Para quem não conhece, a Nols é uma empresa americana que oferece seus cursos de educação outdoor para todos os públicos em diversas partes do mundo.
A empresa construiu uma sólida imagem desde sua fundação em 1965 e graças à seriedade e comprometimento dos seus profissionais ela ficou conhecida como a “Harvard” das escolas de educação outdoor.
Existem diversas opções pelas suas filiais ao redor do mundo, com cursos que vão desde uma semana até seis meses de duração.
A educação ao ar livre é uma forma de trazer conhecimento para os seres humanos através da vivência e do contato com a natureza, experimentando desafios e superando limites.
Para falar de educação outdoor, primeiramente precisamos concordar e partir do princípio que o Brasil infelizmente não tem tradição nessa área, tampouco a valoriza.
Qual mochileiro nunca foi taxado de “hippie” ou “maluco”?
Rótulos aparentemente inofensivos que no fundo depreciam essa minoria que descobriu o prazer em não ter roteiro e prefere um saco de dormir a uma cama, pois ser mochileiro é muito mais que uma escolha, é um estilo de vida.
Infelizmente ainda é um estilo de vida com poucos adeptos se levamos em consideração as dimensões geográficas e o potencial de todas as belezas naturais do nosso país.
No Brasil a Nols oferece somente um curso, “semester in the amazon”, e apesar do nome “semestre na Amazônia” o curso tem a duração de um pouco menos de 3 meses.
O baixo interesse por parte dos brasileiros e o alto valor cobrado pelos cursos faz com que a grande maioria dos interessados venha de fora do Brasil, principalmente dos Estados Unidos.
Só pra dar uma ideia, dos 15 alunos que participaram do curso da NOLS Amazon 2012, 13 eram dos Estados Unidos, 1 da Alemanha e eu do Brasil, e por uma ótima razão – eu havia ganhado uma bolsa.
No momento que recebi a notícia que havia ganhado a bolsa senti um frio na barriga.
Típico daqueles momentos onde você toma consciência que uma decisão muito importante se aproxima.
Livros como “Mar sem fim” e “A incrível viagem de Shackleton” são exemplares permanentes na minha estante e pra mim só de pensar na possibilidade de conhecer a Amazônia remando uma canoa, morando com ribeirinhos e cruzando um parque estadual a pé, era mais ou menos como ser convocado para a tripulação do Paratii ou do Endurance.
Sendo assim, comuniquei a família e a namorada, preenchi todos os formulários para a escola, tranquei a faculdade de educação física no ultimo semestre, larguei o emprego e comprei uma passagem pro Mato Grosso, onde fica a sede da escola aqui no Brasil.
Nossa primeira semana foi toda dedicada à preparação da expedição e a ansiedade era evidente.
Tivemos 3 dias de curso de primeiros socorros na natureza (Winderness First Aid), onde foram aprendidas técnicas para atender vítimas em situações de emergência através de simulações.
Alguns instrutores-atores-voluntários incorporavam tão tenazmente os papéis de vítima, que um deles chegou ao ponto de urinar nas próprias roupas.
Nessa semana somos todos colocados para trabalhar em grupo e participar do processo de preparo de tudo o que diz respeito à expedição.
Pesamos e dividimos o alimento que seria consumido ao longo dos 80 dias da viagem, organizamos e checamos todos os equipamentos de grupo, os kits de reparos e os de primeiros socorros, ou seja, pudemos ver e sentir a energia da expedição crescendo dentro de cada um de nós.
A parte de campo do curso é dividida em 3 etapas que inclui uma rotina inescapável de trabalho bem definida, que consistia em: acordar muito cedo, preparar o café da manhã, lavar a louça, desmontar acampamento, arrumar os equipamentos pessoais e de grupo, assistir aulas, fazer uma reunião para rever o planejamento do dia e vistoriar o campsite à procura de pertences esquecidos e lixo antes de partir.
Na parte da tarde a rotina era encontrar um local preferencialmente plano com espaços apropriados para barracas e redes, fazer reunião de feedback, checar por sinais de formigas saúvas comedoras de barracas, montar acampamento (barracas, cozinha e redes), cozinhar e assistir aulas.
1° etapa – “river section” (35 dias, partindo da cidade de Aripuanã – MT chegando na rodovia Transamazônica – AM, passando por dois estados e mais de 400km remados nas águas do rio Aripuanã)
Somados os equipamentos, a comida, a biblioteca com mais de 40 livros (todos relacionados de alguma forma com a Amazônia e habilidades outdoor), os kits de reparo dos barcos e de primeiros socorros, tínhamos mais de uma tonelada de carga.
