[EXCLUSIVO] Entrevista com Léo Santiago – produtor de “My First Mountain”

Recentemente divulgado, o filme brasileiro “My First Mountain” está impressionando a quem está assistindo. O vídeo é a primeira produção brasileira a ter apoio da marca The North Face para a sua realização.

O filme foi recentemente avaliado pelo Blog de Escalada, e teve grande aceitação.

Méritos de toda a equipe que realizou o projeto. Principalmente por um resultado obtido em alto nível.

O Blog de Escalada procurou um dos produtores e idealizadores do projeto, o mineiro Léo Santiago, para falar mais sobre o assunto.

Acompanhe abaixo a entrevista:

 

1 – Léo, o que muda na vida de um escalador após realizar uma alta montanha?

Basicamente as metas e a noção de segurança. As metas porque abre-se a porta do montanhismo, que inexplicavelmente vicia no primeiro contato e te motiva a buscar outras montanhas marivilhosas que se pode escalar no mundo. A noção de segurança, porque é chocante como os guias locais estão acostumados com o ambiente, e confiam mais em seus crampons e piolets que qualquer proteção fixa ou móvel.

As condições, ou a falta de condições em ambientes de alta montanha impoem que o escalador aumente sua auto-confiança, e confiança no parceiro de cordada.

No filme há uma passagem em que um dos membros do grupo pergunta ao guia, quando encara a descida do cume do Tarija necessária à ascenção do Pequeño Alpamayo: “(…) para descer rapelamos?” e o guia responde: “não tanto rapelar, mas sim desescalar”… e todo mundo engole seco antes dessa descida, em que a única segurança é o seu parceiro na ponta da corda, sem proteções.

 

2 – Como foi o processo de produção do “My First Mountain”?

O processo de produção começou no nosso quintal quando tivemos a ideia de que esta expedição poderia ser tornar uma espécie de guia para iniciantes como nós em alta montanha.

Daí montamos o blog e começamos a registrar a preparação. Antes de ir para a Bolívia, ficávamos imaginando as cenas, o início e o final do filme, mas não houve um roteiro definido para capturarmos imagens com um objetivo determinado.

Capturamos tudo o que foi possível, e na volta, com uma quantidade massiva de material em mãos, começamos a filtrar, e desenhar a sequencia do filme.

Foi um trabalhão, que serviu de aprendizado para nós: não saia de casa sem um roteiro, pois é impossível captar tudo, e captando o máximo possível voce gerará muito material desnecessário à linha do filme, e perderá muito tempo que voce poderia estar dedicando à escalada em si.

 

3 – Muitas pessoas que realizam uma alta montanha costumam realizar palestras motivacionais em empresas. Voce pretende seguir esta tendência? Porque?

Na verdade não tinha pensado nisto até que foi perguntado agora. Mas acredito que este não seja meu perfil, nem minha intenção, e muito menos tenho tempo para isso!

A escalada e o processo de planejamento, dedicação, sofrimento, coragem, cálculo de riscos, e glória ao final é uma excelente metáfora para empresas, mas talvez esta abordagem seja tão batida que não valha a pena.

Vou deixar esta fatia do mercado para o Amyr Klink!

 

4 – Pela qualidade do filme que você ajudou a produzir já pode ser considerado um candidato ao título de melhor filme de 2012 no Festival de Filmes do Rio de Janeiro. Qual é a sua expectativa quanto a isso?

Ficamos muito animados com a crítica do Blog de Escalada, e com a reação do público (poucos amigos e familiares) da pré-estreia que fizemos aqui em BH!

Não sei sobre as outras produções que irão participar da Mostra Competitiva, mas é claro que temos muito orgulho do que produzimos, e queremos levantar o caneco! Um resultado como o melhor filme no Festival de Filmes de Montanha seria muito motivador e certamente traria frutos para conseguirmos novas produções, com recursos.

 

5 – O filme o qual você ajudou a produzir foi o primeiro brasileiro com apoio da The North Face, o que significou isso a você?

Ter a marca The North Face do nosso lado trouxe um peso e motivação a mais.

Embora não tivemos compromisso de sucesso e de chegar ao cume, fazer uma expedição apoiada ou patrocinada pela maior marca de vestuário de montanha do mundo traz uma pressão intrínseca – é claro que queríamos voltar com um resultado positivo, com os obejtivos alcançados.

Muitas pessoas consideram que uma expedição patrocinada é perigoso, pois pode influenciar em más decisões na montanha, com ambições distorcidas e pressões de quem está lá embaixo.

Felizmente isto não aconteceu conosco, pois como verão no filme, tivemos um momento de decisão de continuar ou desistir, sob péssimas condições do tempo, e a proposta do My First Mountain é justamente um grupo de amadores que tem a escalada como um hobby, e não de profissionais que vivem de escalada.

 

6 – Para quem planeja também subir uma alta montanha pela primeira vez, quais seriam seus conselhos?

– Vá com parceiros de escalada que já conhecem e tiveram experiencias em roubadas juntos.

