O Caso do Bolt na Conquista da Via Martelo de Thor

Como prometido, por ocasião do relato da conquista da via Martelo de Thor, eu e o André entramos em contato com o fabricante do chumbador tipo parabolt, modelo PBA, Ø 3/8” por 2.1/4” de comprimento, e relatamos o fato ocorrido na conquista.

Imediatamente, nos dias seguintes, fomos convidados para participar de uma visita técnica no laboratório de testes CTS da ÂNCORA, quando sugeriram trazer outras peças do mesmo lote, a parte da peça rompida, e o equipamento utilizado para a fixação dos bolts.

Na sexta-feira, dia 11/04/2014, nos deslocamos até Vinhedo-SP, na sede da fábrica, e gentilmente fomos recebidos pelo Diego, que nos conduziu até o laboratório de testes e engenharia da ÂNCORA (CTS), onde uma equipe liderada pelo Engº Carlos já nos esperava.

Em sequência o Roberto, Diretor Comercial da ÂNCORA, se apresentou, e esclareceu que a aplicação dos sistemas de fixação da ÂNCORA em montanhismo demonstrava simpatia e interesse técnico para empresa, nos tratando com estrema atenção e profissionalismo.

Foto: Departamento de Marketing da Âncora

Foto: Departamento de Marketing da Âncora

Em que pese o montanhismo se mostre insignificante sob o foco comercial, uma grande equipe foi mobilizada para realizarmos alguns ensaios e testes destrutivos de peças.

Os técnicos conseguiram um pedaço de quartzito na região para simular o meio de fixação quando, após as apresentações e trocas de ideias necessárias para a integração, peguei a furadeira de conquista, munida da nossa cansada broca, e iniciei o primeiro furo de 10mm…aquela força!! Tuff! A vídea!

Foto:ANDRE HIDETO NAGASAWA

Foto:ANDRE HIDETO NAGASAWA

Nossa guerreira broca de 4 cortes havia sucumbido! Melhor aqui do que na parede!!

O fato acabou nos descontraindo, e a partir daí foi muito interessante!

Inicialmente convém pontuar que os testes não apresentaram qualquer metodologia ou rigor de homologação na forma da CE ou UIAA, de modo que os ensaios buscaram apenas demonstrar os valores de carga e identificar o fato ocorrido na conquista.

Iniciamos com testes de arrancamento.
Nestes as peças atingiram valores superiores a 15kN, quando havia o rompimento do parabolt (notamos o cone indicativo da deformação plástica sofrida pelo material frente a tração de arrancamento).

Foto: ANDRE HIDETO NAGASAWA

Foto: ANDRE HIDETO NAGASAWA

Foto: ANDRE HIDETO NAGASAWA

Foto: ANDRE HIDETO NAGASAWA

Foto: ANDRE HIDETO NAGASAWA

Foto: ANDRE HIDETO NAGASAWA

Em nenhum dos testes houve “arrancamento da rocha” na zona de tensão, tampouco escorregamento da peça.

No teste de corte, cisalhamento, as peças aguentaram valores superiores a 19kN, quando havia a ruptura do parabolt na sua rosca.

Foto: ANDRE HIDETO NAGASAWA

Foto: ANDRE HIDETO NAGASAWA

Importante observar que a rosca é o ponto mais frágil do parabolt, pois apresenta a menor seção transversal, de forma que a resistência ao cisalhamento apresenta valores superiores se a força for exercida no corpo do bolt.

Em sequência, fomos aos testes de excesso de torque, lembrando que, durante a conquista, observamos o rompimento do bolt durante o aperto final, com a chapa já colocada.

Fizemos três testes, em sequência, de peças do mesmo lote utilizado na conquista e outras de lotes distintos, ocasião em que foi comprovada a possibilidade de rompimento do bolt por excesso de torque!

As peças dos testes foram comparadas no microscópio, indicando a semelhança entre o ocorrido na rocha e o ensaio em laboratório. A deformação e as características do ponto de rompimento foram as mesmas!

Ou seja, não se tratou de um defeito ou forças metafísicas! O rompimento do bolt durante a conquista foi por provável excesso de torque!

Lição um: menos musculação Rubão!!!

Nos testes o rompimento por excesso de torque ocorreu de 75 N·m a 90 N·m, quando o fabricante aconselha aperto de 30 N·m (aprox.3kgf·m).

Considerando o tamanho da nossa chave, em torno de 20 cm, se aplicada na extremidade da chave uma força constante de 35 kgf a 45 kgf haverá a ruptura do bolt por excesso de torque.

Foto: Departamento de Marketing da Âncora

Foto: Departamento de Marketing da Âncora

Assim, com base nos testes executados, observamos que a aplicação de força excessiva no aperto da chapa é inversamente proporcional à segurança. Lição dois!

Não parece imperativa a recomendação de um torquímetro, pois a necessidade de aperto é restrita a fixação da chapa para que não fique rodando.

