O perigo de achar-se tão bom quanto Alex Honnold (ou outro atleta de elite)

Faz parte da cultura popular um grande número de frases que servem para resumir situações as quais alguém mensura de maneira desproporcional à realidade sua capacidade. Quem nunca escutou as seguintes frases:

  • Ter os olhos maior que a barriga
  • Abraçar o mundo com as pernas
  • Comer mortadela e arrotar caviar

Pois com vários atletas, amadores ou profissionais, acontece o mesmo: acreditar que possuem habilidades e capacidades físicas que não correspondem à realidade. Entretanto, nos esportes de montanha, este tipo de falta de senso, tanto de realidade, quanto de capacidade, resulta em alguns acidentes e até mesmo óbitos. Sobram exemplos à medida que buscamos na memória: para não ficar sem um mosquetão, ou por acreditar que os amigos irão rir de sua postura, algumas pessoas se arriscam tolamente.

Este é o perigo de acreditar que é um atleta de elite, quando na verdade não é. Este equívoco de interpretação da realidade é bastante comum e, por isso, qualquer pessoa pode cometê-lo. Caso uma pessoa que seja “corajosa demais” (mas você pode substituir este adjetivo por “forte”, “resistente”, entre outros) em algumas situações, muito provavelmente terá uma surpresa desagradável no futuro.

Estatisticamente falando: quanto mais a pessoa arriscar e nada acontecer, mais próximo ela está de se deparar com a realidade. Como assim?

Simples: Ninguém possui sorte 100% do tempo de sua vida.

O aplauso dos amigos

Assistir a um vídeo de um atleta de elite arriscando sua vida em uma escalada em estilo solo, como o americano Alex Honnold faz corriqueiramente, não credencia a ninguém, mesmo que seja muito fã do escalador, a fazer o mesmo. Inegavelmente Honnold é fisicamente, e mentalmente, preparado para o desafio, que não necessariamente é ligado somente à dificuldade da via de escalada, muito menos é explicado com poucas variáveis.

Mas não somente na escalada em solo aparecem pessoas que não sabem mensurar a própria qualidade e técnica. Esta “deformação da realidade” tem um motivo (que até serve de catalisador): o barulho dos aplausos dos amigos e família. Esta euforia, com qualquer coisa que faça em um micro universo, sempre acaba por cegar alguém sem maturidade diante do macro universo já existente. Basta olhar à sua volta para perceber que muitas pessoas possuem um desejo quase doentio de tornar-se celebridade em sua roda social. Quer ser aplaudido o tempo todo por todos os amigos e pessoas à sua volta.

Foto: Ben Moon | http://www.nytimes.com

Você já viu isso acontecer? Claro que sim!

Vamos relembrar de um certo jogo de Copa do Mundo de Futebol de 2014 no qual a seleção brasileira disputou contra o selecionado alemão. O técnico brasileiro à época supervalorizou cada membro de sua equipe e, assoberbado por uma realidade criada por ele, arriscou um esquema tático o qual fez com que a partida terminasse de maneira trágica. Não gosta de futebol e não lembra o placar? Não viu o jogo? Pergunte a alguma pessoa que esteja a seu lado onde ela estava no dia do 7×1, que que ela irá lhe descrever com riqueza de detalhes.

Nos esportes, todos eles, acontecem 7×1 todo o tempo. Tanto que em todas as modalidades esportivas há expressões que resumem bem a disparidade de algum atleta que se depara com a realidade:

  • No tênis isso chama-se “pneu”
  • Na escalada “não tirou os pés do chão”
  • No surf chama-se “capote”
  • No futebol “lavada” e/ou “chocolate”

Foto: Three Peak Films / The Circuit Climbing | http://threepeakfilms.com/

Pessoas que não estão capacitadas, tanto fisicamente quanto tecnicamente, se arriscam constantemente em vias de escalada que possuem grau muito acima de suas habilidades. Nelas “masturbam” a linha insistentemente até que, finalmente, a desejada cadena sai. A pessoa evoluiu? Não, muito pelo contrário. Na verdade está mascarando sua evolução com uma involução. Não bastasse se enganar existe outro fator: os próprios amigos ajudam que esta pessoa se engane, dizendo a ela, assim como a todos à volta, que houve uma “evolução”.

Há ainda o inverso (mas que mascara a realidade da mesma maneira): pessoas que de tanto escalar uma via, já decora todos os movimentos existentes e, a partir disso, começa um outro fenômeno: o “decotador de vias”. Este fenômeno pode ser visto nos principais locais de escalada, especialmente aqueles muito populares, que de tempos em tempos as vias passam por uma “revisão”, que rebaixa seu grau de dificuldade. Este fenômeno deixo para abordar um outro dia.

Alex Honnold

Foto: Dustin Snipes

Por mais que amigos aplaudam o que alguém da “turminha” faça, isso não faz da pessoa efetivamente um atleta de alto rendimento. Nem mesmo algum atleta, de qualquer nível, afirmar a alguém, ou algum veículo de informação, que é de alto rendimento o transforma em um. Desnecessário dizer que se de fato alguém não for um atleta de alto rendimento, a verdade logo aparece ali na esquina.

