Explorando a nascente do Amazonas, nos Andes peruanos

Encontrar a principal nascente de um rio, geralmente, não é uma tarefa fácil, principalmente quando o rio em questão se trata do gigantesco Amazonas. A bacia hidrográfica do Amazonas é a maior do mundo, com aproximadamente 7 milhões de quilômetros quadrados. À complexidade da rede fluvial, que no caso do Amazonas é representada por milhares de afluentes e inúmeras fontes de água alimentando o sistema, soma-se a dificuldade para se definir um critério objetivo que determine com precisão onde se encontra a nascente.

Por exemplo, a nascente principal poderia ser definida como a mais distante da foz do rio. Ou aquela cuja extensão do curso de água correspondente até a foz fosse a de maior longitude. Conforme o critério adotado, a nascente pode mudar de lugar, deixando claro que não existem “verdades geográficas” absolutas, pois são conceitos relativos, ou seja, que estão relacionados a uma definição prévia.

O mesmo vale, por exemplo, para a determinação da altura de uma montanha: o cume é medido em relação a que? Poderia ser em relação ao nível do mar, ao centro da Terra, etc. Nesse último caso, o Everest seria desbancado pelo Chimborazo, a montanha mais alta do Equador.

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Annie Peck

A “disputa” entre o Amazonas e o Nilo sobre qual seria o rio mais longo do mundo também ilustra bem essa questão. Novas pesquisas têm demonstrado que o Amazonas, além de ser o maior rio do mundo em volume fluvial, provavelmente também o é em extensão.

Se por um lado, para quem gosta de dados precisos e informações objetivas, dizer que não existem verdades geográficas absolutas pode parecer chocante, para nós, montanhistas e aventureiros, os segredos da natureza são um convite à exploração. E ir atrás da nascente do Amazonas, ou de uma de suas nascentes principais, pode ser uma ótima desculpa para colocar a mochila nas costas e partir para uma das regiões mais incríveis da Cordilheira dos Andes.

Até a década de 1950, o rio Marañon, que tem suas principais nascentes nas cordilheiras Raura e Huayhuash, perto do Cordilheira Blanca, nos Andes peruanos, era considerado o principal rio formador do Amazonas. Folheando o livro da americana Annie Peck, “A search for the apex of America”, publicado em 1911 e um dos clássicos no montanhismo nos Andes, por exemplo, encontramos um capítulo sobre a visita de Annie Peck à nascente do Rio Marañon na Cordilheira de Raura, tida como a nascente do Amazonas.

Annie Peck narra nesta obra suas cinco expedições ao Nevado Huascarán, na Cordilheira Blanca, a maior montanha peruana. Peck acabou conquistando o Huascarán Norte (6.655 m), junto com dois guias suíços, fazendo a primeira ascensão do cume que, até então, era visto como o ponto culminante dos Andes peruanos (depois provou-se que o cume sul, com 6.768 m, é que era o mais alto).

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A partir dos anos 1960 outras teorias surgiram sobre possíveis novas nascentes “verdadeiras” para o rio Amazonas e o alvo das prospecções passou para o sistema Apurímac-Ucayali e, consequentemente, para a Cordilheira de Chila, na região de Arequipa.

A Cordilheira de Chila é uma cadeia de montanhas pouco conhecida e explorada (sobre essa cordilheira, leiam o primeiro artigo de nossa série “As cordilheiras esquecidas dos Andes”). Faz parte do sistema da Cordilheira Ocidental peruana e localiza-se acima do Cañon del Colca, o segundo cânion mais profundo do mundo, próxima à Cordilheira de Ampato e à Cordilheira Vulcânica.

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Inicialmente, cogitou-se que a principal nascente do Amazonas pudesse estar situada na Quebrada Yanacocha, no Cerro Minaspata (5.555 m), a montanha mais alta do grupo Minaspata–Ccacsata, uma das cadeias que formam a Cordilheira de Chila.

Andes peruanos

Porém, logo a seguir as pesquisas deslocaram-se para o Nevado Mismi (5.597 m), principalmente após a expedição de Loren Mc Intyre em 1971, cujos resultados foram publicados pela revista National Geographic, apontando a verdadeira nascente como estando em um imenso paredão rochoso localizado aos pés desse nevado, a aproximadamente 5.150 m de altitude, na Quebrada Carhuasanta.

