Lucro e negócios na escalada: É realmente possível viver do esporte?

Tenho visto pelas redes sociais, como são crucificadas as pessoas que tentam “viver” da escalada. Desta maneira, dizer que é ruim ganhar dinheiro que trará comida e teto (para a pessoa e sua família), não sei em que mundo vive estas pessoas. É ruim ter de trabalhar, mas é pior ainda não ter um trabalho.

Uma palavra que é usada frequentemente é o termo “lucro”, que por mais que seja mal usado somente significa benefício econômico de um negócio. Mas como alguns meios de comunicação o fizeram popular, é mas fácil atirar pedra do que entender pois, evidentemente, é fácil desta maneira.

Foto: Tavares Junior

Deste ponto de vista usarei a palavra lucro com um sinônimo ruim de ganhar dinheiro excessivo a partir de uma ação (não necessariamente um negócio) com alta falta de ética e moral (assim parece melhor?).

A primeira coisa que devo perguntar é: Você realmente acredita que é possível ganhar dinheiro com a escalada? Acreditam que deixaram uma moeda de ouro embaixo do seu travesseiro se deixar um dente? Papai Noel e os reis magos lhe darão o presente que pediu?

Independente do que tenha respondido a estas perguntas, não seja ingênuo, ou bobo, pois a escalada nunca lhe dará dinheiro para que tenha uma viga folgada, muito menos irá encher o bolso de dinheiro. Uma coisa é ser dono de uma loja de escalada, na qual vende roupa, não necessariamente equipamentos de escalada. Para que tenha uma ideia, por volta de 80% das pessoas que compram estas mesmas roupas jamais encostou a mão em uma rocha e, pasmem, duvido que o façam. As lojas de produtos de escalada, quanto mais se distanciam da escalada, mais dinheiro ganham… Mesmo que parece ridículo.

Se decidir trabalhar e viver de escalada, saiba que é uma área muito instável, que paga mal com alta oferta e pouca demanda. Os salários não são melhores que um professor de primário, incluindo é até pior se decidir viver de maneira independente e ministrar cursos de escalada.

Quanto vale um curso de escalada? Que deixe o mercado ditar o valor.

Já escutei e vi muitos escaladores/professores/treinadores que tiram uma calculadora do bolso para multiplicar quanto ganham ao mês, em função dos alunos por cada curso que dará em cada fim de semana. Neste momento salta os cifrões nos olhos. Mas desta teoria até que tenham a cada fim de semana uma quantidade mínima de alunos é outra realidade. Isso porque nem todo mundo é apadrinhado de um dono de ginásio (que atua como uma mistura de mecenas e mafioso) para burlar esta lógica.

A massificação na escalada é um tema que vai longe, passando desde o ponto de vista meio ambiental, passando pelo colapso dos locais de escalada, e chega até nas panelinhas. Mas mesmo assim, este número crítico de pessoas novas no esporte gritando por ter cursos de escalada. A realidade não é assim. Um exemplo claro é a quantidade de oferta de curso de escalada em redes sociais e que, por estas coisas da vida, não são repetidas com o passar do tempo. Isso porque a realidade dos cursos de escalada é que não se pode viver decentemente, muito menos manter uma família.

Ginásio de escalada

Montar um ginásio de escalada, pode parecer que aí que choverá dinheiro. Devo dizer que muito menos este tipo de negócio. O investimento em um ginásio de escalada é proporcional ao que ganhará.

Falemos de cifras reais. Caso não tenha herdado a matéria prima (paredes e agarras) de algum mecenas, um investimento de US$ 15.000 (que é baixíssimo para um ginásio) não chegará a ganhar mais de US$ 800,00 ao mês. Cifra esta que leva em conta apenas aluguel e gastos comuns, mas não os salários.

Este ginásio modesto viveria no limite e bastaria que um ginásio maior e, em teoria, mais bonito monte ao lado de você para que seus clientes escaladores migrem em massa. Desta maneira, apenas para que saiba, com clientes não há muita lealdade, pois são os mesmos que criticam o lucro que são os primeiros que vão embora. Mesmo pagando um pouco mais por um serviço melhor.

