Homens comuns também criam histórias – Quando o que menos importa é o destino

Foi um ano difícil, não apenas para mim, mas para todos nós. Meu pai havia perdido a luta para o câncer e eu saído de um emprego estável em um país em crise. Mas foi o impulso que faltava para ir atrás de uma jornada de autoconhecimento.

Desde o início eu sabia que seria difícil. Primeiro pela minha escolha de fazer em solitário, criando a possibilidade de uma tentativa sem volta. Depois, por escolher o estilo alpino, no qual eu carregava tudo o que precisava, quase 25 kg, durante todo o percurso. E mesmo que todos me pedissem para não ir, eu fui. Pois não podemos fugir de quem somos. Eu havia decido ir conquistar o cume do Cerro Plata (5.968 m), no Cordon del Plata.

Finalizando o planejamento no estilo argentino | Foto: Marcos Ramos

O início de uma aventura

O primeiro dia foi no refúgio San Bernardo, onde passei a noite tomando cerveja, fazendo amigos e conversando sobre a cordilheira. Me acostumando com um ganho de mais de dois mil metros de altitude.

Na madrugada do próximo dia, fui rumo ao acampamento El Salto e tudo ia bem até meu saco de dormir estourar e descer montanha abaixo após 2 quilômetros. Caramba! Por que não pensei em fazer um backup na amarra? Ter que descer tudo para recuperar o saco e voltar me atrasou bastante e me desanimou. Mas eu continuei.

Parei para preparar o almoço na Pedra Grande. Um lugar sereno, onde já se tem a vista do topo das montanhas mais baixas. Foi quando percebi que as nuvens estavam avançando muito rápido. Isso geralmente significa precipitação em 48 horas, mas eu nunca tinha visto tamanha velocidade. E quando estava quase chegando a El Salto, foi que a neblina começou a descer.

Como estava perto, resolvi apertar o passo para poder levantar o acampamento. Não valia a pena voltar para Pedra Grande. E assim o fiz. Montei a barraca e me abriguei a tempo de uma tempestade. O branco do gelo já estava presente e os ventos eram mais fortes. Aproveitei para descansar um pouco. E a aventura começou.

O inicio da caminhada | Foto: Marcos Ramos

Um pouco depois das 19 horas, acordei com uma temperatura muito baixa dentro da barraca. Algo estava errado. Levantei e vi água em todo canto. A barraca que eu havia alugado tinha um furo pequeno.

Foi quando precisei tomar uma decisão: deveria voltar ou permanecer? Chamei o refúgio pelo rádio. Paula, que havia conhecido na noite anterior, respondeu. Contei a situação, meu plano e pedi sua opinião. Ela verificou o clima (eles possuem uma estação meteorológica) e disse que a chuva ia piorar. Então decidi colocar minhas coisas no plástico dentro da barraca, pegar o essencial e voltar. Desci dois acampamentos abaixo até encontrar um lugar sem chuva e bivaquei em uma pedra.

No outro dia, voltei a El Salto. Aproveitei as poucas horas do sol para secar tudo e ir para o acampamento La Hoyada montar o que seria meu acampamento base para o cume. Eu já estava entre os cumes das duas grandes montanhas com um glaciar logo a frente. O clima parecia bom, e decidi fazer minha primeira tentativa ao cume, pois ainda era cedo. Queria conhecer o terreno e ver como estava minha aclimatação. Ao chegar no col, que separava o Vallecitos e Plata começou a chover e ventar muito. Achei prudente voltar e esperar o tempo melhorar.

Um cume, um erro e uma decisão

Mais um dia, agora saindo de madrugada em direção ao cume. Chamei o abrigo pelo rádio para saber do clima. Me disseram que seria um bom dia, embora havia nevado na noite anterior deixando a temperatura baixa, me preparei e fui em direção ao Plata.

Depois de algumas horas, o vento começou a ficar muito forte e devido a neblina, a visibilidade estava comprometida. A navegação estava sendo feita por bússola até o momento, então comecei a usar o GPS por segurança.

Após mais um tempo de caminhada, tive um vislumbre do cume. Branco, impressionante e não muito distante. Mas durou pouco, pois logo a neblina já havia coberto tudo.

Foi quando começou a chover granizo. Um evento raro para uma montanha. Agradeci por ser “conservador” e ter levado o capacete, mas ainda assim me machucava. O vento estava tão forte que mal conseguia ficar em pé.

Neblina começando a fechar o tempo | Foto: Marcos Ramos

Ao olhar no GPS, vi que estava a 650 metros do cume. Faltava pouco. Mas tive que tomar a decisão mais difícil: O clima estava piorando muito rápido, deveria continuar ou desistir? Pois eu não tinha muita experiência em situações assim. Foi então que percebi que estava sem meu SPOT. Havia deixado na barraca.

Eu sempre tenho ele comigo, até em passeios, mas não desta vez. Era ele que dava a garantia de não estar totalmente louco em fazer esta aventura sozinho. Eu precisava voltar. Estava com medo.

Foram 4 horas até o acampamento base, pensando. Mesmo sendo a escolha certa, não era fácil aceitar.

De noite, o abrigo me chamou pelo rádio. Disseram que o clima iria piorar mais. Que assim que tivesse uma janela, deveria retornar e esperar no abrigo até melhorar. Então acordei de madrugada, e comecei minha decida. Ao chegar, vi que a previsão não estava a meu favor, e decidi voltar para casa.

O que importa não é o destino…

De todas as montanhas que fiz, o universo sempre conspirou a meu favor. Esta foi a primeira vez que pude presenciar o poder de uma alta montanha. Não existe o seu desejo, mas a imponência dela. Mas não fiquei chateado. Sabia que tinha feito a escolha certa. Nesta viagem pude vivenciar puramente o ditado no qual se diz que o mais importante não é o destino, e sim a jornada. E pela primeira vez, em meses, eu senti paz.

E esta foi minha aventura. Não deu cume, mas foi sem dúvida incrível. E não tem como explicar. Passei por maus momentos, muito frio e dores em todo o corpo. Mas pude perceber que, pessoas comuns como nós, podem sim ter grandes histórias para contar.

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