A repercussão atraiu a atenção de outros exploradores e pelo Nevado Mismi passou, em 1982, o francês Jean Michel Cousteau, filho de Jacques Cousteau, corroborando os resultados de Mc Intyre.

nascente do Amazonas, nos Andes peruanos

Em 1996 uma nova expedição organizada por instituições peruanas e russas voltou à Cordilheira de Chila, tendo como um objetivo explicitamente definido determinar a “verdade geográfica” sobre a nascente do Amazonas que, como resultado dessa expedição, foi novamente desviada, dessa vez para a Quebrada Apacheta, no vizinho Nevado Quehuisha (5.323 m).

nascente do Amazonas, nos Andes peruanos

Finalmente, nos anos de 1999 e 2000, duas expedições conduzidas conjuntamente pela Universidade Carolina de Praga, da República Tcheca, e pelo Instituto Geográfico Nacional, do Peru, chegaram a uma conclusão relativista, diferindo-se do caráter determinista da expedição de 1996, que buscava uma “verdade geográfica”: não seria possível identificar uma única e exclusiva nascente para o rio Amazonas, pois a mesma varia conforme o critério utilizado.

Os pesquisadores envolvidos propuseram assim, que a área compreendida pela confluência de quatro nascentes (Carhuasanta, Apacheta, Ccaccansa e Sillanque), que formam o rio Loqueta, fosse considerada a nascente do Amazonas.

nascente do Amazonas, nos Andes peruanos

Se o critério aplicado para determinar a nascente fosse o do curso de água mais extenso, a mesma teria que ser atribuída à Quebrada Ccaccansa, que também é a mais alta entre as quatro, situada a 5.177 m. Se fosse adotado o critério do ponto mais distante da foz, a primazia passaria para a Quebrada Carhuasanta, que também tem a maior área hidrográfica.

E se fosse considerado o maior volume no fluxo de água, a Quebrada Apacheta, junto com a Quebrada Carhuasanta, seriam as escolhidas.

nascente do Amazonas, nos Andes peruanos

Simbolicamente, foi colocada uma placa no paredão da Quebrada Carhuasanta, explicando resumidamente a questão das nascentes do Amazonas e registrando ser aquela água que brota do Nevado Mismi a fonte que da origem ao maior rio do planeta.

Das quatro nascentes, a da Quebrada Carhuasanta, na parede de pedra chamada pelos campesinos da região como Choquecorao (não confundir com Choquequirao, o nome de uma das antigas cidades incas na Cordilheira Vilcabamba), realmente é a mais bonita e emblemática de todas, surgindo em uma pequena gruta no meio das rochas para formar, em seguida, uma cascata que da origem ao rio Carhuasanta.

nascente do Amazonas, nos Andes peruanos

Andes peruanos

A caminhada até o Nevado Mismi, com destino à nascente do Amazonas, tem tudo para se tornar um roteiro de trekking clássico dos Andes. Existem várias possibilidades para se chegar ao Mismi, sendo as mais interessantes aquelas que saem do Cañon del Colca, ao sul, e após cruzar o cânion, sobem a Cordilheira de Chila por 2 ou 3 dias, buscando algum passo de montanha que dê acesso à parte norte dessa cordilheira, onde se encontra a Quebrada Carhuasanta e a nascente.

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A visão que se tem desde a Cordilheira de Chila dos abismos do Colca e dos vulcões das cordilheiras vizinhas (como o Sabancaya soltando fumaça) é inesquecível. É possível acampar um pouco abaixo da nascente, em uma área plana, protegida por blocos de pedra e cercada de verde e passarinhos cantando.

Isso a mais de 5.100 m de altitude, um lugar verdadeiramente idílico!

Não é à toa que os incas consideravam o Nevado Mismi uma montanha sagrada, certamente conheciam sua importância como fonte de água e de vida.

Explorando a nascente do Amazonas, nos Andes peruanos

Para o regresso pode-se optar por uma quebrada diferente, das muitas que existem ao longo do Cañon del Colca, vencendo novamente algum passo de montanha que leve à porção sul da Cordilheira de Chila e que permita a descida até o Colca.

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