Entrevista com Seblen Mantovani

A maior reclamação de quem acompanha programas de TV é que as emissoras, as quais procuram retratar o universo outdoor, é a completa falta de realidade e uma pasteurização levada à última potência.

Dentro deste universo, recheado de falsas realidades e apresentadoras que são na verdade modelos travestidas de “montanhistas” (e às vezes até de humanitárias) o carioca Seblen Mantovani se destaca por ter oferecer uma visão mais perto da realidade do que é ser montanhista e escalador.

Foto: Arquivo Pessoal                                       Seblen Mantovani

Ecrins | Foto: Arquivo Pessoal Seblen Mantovani

Com um talento nato para captar imagens de beleza plástica e, ao mesmo tempo, uma nítida preocupação em não fantasiar, ou dramatizar, o que captura faz com que Mantovani seja dos grandes nomes na produção de vídeos outdoor da atualidade no Brasil.

Reconhecido, e por vezes até reverenciado, pelo público carioca que acompanha seu trabalho Seblen tirou um tempinho para conversar com a Revista Blog de Escalada para falar sobre sua carreira e suas divagações a respeito do universo de filmes outdoor e as tendências da atualidade.

Seblen, você é um cinegrafista de filmes outdoor com vários projetos realizados. Como foi que você foi parar nesta área?

Sou escalador a cerca de 18 anos e desde que comecei no esporte me interesso por fotografias e filmes sobre o tema. Sempre carreguei uma câmera durante as minhas escaladas e caminhadas.

Com o passar do tempo eu decidi que estudaria cinema e me dedicaria profissionalmente a fotografia. Assim que me formei passei a me dedicar cada vez mais ao assunto.

Atualmente trabalho como diretor de fotografia em diversos projetos dentro e fora do montanhismo.

A cerca de três anos viajo bastante dirigindo e filmando o programa Montanhistas para o Canal OFF, experiência que me faz evoluir muito como escalador e como profissional especializado em filmagem outdoor.

Na sua opinião, como você visualiza a produção de filmes outdoor no Brasil?

A produção de filmes outdoor no Brasil está crescendo rapidamente em termos de quantidade e de qualidade, mas ainda podemos melhorar muito. Percebo que as pessoas, profissionais ou não, estão focadas em produzir filmes cada vez melhores.

A alguns anos atrás eu ia ao Festival de Filmes de Montanha aqui no Rio de Janeiro e percebia que alguns dos vídeos produzidos por brasileiros eram feitos por montanhistas que levavam uma câmera em uma viagem e quando voltavam tentavam editar o material e transformar em um filme.

Foto: Arquivo Pessoal                                       Seblen Mantovani

Monte Cervino | Foto: Arquivo Pessoal Seblen Mantovani

O foco era a viagem e as escaladas, o material captado não era o propósito da viagem.

Não se pensava muito em roteiro, linguagem, captação cuidadosa e etc… Isso causava uma carência técnica muito grande. Hoje em dia, com a proliferação de festivais, canais especializados, acesso a internet e equipamentos mais acessíveis, essa visão está mudando.

Temos amadores produzindo conteúdos maravilhosos, profissionais competentes na área do audiovisual, escaladores experientes e muita vontade de fazer grandes filmes. Com mais incentivo governamental a cultura e a criação de leis e editais que viabilizem os projetos, a produção de filmes ao ar livre no Brasil certamente se tornará referência internacional.

No Rio de Janeiro há uma certa divisão entre montanhistas que fazem parte de clube e as que não fazem parte. Qual a sua opinião a respeito disso?

Os clubes de montanhismo sempre foram a principal fonte formadora de montanhistas no Rio de Janeiro. Além de serem os responsáveis por organizar, divulgar e cuidar do esporte por quase um século, os clubes foram formadores de alguns dos escaladores mais importantes do nosso montanhismo.

Grande parte dessa história está registrada em boletins, fotografias e livros que ficam arquivados nesses clubes e que hoje servem de material de pesquisa para diversos filmes, livros e exposições.

