Pergunta simples e complexa: Como é ser mulher no mundo dos esportes outdoor?

Nota do editor: Na semana da mulher, a Revista Blog de Escalada pediu que praticantes destacadas de seus esportes escrevessem seus sentimentos sobre o universo outdoor, tendo toda a liberdade para expor seus sentimentos. Desta maneira a Revista Blog de Escalada, mais uma vez, demonstra ser o veículo brasileiro que mais respeita a diversidade.

O texto é de inteira responsabilidade e autoria das convidadas. Sem qualquer tipo de censura prévia.

A quarta convidada na semana da mulher é montanhista carioca Beatriz Carvalho


Por Beatriz Carvalho

Hoje fui pega de surpresa com a seguinte pergunta: Como é ser mulher no mundo dos esportes outdoor? Pergunta tão simples e ao mesmo tempo tão complexa. Comecei na escalada em 2012. Com ela veio o montanhismo. Em seguida engrenei no triathlon e ao mesmo tempo no paraquedismo.

Em todos esses esportes sempre estive cercada pelo universo masculino. Com a proximidade da comemoração do dia internacional da mulher, acho que vale a pena refletirmos e pensarmos na presença da mulher nesse universo além de dividir um pouco com vocês a minha experiência.

Foto: Acervo pessoal Beatriz Carvalho

Comecei no esporte outdoor com a escalada. Fiz um curso que foi ministrado por um guia homem e comigo fizeram o curso mais dois homens. Após o curso sempre escalei com meu namorado da época ou com meu professor. Frequentei um muro de escalada que em sua maioria era frequentado por homens, em que pese a presença de algumas mulheres. A partir de 2014 comecei a escalar com o Edinho, meu marido, e a verdade é que poucas vezes escalei com outras mulheres. Quando o fiz sempre foram amigas minhas ou do meu marido que não estavam inseridas no mundo outdoor, mas que de alguma forma, pela gente, se interessaram por se aventurar.

No trekking pelas montanhas não foi muito diferente. Poucas vezes fiz trilhas com acampamento somente acompanhada por mulheres. Em sua maioria sempre fiz trilhas com os amigos do meu marido e suas esposas/namoradas exceto raras exceções de amigas minhas que resolveram me acompanhar ou amigas dele que já estavam inseridas no mundo outdoor.

Foto: Acervo Pessoal Beatriz Carvalho

E como é no paraquedismo? Posso dizer que essa é a modalidade que menos conheci mulheres praticantes. Raras foram as vezes que subi num avião com outras atletas para saltar. Em sua maioria quando o público feminino está presente na área de Resende, aonde salto, é para um salto duplo. Isso não quer dizer que seja um esporte exclusivamente masculino. Essa é somente a minha experiência. Fiz um curso com vários instrutores homens e numa escola em que não tem nenhum instrutor do sexo feminino.

Já no triathlon a presença da mulher é bem maior do que nos outros esportes citados. Não posso dizer que se trata de um esporte outdoor na essência quando o que pensamos é o contato com a natureza. Pratico o triathlon de estrada e o nosso treino é bem urbano. Mas, posso dizer que nele também a presença masculina é predominante.

Mas e o que isso impacta em você? Confesso que poucas vezes sofri algum tipo de preconceito ou abuso por ser mulher no mundo outdoor. Acredito que grande parte disso seja sim por estar sempre acompanhada pela presença masculina. Sempre pratiquei esportes outdoor com um companheiro. Se teria medo de fazer algumas atividades sozinha? A resposta é sim. Acredito na vulnerabilidade feminina frente ao machismo ainda muito presente na sociedade em que vivemos.

Nunca vou esquecer de um treino quando me preparava para a minha primeira prova de triathlon de longa distância, o Ironman 70.3. Precisava correr uma longa distância após um treino de pedal que fiz numa praia oceânica na cidade onde moro. Meu marido foi me encontrar após o pedal para buscar a minha bicicleta e para evitar correr em círculos pelo mesmo lugar que já estava a horas pedalando optei por ir correndo para casa passando pela cidade. Ele foi de carro às vezes a minha frente, as vezes um pouco atrás de mim.

Em certo momento, sem ter onde parar para me esperar deu uma distância maior e fiquei para trás numa grande subida. Em meio a longa estrada a todo momento me deparava com carros passando e fazendo piadinhas, assobiando para mim e me olhando de uma forma assustadora. Eu estava cansada, suada e com medo. Sem contar os cachorros que correram atrás de mim e me fizeram acelerar, passei por momentos bastante complicados. Quando cheguei aonde o Edinho estava parado com o carro desisti do treino e quis ir para casa. Só uma mulher sabe o que é ter medo sem ter absolutamente nada que pudesse ser roubado. Se sentir vulnerável diante de “piadas inocentes” ou “assobios de elogio”.

