evitar o desgaste devido ao calor do sol.

A noite que passamos acampados na Pedra da Mina, registramos temperatura abaixo de Zero e geada do lado de fora das barracas. Mas Bah Tchê! Que Frio!

Literalmente, os “pontos altos” da travessia são a chegada no Capim Amarelo após subir quase 1.200 metros onde temos um visual 360 graus das montanhas e de onde já é possível visualizar grande parte do trajeto do dia seguinte, inclusive a Pedra da Mina que é o ponto de maior altitude do percurso e o Pico dos Três Estados.

Em todos estes 3 pontos citados acima, é possível visualizar o trajeto realizado no dia anterior e o próximo que deve ser seguido.

Levei 4 baterias reservas para a câmera fotográfica, pois além do desafio de realizar a travessia, considero muito importante registrar os melhores momentos e os locais por onde passamos, sem contar o fato de gostar muito de fotografar a natureza e contemplar as belíssimas paisagens da Serra da Mantiqueira.

Trajeto

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Fizemos o percurso tradicional que é realizado em 3,5 dias e é distribuído da seguinte forma:

1º Dia (Cor VERDE): Toca do Lobo até o Alto do Capim Amarelo.

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Foto: Cristiano da Cruz

Saída de cerca de 1.400 até 2.570 metros, uma subida curta e íngreme de quase 1.200 metros.

No primeiro dia há dois pontos de água bastante acessíveis.

O primeiro logo na saída em frente à Toca do Lobo e o segundo aproximadamente 1.770 metros na subida no lado direito da Trilha.

Dá pra ouvir o barulho da água na subida e o ponto é facilmente encontrado.

Aqui aconselha-se encher todos os reservatórios.

2º Dia (Cor VERMELHA): Capim Amarelo até Pedra da Mina.

Saída de 2.570 até 2.798 metros, com inúmeras descidas e subidas, sendo a última a mais forte.

No segundo dia a diferença de altura entre o ponto de saída e o ponto de chegada é de apenas 228 metros, no entanto, devido ao grande número de subidas e descidas, o desnível acumulado chega quase novamente aos 1.200 metros.

Importante comentar também que antes da subida da Pedra da Mina há outros dois pontos onde é possível encontrar água para reabastecer.

3º Dia (Cor AZUL): Pedra da Mina até a Pico dos Três Estados.

Saída de 2.798 até 2.665, passando pelo vale do Ruah e Morro Cupim de Boi.

O Vale do Ruah é um dos pontos mais impressionantes da travessia, trata-se de uma planície logo após uma descida de 300 metros partindo da Pedra da Mina onde é preciso atravessar touceiras de capim alto e cortante que em alguns trechos podem chegar a mais de 2 metros de altura.

No solo, alguns trechos com erosão fazem o “índio” desaparecer totalmente no meio do capim.

Vale citar também que no meio do vale do Ruah há um riacho onde é possível reabastecer à água.

Importante saber que este é o último ponto de água até praticamente o final da Travessia.

4º Dia (Cor AMARELA): Pico dos Três Estados até o Sítio do Pierre na BR 354.

Saída de 2.665 até 1.530, passando pelo alto dos Ivos, uma descida de quase 1.200 metros.

Antes de iniciar a aventura, é de extrema importância realizar um planejamento minucioso do trajeto, equipamentos, alimentação, água, acampamentos, sem contar que a previsão do tempo também é fundamental, pois com o tempo bom os visuais de todo o trajeto compensam qualquer esforço.

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Foto: Cristiano da Cruz

Em vários trechos da caminhada é comum encontrar fitas vermelhas e amarelas amarradas em pontos de fácil visibilidade, além disso, existem também tótens feitos de pedras que orientam os principais pontos da travessia, portanto, se encontrar tótens e/ou fitas presas nas árvores, sorria, você está no caminho certo.

Mas não se engane que a travessia se torna simples ou fácil por conta disso, jamais pense em realizar a travessia se não tiver nenhuma experiência e bons equipamentos, assim, o mais recomendavel é ir com alguém que conheça o trajeto e/ou tenha ótimas noções de orientação terrestre.

A temporada ideal para realização da travessia é nos meses mais frios que vão desde Abril até o final de Agosto, caso contrário, às fortes chuvas irão atrapalhar a travessia e prejudicar bastante o visual.

Tivemos a sorte grande de passar 4 dias na Serra Fina com tempo bom e aberto, nos 3 acampamentos realizados o espetáculo do por e do nascer do sol foram experiências e imagens sem dúvida inesquecíveis.

IndiadaBuena

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