O inspirador relato de viagem da Travessia Ushuaia: Valle de Andorra – Cañadon de la Oveja

Ushuaia carrega o título de “cidade mais austral do mundo” ou o “fim do mundo” o que não é totalmente verdade, afinal, do outro lado do canal de Beagle ainda temos a pequena cidade chilena de Puerto Williams, onde o turismo não é tão desenvolvido.

Portanto, podemos considerar Ushuaia uma espécie de “capital turística” pra quem quer conhecer a ponta da América do Sul.

A cidade costuma ser visitada durante 3 ou 5 dias em roteiros que incluem também Torres del Paine, El Chaltén e El Calafate.

Porém, para fugir da “trip pacote fechado” e desfrutar com calma e intensidade de Ushuaia, parte da equipe da Terra Média Trekking (eu, Henrique Krueger, junto com a Michelle de Andrade) esteve por lá em dezembro de 2014 durante 12 dias, e foi nesse mochilão que realizamos a travessia do Valle de Andorra até o Cañadon de la Oveja, uma trilha magnífica para viajantes alternativos.

Informações Gerais do Trekking

A temporada ideal para realizar a travessia é no verão, entre os meses de dezembro a março. Nessa época os dias na Tierra del Fuego podem ter até 17 horas de sol (isso mesmo, vi o sol se pôr as 10 da noite), por isso, os cerca de 30 km do percurso podem ser percorridos em dois dias, se bem aproveitados.

Contudo, recomendo fazê-lo em três dias e incluir no roteiro uma esticada até o Glaciar Vinciguerra/Laguna de los Tempanos.

Não fizemos isso, e acabei me arrependendo. A trilha é bem batida e sinalizada quase que em sua totalidade, contudo, alguns trechos são um pouco mais delicados e é bom ter certa experiência.

Portanto, quem pretende repeti-la entre em contato comigo através do blog da Terra Média Trekking que envio a tracklog do trajeto.

Para chegar até o início da Caminhada pegamos um táxi e solicitamos ir até o Valle de Andorra, no final da estrada, o que nos custou AR$ 100,00 (R$ 23,50 na cotação da época).

Parte do caminho da travessia

Parte do caminho da travessia

Dia 01: Explorando a laguna Encantada

Acordamos cedo no dia 22 de dezembro de 2014 e as 9:20 da manhã abríamos a porteira no final da estrada para começar a caminhada. Em cerca de meia hora chegamos a uma bifurcação onde tomamos um caminho alternativo em direção a Laguna Encantada, o que já era planejado.

Nossa ideia era fazer o percurso em três dias, sendo:

  • dia 01 – bate e volta até a laguna encantada e acampamento intermediário;
  • dia 02 – até a Laguna del Caminante, onde acamparíamos;
  • dia 03 – atravessar o Cañadon de la Oveja até Ushuaia.
 Cruze do rio no primeiro dia de travessia

Cruze do rio no primeiro dia de travessia

Levamos cerca de 1:40 hora para avançar os 2,5 km até a laguna. Perdemos a trilha num dado momento, mas, tendo noções de navegação, atravessar estes bosques das regiões austrais (vegetação bem mais aberta que a nossa mata atlântica), é tranquilo.

Chegando no nosso objetivo, sinceramente, houve um certo desapontamento: a laguna não é tão bela quanto imaginávamos.

Vimos ali uma “castoreira”, mas, como o bicho tem hábitos noturnos, nenhum castor. Como tínhamos tempo de sobra, aproveitamos para caminhar um pouco em direção as montanhas que contornam a laguna e fazer uma guerrinha com a neve ali acumulada.

Laguna Encantada

Laguna Encantada

Laguna Encantada

Laguna Encantada

Uma dica importante para quem planeja fazer a travessia é substituir esse bate e volta até a laguna encantada pelo já citado Glaciar Vinciguerra/Laguna de los Tempanos.

O caminho até o glaciar é mais longo, cerca de 5 km (só ida), e inicia na mesma bifurcação que vai em direção a laguna encantada, porém, após cerca de 1 km os caminhos bifurcam novamente, aí você deve tomar a esquerda em direção ao glaciar.

Voltando ao relato, almoçamos ainda na laguna encantada e daí então tomamos o caminho de volta para o trajeto da travessia. Ao alcançar a bifurcação novamente, seguimos cerca de 2,5 km vale a dentro e encontramos uma área para acampar.

Embora ainda fosse cedo para os padrões de Ushuaia (17:30 horas), o local era muito receptivo e decidimos armar acampamento por ali mesmo.

Dia 02: Laguna del Caminante

Com certeza o trajeto que percorremos no segundo dia é o mais bonito da travessia. Acordamos as 07:30 e, as 09:00, começamos a caminhada em direção a Laguna del Caminante, o objetivo do dia.