Portanto é importante o “faceamento” da rocha para o perfeito assentamento da chapa. E não podemos substituir esse trabalho mediante excesso de aperto! Lição três!

Pessoalmente, e fora do laboratório, fiz o teste em mais três bolts. Dois eu consegui romper, e um terceiro a rosca e a porca espanaram, e não rompeu por excesso de torque.

Posso garantir que o rompimento do bolt por excesso de torque é necessária aplicação de uma boa força!

Voltando ao fato da conquista, aplicando as variáveis do caso, onde o escalador na ponta da corda está sob stress, podemos concluir que não foi comprovado defeito no bolt, mas sim ficou indiciário o excesso de torque para a consecução do ocorrido incidente relatado na via Martelo de Thor.

Sob o enfoque da segurança, pessoalmente concluí que os bolts da ÂNCORA, que utilizamos nesta conquista, apresentam uma margem de segurança bem superior a outros tipos de proteções comumente utilizadas em outras vias, como o caso de grampos tipo “P” (de vergalhões de ½”), e spits de 12mm com parafuso de 8mm (proteções corriqueiras em espeleologia), pois apresentam cargas de rupturas em valores significativamente inferiores aos experimentados nos testes que levamos a efeito nesta visita.

Apenas por curiosidade, e pertinência da matéria, localizei um ensaio com “Ps”, de um trabalho executado por Marcelo Roberto Jimenez e Miguel Freitas(1) , do Clube Excursionista Carioca, onde, em resumo, concluíram que grampos novos (instalados da maneira corriqueira – com olhal para cima) suportaram em média uma carga máxima de cisalhamento de 1250kgf, ou seja, 12,5kN, quando num cotejo direto observamos que os bolts suportam valor 50% superior aos grampos, eis que atingimos 1900 kgf / 19kN nos ensaios não padronizados.

Também há o caso dos spits, que particularmente já utilizei bastante em explorações espeleológicas e já identifiquei esse material em inúmeras vias do Complexo do Baú, inclusive com chapas de duralumínio! Também há casos de chapas caseiras!

Foto: ANDRE HIDETO NAGASAWA

Foto: ANDRE HIDETO NAGASAWA

Considerando que utilizam parafusos de 8mm, é sabido que a resistência destes sistemas é bem aquém aos acima abordados, quando, na minha opinião, considerando o tempo de instalação destes spits no Complexo do Baú, e a existência de possibilidade mais segura, conviria a imediata substituição por proteções novas, mantida a integridade e originalidade das vias!

No tocante as proteções antigas, penso que a comunidade deva atuar de forma preventiva e não corretiva! E não consigo aceitar que a precariedade de proteções seja valorada como critério de exposição ou aventura!

Vejo duas hipóteses para o tratamento do caso: a proteção foi considerada necessária pelo conquistador, e deve estar plenamente íntegra na sua função para uso dos escaladores que irão repetir a via(2) ; ou é desnecessária, e deve ser retirada para perfeita avaliação de exposição!

Ainda mais no complexo do Baú, que é o melhor e mais completo centro de montanhismo e escalada em rocha do Estado de São Paulo!

Convém uma reflexão da comunidade da montanha sob a necessidade de manutenção regular e preventiva das rotas clássicas e antigas, bem como um período para revisões.

Certamente, a substituição destas proteções antigas por novas, realizando teste de resistência destes materiais em laboratório, poderia trazer dados interessantes para a construção do nosso conhecimento, pois envolve variáveis distintas de estudos aplicados no exterior, como na Europa.

Nosso clima e montanhas tropicais apresentam características que podem influenciar no tempo de vida útil das proteções, justificando a recomendação da substituição delas em período maior ou menor, que somente o estudo e o empirismo pode nos indicar.

Em suma, o caso do bolt foi pivô de inúmeros questionamentos pessoais, onde concluí que a falha se deu por excesso de torque!

Entretanto, e sob uma ótica positiva, como gosto de avaliar os fatos, também possibilitou a abertura de um canal para a troca de informações com o fabricante do equipamento de fixação, com franca e transparente permuta de experiências, onde a Âncora demonstrou que atua com excelência e respeito no mercado que atua!

Por fim, consigno o agradecimento a toda Diretoria e equipe técnica da ÂNCORA, que nos tratou com extrema gentileza e cordialidade, proporcionando um esclarecimento técnico ao fato ocorrido na montanha!

(1) Veja em http://www.carioca.org.br/doc_tecnicos/grampos.pdf
 
(2) Pessoalmente entendo que a manutenção das vias é um direito da comunidade e um dever dos conquistadores realizarem ou permitirem a realização do serviço. Inclusive, se tratando de área para o uso público ou regime jurídico diferenciado (como o caso do Complexo do Baú – Monumento Natural), não vejo justificativa para objeção de manutenção das rotas pelos conquistadores, sob qualquer pretexto.

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