No início dessa primeira etapa, o grupo ainda muito inexperiente e sem entrosamento manifestava o amadorismo de muitas formas diferentes; lonas que pareciam bandeiras ao vento, fogareiros ao relento, café da manhã de sopa de granola, roupas esquecidas no temporal durante a noite, não tínhamos limites para demonstrar toda a nossa inexperiência outdoor.
Os instrutores não demoram a inserir as técnicas básicas de camping para dar mais autonomia ao grupo, como por exemplo, dar nós eficientes para esticar as lonas, como evitar a água nas redes e barracas, receitas culinárias impensadas de se fazer no camping como pão e pizza, não urinar próximo às barracas para não atrair insetos indesejados (abelhas e vespas pra mencionar os mais incômodos), entre outras.
A aula mais importante sobre técnicas outdoor que nos acompanhou até o final da expedição diz respeito ao princípio LNT (leave no trace), que em português significa algo como “sem deixar rastro”.
Esse princípio foi criado pela escola após muitos anos de experiência de campo e estudos científicos, onde foi compilado um conjunto de regras para adequar a conduta dos seres humanos ao visitar ambientes naturais, desfrutando da natureza com respeito, reduzindo impacto e preservando a vida selvagem, garantindo assim o mesmo direito para gerações futuras.
O princípio LNT é a espinha dorsal da escola e guia para qualquer tipo de expedição, e é dividido da seguinte forma: planeje com antecedência, acampe em superfícies duráveis, cuide de forma consciente do lixo, deixe exatamente como encontrou, minimize fogueiras, respeite a vida selvagem e seja cortês com todos os viajantes.
Uma receita simples que quando seguida à risca garante o equilíbrio não somente da vida selvagem, mas o equilíbrio da vida em qualquer lugar do mundo.
A sensação de estar na floresta é como entrar num organismo vivo e pulsante, silencioso e discreto, que ao ser observado com olhos atentos, descortina-se uma imensa e complexa cadeia, com variadas espécies de plantas e animais competindo constantemente entre si, e ao mesmo tempo vivendo no mais puro estado de equilíbrio.
A cada dia experimentávamos uma nova surpresa e entre sumaúmas e castanheiras as belezas da selva amazônica iam gradativamente se intensificando conforme adentrávamos por suas águas.
Eram botos, tamanduás-mirim, ariranhas, capivaras, beija-flores, cotias, pacas, ciganas, martin-pescadores, jacarés-açu, poraquês, tucunarés, uma diversidade interminável, digna da maior floresta tropical do mundo.
A expectativa de se ver vida selvagem, mas principalmente a Onça- pintada, era grande.
Todos sabiam que esse gato grande é muito tímido, mas foi uma decepção enorme pros mais destemidos ela não ter dado sinais durante os 35 dias.
Mas uma coisa ela fez pelo grupo, pois graças à possibilidade de existirem onças nas proximidades, nós éramos obrigados a fazer todos os nossos passeios de “evacuação” em duplas, sempre munidos do apito amigo que morava no peito de cada um.
Um dos pontos altos dessa etapa que não posso deixar de destacar foi o fato de já quase no último dia, tivemos o privilégio de escalar uma castanheira de mais ou menos 35 metros de altura.
A visão do alto de sua copa, acima de todas as outras árvores ao redor, era simplesmente impossível de se traduzir em palavras.
Como a linha do horizonte no oceano, onde o céu encontra o mar, um interminável tapete verde que se desenrolava infinitamente, tocando o horizonte bem ao fundo, e isso tudo ao lado da maior cachoeira do trecho que remamos.
Após algum tempo nessa incrível imersão na floresta, refletir sobre os hábitos que cultivamos na cidade é quase inevitável, e as conclusões nem sempre animadoras.
Também não posso dizer que terminei a etapa do rio um exímio remador, mas graças às técnicas de remo, os procedimentos de segurança e o conhecimento de como agir em situações de emergência, sinto que absorvi bastante conhecimento e dei um ótimo passo para remar com segurança em outras oportunidades no futuro
Leonardo Oshiro, é educador físico e profissional certificado no NOLS (National Outdoors Leadership School) , professor de pilates, personal trainer e é mochileiro desde os 17 anos.
Este curso/travessia parece algo épico. Fico imaginando quanto de alimento levaram para 35 dias… As dificuldade por que passaram e os laços de amizade que fizeram no final do período. Parabéns!
bom dia irmão.
onde posso me candidatar a bolsa da NOLS? não encontrei mais informações sobre.
Tenho grande interesse.
Grato
Boa Leo!
E de todos os cursos de Educação ao Ar Livre, o da Amazônia é um dos mais fantásticos.
Parabéns pela publicação!