Certa vez me senti discriminada na montanha por ser mulher. Fiz uma expedição no Monte Roraima com o Edinho, um amigo e mais dois casais. No Monte Roraima é obrigatório ir com um guia para fazer a expedição. Juntamos, então, dois casais que toparam a aventura com pacote completo. Ou seja, carregadores, alimentação e guia incluídos. E fomos eu, Edinho e Leão com todo o nosso equipamento, alimentação e com o mesmo guia em comum. No terceiro dia da expedição era o dia de subirmos o Monte. Ao chegarmos na base da montanha para dormir o guia avisou que eu não poderia subir com a minha mochila. Eu tinha completado dois dias de caminhada bem.

Estava cansada, dentro do esperado e não estava ficando para trás com relação ao grupo. Eu havia me preparado para aquele momento e estava decidida a carregar a mochila que estava comigo com todo o peso que tinha me proposto a levar. Fiquei indignada quando ele disse que eu não poderia subir com aquela mochila porque nunca tinha visto uma mulher fazê-lo. E assim foi. Em que pese toda a contrariedade do guia, fiz conforme havia planejado. Foi uma subida dura, mas em nenhum momento atrapalhei qualquer integrante do grupo, nem mesmo fiquei para trás. Conclui mais um dia de caminhada com sucesso, mas tendo que enfrentar a contrariedade daquele que deveria me apoiar.

Sou grande admiradora de atletas e esportistas do sexo feminino. A coragem das que se aventuram sozinhas me inspira. Temos grandes exemplos como a Carol Emboava na cicloviagem e mulheres de garra como a Camila Macedo que transborda uma energia incrível nos treinos e competições de escalada. Esse mês tive o prazer de entrevistar a Camila Caggiano do Sob as Estrelas que está numa viagem de van sozinha e a Samanta Chu que é esportista outdoor e dá aulas de primeiros socorros em ambientes remotos pela WMAI que inclusive montou uma aula para um grupo somente de mulheres em homenagem ao dia internacional da mulher.

Acredito que o número de mulheres no mundo outdoor vem crescendo bastante. Na curadoria que faço no instagram (@mulheresqueescalam) vejo inúmeras mulheres incríveis no mundo da escalada. São mais de 14 mil seguidores orgânicos que gostam de apreciar a escalada feminina. Além disso tenho acompanhado perfis como o @adrena_ladies que mostra como somos muitas no paraquedismo também. Em encontros como o Vivência Outdoor e o Adventure Sports Fair que rola todo ano no Brasil e eu tenho participado como palestrante junto ao Edinho com o nosso Site Sua Casa é o Mundo, temos visto crescer e muito a presença de mulheres que se interessam, participam e integram o universo outdoor.

Se me perguntarem se sinto falta de mais mulheres nesse meio, a resposta é sim. Gosto da identificação que rola com o público feminino. Só uma mulher vai entender quando eu contar que fiz uma prova de IronMan 70.3 na França menstruada, inchada e com cólica sem esperar que isso fosse acontecer naquele dia. Quando falamos de pessoas bem treinadas, o fato de eu só fazer expedições cercada de homens, isso gera em mim uma sensação de impotência muito grande. Nunca me sinto preparada fisicamente o suficiente somente pelo fato comprovado de que homens bem treinados são mais fortes em sua maioria do que mulheres bem treinadas. E as competições esportivas divididas por categorias femininas e masculinas estão aí para provar o que estou dizendo.

Dessa forma, a conclusão que chego é que estamos caminhando sim para um mundo em que a presença feminina será cada vez maior em todos os ambientes, seja ele político, acadêmico, empresarial ou esportivo. Mas, ainda existe muito a se evoluir, a mulher ainda tem muito espaço para conquistar. O homem precisa respeitar mais a mulher, respeitar as diferenças e rever seus conceitos de como olha e como “elogia”. Para as mulheres que têm vontade de se aventurar mas sentem medo, a minha dica é para que deem o primeiro passo.

Busquem conhecimento e rompam a inércia, com certeza irão se deparar com um universo de possibilidades. A mulher cada vez mais se afirma e conquista espaços no mundo outdoor com a certeza de que lugar de mulher é aonde ela quiser.

There is one comment

  1. Elenice

    Muito boa a leitura. São pessoas como você que nos inspiram a dar o primeiro passo, sair da inércia, definir um objetivo e ir… Gosto de me planejar antes e ler estórias como essas. Obrigada por compartilhar suas aventuras Bia. Vamos q vamos! Qual eh a próxima mesmo?

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