Reflexões a respeito da escalada em Toquio 2020 – O lado B da felicidade

No dia de ontem, depois de décadas de ilusões, a escalada agora faz parte dos jogos olímpicos o que, na minha opinião como editor do site Rocanbolt, é muito bom, mas também é necessário ver as coisas de todos os pontos de vista. Há várias coisas que não somente são ruins, mas também ridículas, e que não representam em nada um torneio agregador. A escalada nos Jogos Olímpicos de Toquio 2020 será claramente composta exclusivamente por atletas de países do círculo restrito do IFSC e que tenham recursos não sendo, necessariamente, os melhores atletas.

O IFSC conversou com muitos diretores do COI (Comitê Olímpico Internacional), com alguns delegados com evidente ignorância do que uma competição de escalada se refere, e a entidade estava ciente de que fazendo parte das olimpíadas haveria, necessariamente, uma medalha para a combinação das três modalidades: boulder, dificuldade e velocidade.

Para nós, que escalamos, está claro que juntar estas três modalidades é tão bizarro como colocar um jogador de tênis, contra um de tênis de mesa e fazer com que compitam por uma medalha jogando partidas em quadra de badminton…

Assim de ridículo.

Escalada-olimpica

Mas claro que os bastidores dos jogos olímpicos possuem uma luta política gigante e repartir 6 medalhas de ouro, em vez de duas, é claramente uma grande diferença ainda mais se estas contam para um ranqueamento de posições no quadro de medalhas. Uma medalha de ouro sozinha é um custo gigante e uma porcentagem significativa no orçamento.

Escaladores como Adam Ondra, assim como outros, já fizeram declarações meses atrás deixando claro seu incômodo com este tipo de modalidade e, inclusive, insinuando um boicote caso fosse necessário. Há de ver até onde vão estas ameaças quando todos esticarem as mãos para obter sua cota ao torneio olímpico. Por exemplo: Sean Mcoll no circuito internacional demonstrou ser o único que poderia ostentar a possibilidade de ser grande candidato a medalha, pois domina as três modalidades. Mas colocando-se na hipótese que isso aconteça, o que é ideal : premiar o atleta que melhor saia em sua modalidade ou o aquele que mantenha a média em tudo?

Estou me referindo a fazer bem, ou seja, que sua performance seja boa mas não necessariamente seja a melhor.

Isso pode ser considerado um erro grave, porque um escalador que obtenha colocações próximas ao primeiro lugar nas três modalidades (boulder, dificuldade e velocidade) pode ser aquele que, assim, leve a medalha de ouro sem ter ganho nenhuma das competições individuais. Um exemplo do que acabei de dizer seria:

  • Obter terceiro lugar em velocidade
  • Obter terceiro lugar em boulder
  • Obter terceiro lugar em dificuldade

No exemplo acima os primeiros lugares ficariam, em hipótese, repartidos entre outros escaladores na disputa pela medalha de ouro.

Resumindo: é possível sair campeão sem haver ganho nenhuma das três modalidades. Isso, na minha opinião, seria uma injustiça total.

Exclusão

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Há também o perigo de uma exclusão total no esporte por parte de quem faz parte da sua elite, que pode pagar as passagens para as etapas eliminatórias. A escalada, vale lembrar, entra nas Olimpíadas como um esporte de exibição e somente 20 homens e 20 mulheres poderão lutar por uma medalha. Os países que vão a mundiais quintuplica esta cifra. Em todo esporte olímpico há uma luta acirrada para poder classificar-se. Na escalada em Tóquio 2020 será ainda mais disputada.

O IFSC tem sido quem comanda esta tarefa por quase uma década, mas a influência européia é muito alta. Isso significa que provavelmente as principais competições seletivas serão neste continente, até porque o circuito internacional é assim faz vários anos. Mudar as regras para conseguiu entrar para as Olimpíadas não é a ideia, mas aqui a responsabilidade fica maior para os atletas de países afastados e, ainda assim, afiliados ao IFSC, tendo o melhor exemplo o Chile, que é o país mais afastado do mundo.

Os gastos se multiplicarão para estes tipos de países, pois terão de  arcar com altos custos de viagem para tentar ranquear-se. Não somente contam boas posições mas também que seja constante em cada etapa. Isso porque não serve de nada ter somente um pódio (que já é muito difícil), mas também ter classificado para a final várias vezes sem pódio. Assim estes países podem ser os últimos a ter um posto assegurado nas Olimpíadas.

Divisão de gêneros

Foto: http://www.ifsc-climbing.org/

Foto: http://www.ifsc-climbing.org/

Serão 20 escaladores e 20 escaladoras, totalizando 40 atletas o que significa várias dezenas de países fora da competição. Ainda não está muito claro, por parte do IFSC, se um país poderá levar mais de um esportista. Isso porque não teria motivo que ser tão injusto para vários países, sabendo que há muitos que contam com excelentes expoentes em cada modalidade. A corrida para ganhar um lugar na competição será muito trabalhosa.

Primeiro pela quantidade expressiva de competidores com experiência e bons resultados e também pelos recursos que significará ter uma seleção participando de maneira sistemática e contínua em cada competição internacional, ainda mais para países como Chile que deverão cruzar oceanos e continentes para, enfim, tentar.

Entrar para as Olimpíadas é sem dúvida, uma grande conquista, mas que deixa muitas pedras no caminho. Espero que a competição seja um presente para quem gosta da escalada e não apenas um esporte que pareça não ter sentido nas olimpíadas. Mas lamentavelmente as decisões nem sempre passam por quem sabe do tema, e o IFSC já pode lutar por isso de dentro do COI.

Tradução autorizada: http://www.rocanbolt.com

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There is one comment

  1. Ale Reis

    “Resumindo : é possível sair campeão sem haver ganho nenhuma das três modalidades. Isso, na minha opinião, seria uma injustiça total.”

    Veja, vamos imaginar 3 competidores de Levantamento Olimpico para conseguir visualizar a situação.
    Se o sujeito “A” faz 180 no arranco e 240 no arremesso, totaliza 420kg
    Sujeito “B” faz 192 no arranco e 235 no arremesso, totaliza 427kg
    Sujeito “C” faz 190 no arranco e 238 no arremesso, totaliza 428kg

    Ou seja, o sujeito C não foi o melhor em nenhum dos dois exercícios, porém foi o campeão! Ja existe essa forma de calculo no LPO, GA, etc….

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