Alguém só é atleta de alto rendimento quando fizer a mesma coisa, ou até mesmo superar, um outro atleta de alto rendimento. Simples assim.

Não há problema nenhum ter limitações, pois pessoas com maturidade e inteligência sabem admiti-las. Entretanto para chegar a fazer parte da elite de seu esporte um atleta, incluindo o Alex Honnold, é consciente de suas limitações e as treina para minimizá-las. Por que isso? simples, repetindo a frase acima: Qualquer pessoa somente será um atleta de alto rendimento quando sua performance, quando comparada a atletas de alto rendimento, for igual ou superior em rendimento estabelecido pelos melhores no esporte que pratica.

Sim, é cruel esta matemática mas a vida é assim.

Para ser um atleta de alto desempenho é necessário muito treinamento e sacrifício além de, obviamente, apresentar resultados consistentes e não relativos. Como assim? Você encadernar uma via de grau X, não necessariamente o torna um atleta de “nível X”. Da mesma maneira, seguindo esta lógica, se alguém solou uma via de escalada não necessariamente isso o torna um Alex Honnold. Talvez para os seus amigos e cônjuges (micro universo), mas não na realidade. Caso tenha ganho algum campeonato regional ou nacional, de qualquer esporte, não significa que seja candidato ao campeonato mundial e assim por diante.

Deturpar as estatísticas para manipular a realidade é um outro recurso que toda pessoa deveria evitar, caso deseje tornar-se um atleta de alto rendimento. Portanto aqui vai mais uma frase: “Quando estiver sentindo que está abafando pare, você na verdade está é dando vexame“.

A bolha social emburrecedora

Não somente na escalada acontece deturpações da realidade: Pessoas sem treinamento adequado se julgam Kilian Jornet e se arriscam em corridas no estilo light and fast. Praticantes de trekking vão a um lugar como a Patagônia com barracas descartáveis, ou até mesmo sem roupa adequada. Os motivos são inúmeros, mas seguramente um deles é que a pessoa mediu completamente errado sua capacidade comparando-a com alguém mais preparado. Mentiu para si mesmo, que é a pior mentira.

Pessoas assim tomam decisões erradas assustadoras: Acham que acampar na praia, ou na Campus Party, e na Patagônia é a mesma coisa, acreditam que o moletom que usa no verão serve adequadamente para um trekking, que a mochila que ganhou no bingo da empresa serve para uma viagem de mochilão, etc. Exemplos não faltam.

Foto: National Geographic Adventure

Mesmo quem deveria se comportar como um atleta também acaba caindo na armadilha de confundir microcosmos com a realidade. Como? Esnobando métodos modernos de treinamento que outros atletas, que fazem parte do que se pode chamar “elite”, estão implementando. Há quem afirme para a roda de amigos que Crossfit e/ou treinamento funcional, e até mesmo corridas ou atividades aeróbicas, não servem para treinamentos e, claro, é aplaudido de pé pelos amigos de sua bolha social.

A própria pessoa, quando faz isso, nem desconfia do tamanho de sua ignorância. Porém quando os resultados, que deveriam aparecer mas não aparecem, elas tomam o doloroso, mas necessário, choque de realidade. Isso porque, sendo repetitivo, querem ser reconhecido como um atleta de elite, mas insistem em praticar treinamentos de um praticante amador. o final culpam a falta de estrutura e apoio, quando eles mesmos não observam a si mesmos como parcela do problema.

Aqui encaixa mais um ditado: “Para mal beijador, até a boca atrapalha“.

Um 7×1 todos os dias

Voltando à metáfora do futebol: Todas as vezes que pensar que tem a mesma capacidade de um atleta de elite, não observe somente um aspecto para comparar-se. Tenha visão global do universo que o cerca.

Verifique no(s) seu(s) adversários, ou ídolos, o que comem, como e onde treinam, quem os aconselha e, principalmente, compare com o tipo de atleta que você é. Cada um dos parâmetros comparados, não apenas um.

Voltemos ao exemplo do fatídico jogo de futebol na Copa do Mundo, que ao que parece poucos parecem ter tirado alguma lição esportiva. Lembra da sensação de derrota que todos demonstravam, isso sem lembrar do estarrecimento geral, quando o famoso 7×1 aconteceu na copa do mundo? Pois bem, a partir disso reflita sobre o acontecido e repare em como muitos cometem os mesmos erros que a comissão técnica brasileira. Para não fazer parte desta geração, procure olhar esta partida para aprender algo, não somente comprar resultados friamente. A partir disso, não repita os mesmos erros e aprenda a medir a sua realidade pelo universo inteiro, não somente pelos amigos de sua bolha social.

Os gritos e aplauso do “parças”, que na verdade são apenas para te agradar, poderão fazer você sofrer uma derrota. Isso na melhor das hipóteses.

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