O percurso de onde estávamos até a laguna daria aproximadamente 9 km, os quais percorremos com muita calma e fazendo bastante fotos, confira aí:

Partes do trajeto no segundo dia de travessia

Partes do trajeto no segundo dia de travessia

Partes do trajeto no segundo dia de travessia

Partes do trajeto no segundo dia de travessia

Partes do trajeto no segundo dia de travessia

Partes do trajeto no segundo dia de travessia

Partes do trajeto no segundo dia de travessia

Partes do trajeto no segundo dia de travessia

Ainda assim chegamos cedo e ficamos um bom tempo curtindo a laguna del caminhante, que, sem exagero, foi um dos três lugares mais bonitos onde já acampei.

As fotos não foram capazes de captar a grandeza daquela paisagem – além da laguna, a cordilheira ao redor é deslumbrante, com destaque para o Cerro Vinciguerra, a maior montanha do setor argentino do arquipélago da Tierra del Fuego.

Além de nós dois, só haviam dois belgas acampando ali.

Laguna del Caminante

Laguna del Caminante

Laguna del Caminante

Laguna del Caminante

Laguna del Caminante

Laguna del Caminante

 

Dia 03: Atravessando o Cañadon de la Oveja

Antes de falar da trilha, vou abrir um parêntese para contar uma história paralela.

Ainda no avião, conversando sobre o que estava por vir nesse mochilão, num dado momento recordo de ter comentado:

“Lembro quando era pequeno e via aqueles filmes de natal na televisão, com neve caindo em todo o lugar. Bem que poderia nevar durante a trip”.

Pois bem, acordamos por volta das 07:30 do dia 24/12, véspera da natal e, ao colocar a cabeça para fora da barraca, eis que a natureza resolveu presentear essa criança que vos escreve: estava nevando!

Não muito, é verdade, eram apenas flocos pequenos, mas era neve caindo e a alegria que me deu não cabe em palavras…

Voltando: por volta das nove horas estávamos com tudo nas mochilas e começamos a nos despedir daquele lugar incrível.

O objetivo do dia era caminhar aproximadamente 14 km até Ushuaia, sendo assim, como tínhamos tempo e perna sobrando, ao sair da laguna del caminhante decidimos dar uma esticada um pouco mais a frente e conhecer a Laguna Superior, a menos de 1 km de distância.

Outra paisagem espetacular, a laguna superior é rodeada por belas montanhas, com destaque para Cerro Falso Tonelli, que se sobressai às demais.

Laguna del Caminante vista do caminho até a Laguna Superior

Laguna del Caminante vista do caminho até a Laguna Superior

Laguna Superior, com destaque para o Cerro Falso Tonelli a esquerda

Laguna Superior, com destaque para o Cerro Falso Tonelli a esquerda

Pequena cascata e gelo acumulado próximo a laguna superior.

Pequena cascata e gelo acumulado próximo a laguna superior.

Tomamos agora o rumo ao final da travessia e mal sabíamos o que nos aguardava. Caminhamos com um ritmo bom os cerca de 6,5 km que costeavam as montanhas, mas daí em diante o rendimento caiu consideravelmente.

Ao adentrar no Cañadon em si, a parte mais baixa, já dentro dos bosques, os obstáculos aumentam.

Ushuaia tem uma camada de solo fértil com pouca espessura sobre o leito rochoso. Isso, atrelado aos ventos constantes, fazem com que diversas árvores caiam com o passar do tempo.

Em um dado momento da trilha pegamos uma sequência de árvores tombadas que, confesso, chegou a irritar um pouco.

Cañadon de la Oveja

Cañadon de la Oveja

Cañadon de la Oveja

Cañadon de la Oveja

Hora tínhamos que passar por cima, hora quase nos arrastar no chão e, nessa brincadeira, pouco avançávamos em distância.

Escorreguei em alguns momentos e, em um destes, não fossem os dois bastões de caminhada, teria batido com força em um tronco. Infelizmente ambos os bastões entortaram sob o meu peso.

Levamos cerca de 1:15 hora para percorrer aproximadamente 1,7 km e alcançar um pasto aberto, de onde tínhamos uma bela vista do canal de Beagle.

Dali foram mais 4,5 km e já estávamos em Ushuaia novamente, ainda que um tanto distantes da parte central.

Paisagem no fim da travessia

Paisagem no fim da travessia

Cansados, tomamos um táxi por AR$ 60,00 que nos levou até a cidade onde tivemos que caminhar mais um bocadinho até achar uma hospedagem com vagas e cujo preço se enquadrasse no nosso orçamento.

Fizemos ainda alguns dos passeios convencionais de Ushuaia e outras trilhas, mas não cabe abordar tudo nesse relato.

Para quem planeja ir pra lá, sugiro que leia essa postagem no blog da Terra Média Trekking com maiores detalhes de tudo o que rolou nesse mochilão.

Para finalizar, deixo aqui um trecho de um texto de Dostoiévski que, embora não seja sobre Ushuaia, condiz bastante com o sentimento após terminar esta travessia:

“Creio que no fim do mundo […] há de acontecer algo de sublime que satisfará todos os corações” – é o tipo de sensação que o montanhismo proporciona…”

Bons ventos a todos!

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