Foto: Arquivo Pessoal                                       Seblen Mantovani

Cerro Torre à Tarde | Foto: Seblen Mantovani

Hoje em dia existem diversas escolas privadas de guias profissionais capacitados a dar aulas e formar escaladores, e isso é muito bom para o esporte, mas infelizmente ainda é muito comum ver escaladores independentes que mal sabem montar um rapel seguro ou fazer um nó prussik.

O esporte está crescendo muito e o numero de escaladores independentes parece estar cada vez maior em comparação com os clubes. A escalada de hoje parece estar cada vez mais focada em escaladores esportivos e de boulder, enquanto que o montanhismo tradicional continua muito forte nos clubes e isso é muito importante para a preservação do esporte.

Com a alavancada do nível técnico nos últimos anos, os escaladores de clubes também passaram a buscar as academias indoor da cidade, que antes eram frequentadas basicamente pela galera independente. Esse contato está transformando esses muros em ambientes sociais e fazendo com que a interação entre os diversos praticantes seja muito saudavel para o esporte.

Maioria dos filmes e séries produzidos com temática outdoor se passam no Rio de Janeiro. Você acredita que isso esteja prejudicando o crescimento do gênero no Brasil? Porque?

Eu não acredito que isso prejudique o crescimento do gênero outdoor no Brasil. O Rio de Janeiro ainda tem a maior concentração de montanhistas do país e continua sendo o maior produtor da industria de audiovisual brasileira, por isso acho normal que a maioria das produções esteja aqui. Outra coisa que talvez colabore para a diferença nos números de produção seja o acesso as montanhas e ao mar.

Foto: Arquivo Pessoal                                       Seblen Mantovani

Dent du Geant | Foto: Arquivo Pessoal Seblen Mantovani

O Rio de Janeiro é cercado de montanhas de fácil acesso, além de ter grande parte da cidade à beira mar. Eu, por exemplo, levo 15 minutos a pé da minha casa até a Urca, onde posso escalar uma via ou remar de canoa havaiana antes de ir para o trabalho.

Esse acesso facilitado talvez viabilize um numero maior de produções outdoor. A cidade tem acesso fácil para a prática de muitos esportes ao ar livre como escalada, B.A.S.E. Jump, highline, mountainbike, surf, canoa havaiana, caiaque etc…

Acredito que o numero de produções feitas em outros estados ainda crescerá muito por conta do crescimento dos esportes ao ar livre e do surgimento de novos canais, festivais e sites dedicados ao assunto.

Que tipo de projeto de filme outdoor no Brasil você gostaria de assistir?

Não sei se existe algum projeto específico que eu gostaria de assistir, mas gosto muito dos projetos voltados à escalada alpina e tradicional. Acho que hoje em dia a escalada está muito focada na esportiva ou no boulder.

Gosto de ver projetos que mantém viva a aventura das escaladas de comprometimento em montanhas remotas. Filmes com essa temática certamente me interessam.

O montanhismo no Brasil possui pouca projeção. Quais seriam as coisas que faria o esporte crescer no Brasil?

Acho que se compararmos com países europeus, alguns com quase trezentos anos de história no montanhismo, ou com os EUA, o Brasil ainda parece ter um montanhismo de pouca projeção, mas em termos técnicos, éticos e de escaladas de qualidade eu acho que estamos caminhando a passos largos.

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Psocobloc em Donsai | Foto: Arquivo Pessoal Seblen Mantovani

Além de montanhas e setores de alta qualidade, temos escaladores muito fortes e experientes em todas as áreas do montanhismo.

Os escaladores esportivos das novas gerações estão escalando cada vez mais forte e os veteranos continuam mostrando a força do montanhismo brasileiro no mundo. Nos últimos anos tenho viajado muito para escalar ou para filmar o “Montanhistas” e a maioria dos escaladores que conheço já ouviu falar do Brasil e da capacidade dos nossos escaladores.