– Treine o aeróbico e a resistência física e mental pelo menos 4 meses antes

– fazer pequenas viagens perto de onde voce mora, para caminhar, travessias a pé, escaladas que envolvam acampamento e qualquer coisa com poucas condições e que seja uma roubadinha… experiência de perrengue é fundamental!

– Treine sua flora (ou fauna) intestinal – comece a frequentar aquele bar copo sujo para criar uma resistência estomacal e intestinal

– Planeje seus dias de viagem, mas dê margem para imprevistos – se o tempo fechar, não há o que fazer e voce nao quer perder a oportunidade de estar lá…

– Escolha uma montanha acessível – há muitos locais na Am. do Sul que nao apresentam grande dificuldade técnica.

– Contrate um guia local indicado por quem já foi – não vá ao acaso em qualquer agência.

– Contrate cozinheiro – as vezes salva mais que o guia.

– Leve só o essencial – pesquise em literatura de montanha e em nosso blog – tem uma lista do que levamos e o que foi útil e o que foi supérfluo.

– Reconheça seus limites

– Na montanha, desprenda-se dos luxos e aceite o que vier…

– Adquira ou alugue bons equipamentos – a roupa e acessórios podem inviabilizar uma subida

– Insista na aclimatação – na minha opinião, 5 dias no mínimo antes é bom ficar indo e voltando acima dos 5.000 – e na Bolívia é muito facil chegar de carro a este nível.

– Leve uma camera fotográfica minimamente decente! e leia dicas de fotografia antes! serao os registros mais importantes da sua historia de escalada!

– Leia nosso blog! www.firstmountain.blogspot.com e veja nosso filme!

 

7 – Sua visão a respeito do esporte de escalada mudou após sua experiência? O que por exemplo?

Certamente mudou – reforcei a idéia de que o importante é ter um desafio à sua altura, e aproveitar sem querer ir muito além do seu limite pessoal. Uma via normal, de baixa dificuldade geral, me proporcionou a mesma sensação que uma via incrivelmente complicada e arriscada causaria em um atleta de ponta em alta montanha.

O mesmo vale para escalada esportiva – te garanto que me divirto em 7os e 8os da mesma maneira que a turma dos 10os se diverte.

Outra coisa que mudou também é saber que uma meta bem definida é muito importante para te motivar a se preparar, e isto pode significar o sucesso da sua empreitada, ou desafio. O mundo é muito grande e há muito o que explorar!

8 – Um tema recorrente, e que não há como fugir, é o assunto do acesso à locais de escalada. Como você vê a situação de alguns lugares de escalada serem fechados a escaladores?

A ameaça de acesso a alguns points de escalada é provocada, na minha opinião, por uma combinação de três fatores: descaso e desinformação dos governantes (em todas as esferas – federal, estadual e municipal); desunião e falta de organização dos escaladores e a falta de educação de poucos, que fazem muitos pagar por isto; a cultura individualista e desconfiada dos proprietários das terras onde estão nossos locais de escalada.

Há ainda os casos de conflito de interesses, por exemplo com a mineração, mas esta é uma ameaça que não reflete a maioria dos casos.

A pressão de grupos organizados de escalada, montanhismo e excursionismo muitas vezes consegue compatibilizar formas de todos saírem bem na história, daí a importância de mobilização ou no mínimo o apoio financeiro dos praticantes de escalada aos clubes e associações.

Na Bolívia por exemplo, o acesso às montanhas é controlado pelos moradores rurais locais, que cobram mixaria pelo acesso – não estou usando como exemplo por que estes moradores não dão nenhuma contrapartida por cobrarem, mas é uma maneira de compatibilizar interesses mútuos.

 

9 – Como é visto pelos bolivianos os brasileiros que vão à Bolivia escalar alta montanha?

O povo boliviano em geral foi bastante receptivo conosco, sempre dispostos à ajudar e informar. São muito pobres e simples, e de alguma maneira se identificam com os brasileiros, talvez por sermos todos latino-americanos.

Cheguei a pensar que o motivo de tanta receptividade é porque eles nos vêem como primos ricos, e veem em nós uma chance de ganhar uma graninha… mas com pouco tempo percebemos que o boliviano é aberto, alegre e tranquilo, mas também sofrido e sem grandes perspectivas.

Em relação ao brasileiro que vai para escalar alta montanha, creio que não há distinção com qualquer outro escalador de países diferentes do Brasil – os guias e locais vêem essa “tribo” dos montanhistas como um povo só, um bando de loucos que querem subir a Cordilheira dos Andes.

10 – Quais são as pessoas que você gostaria de agradecer pelo resultado obtido?

Agradeço ao Bruno Senna, diretor e idealizador que deu o sangue pra sair uma produção de tanta qualidade.

E em mesmo nível de gratidão, ao resto da equipe e parceiros de escalada – Caê, Gira e James – sem a contribuição de cada um não teria dado tão certo.

Agradeço também aos parceiros de escalada que já foram para lá e nos deram muitas dicas preciosas – Zé (Marcelo), Carlão, Gabriel Veloso, Breno Rates, Yan Ouriques e Alexis Loireau.

Por fim, agradeço também a Laila Faria, minha namorada, pela paciência, apoio e inúmeros pitacos durante a edição!

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