Um investimento mais pomposo de US$ 150.000 melhora bastante as coisas. Mas um lugar a nível profissional possui gastos operacionais altíssimos. Um ginásio de tal envergadura significa, no mínimo, 12 a 1 empregados e cada um deverá receber um salário (porque ninguém irá trabalhar de graça). Os gastos comuns (aluguel, luz, agua, IPTU, etc) deste tipo de estrutura são altíssimos, chegando a superar US$ 5.000, dependendo da localização.

Além disso se somar ao montante de despesas o fato de que a cada tempo é necessário trocar material, agarras e outro tipos de equipamentos. O gasto operacional mensal e anual de um ginásio de escalada é altíssimo. O que fica para o lucro não supera o que um proprietário de uma loja de carros em um bairro de periferia poderia ganhar. Onde está o lucro aqui?

Escolas de escalada

O custo de cursos de escalada deveria ser alto, mas somente se professores estiverem bem preparados, com equipamento de primeira e boa didática. Conseguir transmitir tudo o que necessita para aprender o básico em escalada não é fácil, mais ainda se disso depende que seu aluno ponha em perigo sua vida (caso não aprenda direito). A partir deste ponto de vista, o conhecimento possui um valor, no qual não deve ser menosprezado.

Que exista instituições que acolham pessoas que não possuam dinheiro suficiente para fazer um curso. Claro que é bom, mas suponho que saiba que o professor que ensina também deve receber um salário.

Já vi muitas destas iniciativas morrer, por falta de como se sustentar. Alguém pode ter toda vontade do mundo de ensinar por amor e altruísmo, mas em algum momento descobre que não tem como pagar o aluguel ou alguma viagem, ou mesmo será pai ou mãe. Seguramente que a prioridade não será seguindo ensinando gratuitamente ou até diminuirá a disponibilidade drasticamente.

Pessoalmente ensinei gratuitamente por anos, mas quando minhas prioridades de viajar, ou criar os próprios projetos foram mais importantes, meu tempo teve um valor altíssimo. Minha decisão foi de que não era viável seguir com esta situação e que necessitava deste tempo para custear meus próprios sonhos. Afinal, não tinha nenhum milionário que me sustentava.

Quando as pessoas alegam ou faz comentários maldosos sobre cursos de escalada, somente deixa claro a falta de senso de ridículo. Incentivo a estas mesmas pessoas a tirar a calculadora do bolso novamente e fazer as contas de quanto é a hora de um instrutor de escalada. Não se esquecendo de somar nesta calculadora o valor do equipamento, cordas, etc, que facilita a prática inicial a cada escalada.

Foto: Hannes Huch

Pessoalmente acredito que, na maioria dos casos, quem pretende viver de escalada, ganhando dinheiro como um trabalho qualquer, são pessoas que enxerga a vida de uma maneira muito romântica de poder viver e trabalhar do que gosta. Isso acontece com muito poucas pessoas no mundo. Para as pessoas que pretendem “lucrar” com a escalada, em pouco tempo percebe o mal negócio que é e, infelizmente, se retira rapidamente.

Se deseja viver de escalada e ter uma vida de luxos, sinto informar que está equivocado no caminho. Se está decidido a criticar quem cobra e valoriza o conhecimento e trabalho, muito provavelmente não possui a menor ideia do quanto custa viver de escalada. Sem pessoas como estas, que ensinam e treinam, muito provavelmente jamais tivesse sabido deste esporte nem todas as coisas que conseguido nos últimos anos. Pessoas que decidiram tentarem pagar seus próprios gastos ensinando, treinando e criando em torno do esporte.

Ser editor de conteúdo de um site de escalada é também uma perda de tempo, caso seja o objetivo de ganhar dinheiro é o objetivo. Tiro novamente a calculadora e percebo o que poderia er ganho no tempo que dediquei à minha página e a projetos pessoais. Quase me da vontade de chorar, mas verdadeiramente eu acabo é rindo. Porque eu na verdade gosto do que faço, mais ainda quando as coisas saem bem, ou mesmo escrevo artigos em um dia de domingo. Tudo para passar o tempo, pelo menos isso serve.

Tradução autorizada de: http://rocanbolt.com

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There is one comment

  1. David rocha

    Só li verdades. Como ressolador ja vivo esta realidade. Como instrutor de escalada também. Conheco muitos donos de academia e tambem, todos na mesma situação. É mais amor que lucro. Ainda sim, que bom que muitos seguem este caminho e propciem meios para que sigamos escalando.

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