Segredos biológicos: Saiba quais são as mutações que fazem os Sherpas serem escaladores super-humanos

No universo das histórias em quadrinhos, não importando se é da DC ou Marvel, todo ser humano dotado de super-poderes (não importando a origem, diga-se) é considerado um super-herói. A partir deste conceito bem subjetivo, foram criados muitos personagens para cada tipo de interesse do público.

Faz parte da família dos personagens da Marvel o conceito de “mutante”, um ser humano que por alguma mutação genética tornou-se o que, no conceito da revista, foi chamado de homo Superior, uma espécie de evolução do homo Sapiens.

Mas por que uma introdução de algo que, à primeira vista, não tem nenhuma relação com esportes outdoor?

Para resumir: Os Sherpas são, no conceito mais puro obviamente, uma espécie de humanos com mutação genética que faz com queles sejam super-escaladores de alta montanha.

A multidão de Sherpas utilizada para carregar os equipamentos, e até mesmo os montanhistas, até o topo do mundo em um trabalho análogo ao escravo (mas isso é um tema para outra discussão futura) é, portanto, uma legião de super-escaladores.

Como já foi escrito aqui, em um artigo considerado como o mais completo da mídia outdoor brasileira, o povo sherpa é um grupo étnico do Nepal que vive em nas grandes altitudes dos Himalaias por muitas gerações. Sua experiência é considerada valiosíssima para todo e qualquer estrangeiro que tenta escalar o Everest.

Até mesmo os pseudo-montanhistas, que pagam para apenas serem carregados até o topo do mundo, para posteriormente viver de palestras motivacionais ou exibir-se em programas de TV com traço de audiência, sabem do valor deste povo.

Esta admiração não é apenas pela sua índole doce e amigável, mas também pela facilidade com que vencem os desafios físicos que é chegar ao topo do Everest. O motivo desta facilidade é a biologia que existe nesta habilidade. Esta mesma facilidade desperta o interesse de vários estudiosos para, na hipótese distante, conseguir incubar isso em outros humanos.

Algo que nos próprios quadrinhos seria semelhante ao “soro do supersoldado” do Capitão América. A funcionária Denny Levett da University Southampton, na Inglaterra, realizou um estudo para detalhar a biologia que existe na resistência dos sherpas em grande altitude. Levett é também sócia fundadora da Xtreme Everest, empresa especializada em atendimento às pessoas que sofrem de mal de altitude no teto do mundo.

Como é de conhecimento comum de todos, sobreviver a uma viagem ao Everest, mesmo que seja um trekking ao campo base, é necessário enfrentar altitude e pressão atmosférica. Os níveis de oxigênio no Everest é 1/3 menor do que é encontrado ao nível do mar e, por isso, somente 6% de todos os humanos são capazes de escalar a montanha mais alta do mundo sem utilizar oxigênio suplementar.

Somente por este estudo já mostra que a visão purista, de não utilizar oxigênio para subir ao Everest, não é doping, e sim uma questão de sobrevivência. Caso queira saber o que de fato é doping, acesse este link.

O mal de altura, já abordado em uma série de artigos aqui na Revista Blog de Escalada, pode afetar uma pessoa já a partir dos 3.000 metros de altura e, por isso, deve-se fazer com que o organismo se adapte à medida que aumenta a altitude. Este processo chama-se adaptação e a facilidade, ou dificuldade, depende do organismo e não necessariamente do preparo físico e experiência do montanhista.

Subir diretamente a uma altura de, por exemplo, 4.000 metros de altitude sem qualquer aclimatação o organismo, reagirá como uma gripe forte (ou sua pior ressaca de carnaval). Mas, segundo a médica Denny Levett, este tipo de efeito não se aplica ao sherpas.

Mas qual a explicação?

“Após viver séculos e séculos em alta montanha, a população sherpa que vive nos Himalaias, evoluiu fisicamente para dominar a capacidade de viver sob esta condição de ar rarefeito. Esta adaptação biológica não existe em quem sempre viveu em outros lugares por vários séculos”, afirma Denny Levett.

A médica no ano de 2013, junto com 180 voluntários dos quais faziam parte 64 sherpas, foram ao campo base do Everest que fica a 5.300 metros de altitude. Antes e durante o percurso, de subida e descida, todos os voluntários foram examinados, tanto física como biologicamente, para identificar as diferenças na sua fisiologia.

Os resultados deste exame foi exibido na 5ªWorld Extreme Medicine Expo, que aconteceu em Londres em novembro do ano passado, na qual Levett identificou as diferenças das partes das células humanas que respiram para gerar energia (mitocôndrias).

Na observação constatou que as mitocôndrias dos sherpas eram muito mais eficientes no uso do oxigênio. A médica, na apresentação, comparou os sherpas a um carro que economiza combustível, obtendo mais energia por menos oxigênio.

Além desta vantagem celular, os estudos também abrangeram os vasos sanguíneos debaixo da língua, e outros pontos do corpo, que servem para controlar a circulação dentro dos órgãos. Este conjunto de vasos sanguíneos chama-se microcirculação e determina a maneira que o oxigênio é levado aos músculos, tecidos e órgãos do corpo.

Em linhas gerais é como funciona, bem ou mau, o corpo de uma pessoa.

Os voluntários “não-sherpas” quando foram submetidos a uma grande altitude, a microcirculação ficava mais lenta, mas quando medida nos sherpas permanecia inalteradas. Esta maior velocidade que o sangue podia fluir, permitia entregar mais oxigênio aos tecidos mais rápido.

Segundo o médico Chris Imray, que é professor de cirurgia de transplante renal e vascular no Hospital Universitário Coventry e Warwickshire, e que acompanhou a pesquisa feita por Denny Levett, esta foi a primeira vez, cientificamente falando, que as diferenças fisiológicas dos sherpas em grande altitude foram identificadas. As diferenças genéticas irão ser estudadas posteriormente pela equipe de Levett.

O objetivo da investigação de Denny Levett era descobrir novas formas de ajudar pessoas a sobreviver em situações nas quais o oxigênio é limitado, não somente na montanha mas também em um hospital. Isso porque, segundo a médica, a situação de diminuição de oxigênio em alta montanha é similar aos experimentados por pacientes com enfermidades críticas.

Ao identificar as diferenças genéticas e fisiológicas para melhorar a supervivencia (do termo latin supervivens que significa“que sobrevive”) os pesquisadores esperam desenvolver novos tratamentos ou terapias para pacientes que sofrem de alguma doença grave.

A médica ainda afirma que “entender isso pode ser útil para ajudar a administrar as feridas na cabeça, já que algumas técnicas aplicadas em certa altitude poderiam ser relevantes a um paciente”. Portanto especula-se que a surpreendente fisiologia dos sherpas tenha muito mais benefícios para a humanidade do que apenas carregar peso a montanhistas endinheirados e interessados em aparecer.

Mais detalhes do estudo: http://www.southampton.ac.uk

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