Planejamento na Fotografia de Montanha

“You don’t take a photograph, you make it.” – Ansel Adams

Refletindo sobre a famosa frase do mestre Ansel Adams, nós chegamos ao nosso terceiro artigo sobre fotografia de montanha para a Revista Blog de Escalada.

Se você não leu os dois primeiros basta conferir nos links abaixo:

  1. Equipamentos para fotografia de montanha
  2. Regulagens típicas para fotografia de montanha
Nascer do sol com névoa por trás de uma árvore, uma coincidência de eventos difícil de prever

Nascer do sol com névoa por trás de uma árvore, uma coincidência de eventos difícil de prever

Fotografar é criar uma imagem com a luz. Quando se tem luz boa tudo fica fácil. Por outro lado, quando a luz não é boa, não tem equipamento caro e Photoshop que faça a foto ficar boa. Por esse motivo, o fotógrafo de montanha deve ser um obstinado pela busca da melhor luz para suas fotos.

A Hora Mágica

Como regra geral, a luz mais bonita acontece ao amanhecer e ao entardecer, momento que os fotógrafos chamam de “a hora mágica” (the golden hour, em inglês).

Pode-se dizer que a hora mágica vai de meia hora antes até meia hora depois do nascer e do por do sol.

É extremamente importante compreender que o momento de cores mais intensas acontece cerca de meia hora antes do nascer do sol, e meia hora depois do por do sol.

Um erro que muitos fotógrafos cometem é fotografar o momento do por do sol, guardar o equipamento e ir embora, muitas vezes perdendo a parte mais bonita do entardecer.

Pico do Congonhas, foto feita cerca de 25 minutos após o por do sol, hora das cores mais intensas

Pico do Congonhas, foto feita cerca de 25 minutos após o por do sol, hora das cores mais intensas

Com a luz do sol na cena as coisas ficam um pouco mais difíceis, mas ainda é possível fazer boas fotos usando silhueta, contra luz, sombras, etc.

Amanhecer no Vale do Jaborandi, Três Picos.

Amanhecer no Vale do Jaborandi, Três Picos.

  Sol a 45º

Por volta do meio da manhã ou do meio da tarde, o sol está relativamente alto no céu, mas não a pino. Nessa hora se tem outra oportunidade bem interessante para fotografia de montanha, com o uso do filtro polarizador.

A posição do sol já acrescenta algumas sombras na paisagem, o que deixa as montanhas com relevo e textura.

Nessa hora, estando de costas para o sol, o filtro polarizador vai tornar o céu mais dramático, tornando o azul mais fechado e as nuvens mais brancas. Não é uma luz que se compara à luz da hora mágica, mas ainda é uma luz que pode ser bem aproveitada pelo fotografo de montanha.

Três Picos, Capacete e Crista do Dragão, foto feita no meio da manhã com o filtro polarizador circular.

Três Picos, Capacete e Crista do Dragão, foto feita no meio da manhã com o filtro polarizador circular.

  A Conspiração

O verdadeiro fotógrafo de montanha tem que ser um obstinado, pois tudo parece conspirar contra ele. Os clubes de montanhismo, via de regra, tem programações diurnas – a turma se encontra depois do café e parte pra montanha, e a hora mágica já ficou para trás…

Quando a turma chega no topo da montanha já é por volta de meio dia, com a pior luz possível. Na hora mágica da tarde é comum a turma já estar em casa. Muito divertido, mas péssimo para fotografar. Quando se viaja para um local turístico a gente acaba seguindo o horário do café da pousada ou hotel e já começa o dia perdendo a hora mágica.

Os passeios guiados são normalmente depois do café das pousadas (óbvio!) e lá se vai nosso dia de fotografia. Na hora do por do sol já está todo mundo “entregue” de volta nas pousadas, descansando e tomando banho para sair à noite. Se a gente realmente quer conseguir nossas grandes fotos de montanha, devemos entender que quem manda na nossa programação é a luz.

Não só a luz, mas diversas outras condições naturais envolvendo formação de nuvens, entrada de chuva, floração das árvores, visibilidade, etc. Quando se fotografa em estúdio, você fecha a porta e cria artificialmente as condições de luz que você precisa para obter o resultado que você quer.

Na montanha a luz é natural e você precisa compreender essa luz para programar o melhor momento para conseguir sua grande foto. Parece complicado? É complicado mesmo…

Para piorar, mesmo com todo planejamento pode dar tudo errado.

Mas acredite, essa incerteza tem sua graça…

Fotógrafos de Montanha numa tentativa frustrada de fotografar um amanhecer no cume do Alto da Ventania – Flávio Varricchio, Jorge Goettnauer, Caio Garin e Waldyr Neto. (essa foto ficou conhecida como “os teletubbies”)

Fotógrafos de Montanha numa tentativa frustrada de fotografar um amanhecer no cume do Alto da Ventania – Flávio Varricchio, Jorge Goettnauer, Caio Garin e Waldyr Neto. (essa foto ficou conhecida como “os teletubbies”)

  Planejamento Reverso

“A good photograph is knowing where to stand.” Ansel Adams

Tudo começa na visualização de uma foto. Pode ser uma locação que você já visitou ou pode ser fruto de alguma pesquisa de outras fotos tiradas de um determinado local.

A visualização de uma foto é o ponto de partida para o planejamento:

Onde preciso estar?

Qual a melhor época do ano para fazer a foto?

Qual o melhor horário para fazer a foto?

Alguma condição climática em especial favorece a foto? O passo seguinte é planejar a saída para fazer a foto de forma reversa, ou seja, do momento da foto para trás. Melhor explicar com uma série de exemplos.