Sempre me perguntam sobre a Serra do Cipó, Salinas ou sobre as conquistas do Serginho Tartari e do Alexandre Portela. Um dia desses comprei um guia escrito pela Stéphanie Bodet e pelo Arnaud Petit com 100 escaladas lendarias que eles fizeram pelo mundo e não me surpreendeu ver que pelo menos cinco ou seis delas estão no Brasil.

Acho que talvez o que interpretamos como pouca projeção seja o número ainda reduzido de produções outdoor no país. Os EUA têm uma grande cultura audiovisual e divulgam muito o esporte através de personagens emblemáticos fazendo escaladas sensacionais.

Acho que o numero muito maior de produções outdoor no exterior, e o incentivo que eles dão aos esportes como um todo, as vezes nos faz crer que o montanhismo fora do país seja mais desenvolvido. Acho que o montanhismo praticado por nossos escaladores está totalmente inserido nos padrões mundiais e em alguns aspectos até melhor que o de alguns países de tradição.

O que falta para a escalada, e para a maioria dos esportes no Brasil, é estrutura e incentivo governamental para que eles possam ser praticados, reconhecidos e melhor desenvolvidos.

No Brasil está acontecendo um crescimento no número de produções em webséries. Como você visualiza este fenômeno?

A internet hoje provavelmente é o maior veículo de exibição audiovisual que existe porque permite um acesso totalmente democrático de conteúdo e isso é ótimo. Com os smartfones e tablets o espectador não precisa mais estar em casa com a TV ligada em canais especializados para assistir um vídeo de temática outdoor.

O crescimento do número de produções em webseries já é uma realidade que está mudando a forma de se ver e produzir audiovisual e isso é ótimo porque as possibilidades são infinitas.

Foto: Arquivo Pessoal                                       Seblen Mantovani

Ecrins | Foto: Arquivo Pessoal Seblen Mantovani

Os canais de TV ainda contam com um número limitado de programas que cabem dentro de uma grade diária limitada por tempo de programa ou de veiculação que as vezes pode restringir alguns tipos de projeto.

No caso das webseries o realizador pode produzir conteúdos sem limitação de minutagem que estarão disponíveis a qualquer hora na rede, e isso permite a criação de diversos tipos de conteúdo sobre diversos pontos de vista que mostram as diversas faces dos esportes de montanha e os tornam mais conhecidos e acessíveis.

Muito se fala que os escaladores são unidos. Você concorda com esta afirmação? Porque?

Sou um montanhista de clube que sempre circulou em todos os meios sociais do esporte e o que sempre vi foi uma galera muito unida. As reuniões sociais dos clubes, os muros indoor, a galera na base de uma falésia ou ao redor de um boulder sempre fez parte desse esporte que agrega e transforma o indivíduo.

Foto: Arquivo Pessoal                                       Seblen Mantovani

Genepi | Foto: Arquivo Pessoal Seblen Mantovani

É claro que em alguns momentos algumas opiniões se desencontram e algumas atitudes são equivocadas, mas isso faz parte do convívio humano.

O importante é que possamos focar nessa união para continuarmos desenvolvendo um montanhismo ético, cuidadoso com o meio ambiente e focado em deixar o exemplo para as gerações futuras de que os limites sempre poderão ser superados e as aventuras sempre poderão ser vividas dentro da ética do esporte e sem a depredação das nossas montanhas.

Foto: Arquivo Pessoal                                       Seblen Mantovani

Foto: Arquivo Pessoal Seblen Mantovani

Foto: Arquivo Pessoal                                       Seblen Mantovani

Cerro Torre | Foto: Seblen Mantovani

There are 2 comments

  1. Juca

    Excelente e muito elucidativa a entrevista. Ainda vejo esse esporte com poucos praticantes (talvez em função dos custos) e quase nenhuma divulgação no país, então iniciativas assim , produções áudio visuais, canais de tv, links na internet, publicações e entevistas como essa, com um montanhista experiente e um grande profissional da fotografia, sempre será bem vinda e aceita, pra ajudar na divulgação, no conhecimento do esporte e é claro, nas belas imagens que podemos assistir. Parabéns à todos!

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