Um amanhecer no Alto da Ventania

O Alto da Ventania é uma montanha que fica na Serra da Estrela, em Petrópolis.

É uma montanha ampla, com cristas e formações rochosas.

Durante o verão é possível fotografar o amanhecer de lá, pois o sol se desloca um pouco para sul e sai de trás do maciço da Serra dos Órgãos.

O estudo detalhado da posição e horários do nascer do sol foi feito usando o aplicativo The Photographers Ephemeris, que pode ser baixado grátis do site http://photoephemeris.com/

O Alto da Ventania é o ponto marcado pela gotinha vermelha, e a linha amarela é a direção do nascer do sol.

O Alto da Ventania é o ponto marcado pela gotinha vermelha, e a linha amarela é a direção do nascer do sol.

Com os dados na mão, fizemos nosso planejamento:

Nascer do sol: 6:19

Início da hora mágica: 5:50

Hora ideal de chegada ao cume: 5:30

Hora de início da caminhada: 4:00  (considerando uma hora e meia de caminhada)

Encontro do grupo em Petrópolis: 3:30 (considerando meia hora de deslocamento de carro)

Sair de casa: 3:15 Despertador 2:45

Com o planejamento executado à risca, consegui minha foto:

Hora mágica no Alto da Ventania

Hora mágica no Alto da Ventania

Por da Lua e o Pico do Congonhas

Era lua cheia e eu queria fotografar o por da lua próximo a alguma montanha com um perfil bonito.

Fiz meus estudos no The Photographers Ephemeris e vi que eu poderia fotografar a lua se pondo ao lado do Pico do Congonhas, um pico pontiagudo visível da subida da serra de Petrópolis.

Fui movimentando o cursor pela linha da estrada e achei o ponto exato da foto.

Na imagem o Pico do Congonhas está assinalado com uma seta vermelha

Na imagem o Pico do Congonhas está assinalado com uma seta vermelha

Calculei meus horários e consegui minha foto, exatamente como previsto.

Pico do Congonhas e o Por da Lua Cheia

Pico do Congonhas e o Por da Lua Cheia

Por da Lua sobre o Dedo de Deus

Numa outra lua cheia dei minha estudada no The Photographers Ephemeris e vi que seria possível fotografar a lua cheia se pondo sobre o Dedo de Deus. A foto seria tirada do cume da Pedra do Elefante, em Teresópolis.

A linha do por da lua, em azul escuro, passando sobre o cume do Dedo de Deus

A linha do por da lua, em azul escuro, passando sobre o cume do Dedo de Deus

Como eu moro em Petrópolis, o planejamento foi puxado…

Por da lua: 6:24 (na linha do horizonte, não no topo das montanhas)

Começa a clarear: 6:00 (estimamos que a lua estaria baixa, próximo às montanhas)

Hora ideal de estar no topo da montanha: 5:30

Início da caminhada: 5:00  (considerando 30 minutos de subida)

Hora de sair de casa: 3:30  (considerando uma hora e meia de estrada)

Despertador: 3:00

Chegamos no topo da montanha, fizemos um lanche e u fiz um registro dos obstinados fotógrafos de montanha em ação.

Esperando o por da lua no topo da Pedra do Elefante – Flávio Varricchio, Arthur Mariano, Eduardo Gelly e Waldyr Neto

Esperando o por da lua no topo da Pedra do Elefante – Flávio Varricchio, Arthur Mariano, Eduardo Gelly e Waldyr Neto

Quando o dia começou a clarear a lua se escondeu na névoa, mas mesmo assim acho que consegui uma foto bem bacana.

Serra dos Órgãos e o Por da Lua

Serra dos Órgãos e o Por da Lua

Entrada de uma Tempestade

Era uma tarde de dezembro. Estava sol, mas a previsão era de chuva. Assim que o tempo fechou arrisquei uma ida a uma pista de voo livre num lugar chamado Parque São Vicente.

Não fiz nenhum grande estudo, mas fui contando com a possibilidade de fazer alguma foto na linha dos Caçadores de Tempestade (Stormchasers, em inglês).

Já tinha tentado pegar uma entrada de tempestade muitas vezes sem sucesso, mas dessa vez eu consegui. Nessa foto optei pela conversão para preto e branco para tornar a cena mais dramática.

Entrada de uma tempestade sobre a Serra do Tinguá.

Entrada de uma tempestade sobre a Serra do Tinguá.

A Incerteza

O planejamento não é garantia de conseguir grandes fotos, mas aumenta bastante as chances. O aplicativo The Photographers Ephemeris é relativamente fácil de usar, mas nem sempre é fácil se localizar no mapa. É importante ir praticando e comparando o que foi planejado com o que realmente ocorreu.

Com o tempo a gente vai desenvolvendo uma habilidade de pré-visualização das fotos, um conceito desenvolvido pelo mestre Ansel Adams: Você vê uma cena e imagina essa cena numa condição ideal de luz, sombras, formação de nuvens, etc. Feito isso, a ideia fica guardada até que as condições aconteçam e você volte para conseguir sua foto. Às vezes é preciso voltar, voltar, voltar…

Com essa nossa conversa sobre planejamento eu encerro aqui o ciclo de três artigos sobre fotografia de montanha. Espero o material seja útil e espero conseguir despertar em cada leitor o “obstinado fotógrafo de montanha” disposto a compreender e perseguir a melhor luz.

Como uma última mensagem, digo que vocês devem acima de tudo curtir a montanha e a companhia dos amigos de aventura, pois nem sempre será possível voltar pra casa com as grandes fotos.

Sem essa filosofia, a fotografia de montanha em alto nível pode ser algo extremamente decepcionante.

“Landscape photography is the supreme test of the photographer – and often the supreme disappointment.” Ansel Adams

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