No universo de esportes de montanha há uma atenção demasiada a alguns atletas, e o esquecimento das pessoas que fazem parte do todo e que constroem a identidade real do esporte.
“Escondida” no Planalto Central brasileiro está a simpática e inteligente escaladora Luisa Resende, que se dedica não somente de corpo e alma ao esporte, mas também procura ser mais engajada e sempre busca fazer a diferença dentre os demais.
Por ser indicação frequente para ser entrevistada, a Revista Blog de Escalada a procurou para uma entrevista e foi presenteado com respostas inteligentes e bem diretas.
Luisa, fosse possível definir o perfil de um escalador típico do Cerrado, qual seria?
Não sei se existe um perfil… talvez um estereótipo!
Quando fui escalar em São Paulo me perguntaram se era aqui que a gente escalava todo mundo junto, a noite. Hahahaha Sim… é aqui mesmo.
Agora falando do perfil de estilo de escalada… temos escaladores e escaladoras muito fortes e muito completos, que escalam de tudo.
Mas fazendo uma média entre os praticantes de Brasília e Goiânia, diria que o perfil é mais boulderista mesmo!
O pico mais difundido e conhecido é Cocalzinho de Goiás, e o boulder deve ser a modalidade praticada pelo maior número de pessoas.
Somos privilegiados por ter um pico de boulder tão clássico, tão infinito e tão próximo às duas capitais.
Temos picos de vias bem consolidados e muuuito clássicos também, como o Macaco, em Cocal e o Belchior em Água Fria; a Fercal é o primeiro “campo escola”, e o pico mais perto…
A parede mais perto, acho que é em Unaí, mas já é Minas.
Fora os mais distantes e fantásticos como Terra Ronca, os nem tanto frequentados como os picos da Chapada dos Veadeiros e muitos outros que ainda não conheço, como as vias do Buraco das Araras e os boulders de Cristalina.
Opção não falta…
Muitos escaladores no Brasil se esquivam de participar de Federações ou Associações de escaladores. Na sua opinião porque isso acontece?
Sinceramente, não consigo entender porque isso acontece.
A galera da escalada ainda não se tocou que pagar uma anuidade é muito mais que contribuir com uma instituição, é contribuir com você mesmo, com o seu esporte, com os seu picos de escalada, com a sua região.
Falta senso de comunidade, falta marketing por parte dessas instituições, e principalmente, faltam pessoas dispostas a trabalhar voluntariamente.
É uma série de fatores, mas nenhum deles, nem todos juntos, justificam a falta de comprometimento individual e primário.
O mínimo que cada um pode fazer pelo esporte é pagar essas instituições…
Só assim a escalada pode se desenvolver com qualidade e, principalmente, com segurança.
O papel político e social que as associações e federações tem não é reconhecido, o que é bem triste, e desestimula as pessoas que fazem parte da gestão.
Pelo menos é que acontece aqui, ter que cobrar a anuidade dos amigos, ter que ficar colocando aquela vibe eterna em algo que é de todos, mas que não é encarado como tal, desgasta muito.
O poder que temos em nossas mãos é imenso, poderíamos ter um abrigo em cada pico, ter projetos sociais incríveis. A falta desse envolvimento da comunidade é a barreira para a evolução consciente da escalada.
Algumas escaladoras no Brasil reclamam que a escalada é um esporte machista. Você concorda com esta afirmação? Por que?
Sim. A escalada é um esporte machista.
A sociedade brasileira é machista. O mundo é machista. Até eu posso ser machista sem perceber…
Machismo, para mim, não está relacionado a quantidade de mulheres que escalam que, graças a Deus, só tem aumentado.
É algo que tem a ver com territorialismo, competição de egos e diversos outros fatores subjetivos… Pergunta polêmica! Hahaha
Um fato bobo que ilustra bem esse machismo, de forma simplista, mas clara, é quando o boulder coincidentemente é decotado após uma cadena feminina. Hahahaha..
Isso acontece… E todos sabem.
O único trabalho que já li sobre questões de gênero e corpo na escalada é do Roberto Lima, escalador que atualmente mora em Goiânia.
O artigo dele se chama “ON THE ROCKS: corpo e gênero entre os escaladores do Paraná“, só dar um Google no título para achar. ;)
Você é adepta ao veganismo. Porque optou por este estilo de vida?
Essa decisão foi tomada há muitos anos, em 2006, eu acho. Foi uma série de percepções que me levaram a isso.
Resumindo, acredito no veganismo como uma forma de reconhecer a integridade e o direito à vida de todos os seres, sem falar dos benefícios para o nosso corpo e, mais importante, para o espírito.
Quando comecei a escalar, algumas pessoas me questionavam se seria possível ter ganho de força sem a proteína da carne, e isso me deixou preocupada.
Então, comecei a pesquisar e constatei que era totalmente possível.
Encontrei atletas veganos de alto desempenho, entre eles o brasileiro Daniel Meyer, e a inspiração de vida e de escalada: Steph Davis.
Quem não conhece, vale a pena entrar no site, vários betas e muitas receitas: http://www.highinfatuation.com
Muitos lugares de escalada foram fechados por mau comportamento de escaladores. Na sua opinião, porque é tão difícil este tipo de problema acabar?
Não acho que isso seja difícil de acabar.
O que considero difícil é os escaladores e escaladoras começarem a entender, a participar e a assumir a parte política dessa atividade.
Isso, na minha opinião, está diretamente relacionado à falta de empenho e envolvimento dentro das associações e federações, tem a ver com a segunda pergunta que você fez.
Quem não se organiza, perde.
Reclamação e sugestão é mato, mas comprometimento com todo e não só com a evolução individual é algo que eu realmente espero e desejo muito que aconteça em 2015.
Se cada um fizer um pouquinho ninguém fica sobrecarregado e sem tempo, e tudo flui.
Como é a vida de um escalador que mora em Brasília?
A vida é babilônica, como em qualquer cidade: estudar, trabalhar e, para alguns, treinar no ginásio… Cada um na sua correria.
Temos o privilégio de ter Cocal a 100 km e a Fercal a menos de 50 km, para as escaladinhas express.
Mas o bom mesmo é passar o final de semana escalando, seja boulders em Cocal ou boulders mais vias no Macaco no dia seguinte, ou passar os dois dias nas vias do Belchior.
A melhor parte da vida de um “escalador urbano” é ter os dois dias livres para ir para pedra, pelo menos para mim!
Fosse possível dar um recado a pessoas que não conhecem os melhores lugares de escalada próximo a Brasilia qual seria o seu recado?
Não percam tempo.
E protejam o nosso cerrado!
Formado em Engenharia Civil e Ciências da Computação, começou a escalar em 2001 e escalou no Brasil, Áustria, EUA, Espanha, Argentina e Chile. Já viajou de mochilão pelo Brasil, EUA, Áustria, República Tcheca, República Eslovaca, Hungria, Eslovênia, Itália, Argentina, Chile, Espanha, Uruguai, Paraguai, Holanda, Alemanha, México e Canadá. Realizou o Caminho de Santiago, percorrendo seus 777 km em 28 dias. Em 2018 foi o único latino-americano a cobrir a estreia da escalada nos Jogos Olímpicos da Juventude e tornou-se o primeiro cronista esportivo sobre escalada do Jornal esportivo Lance! e Rádio Poliesportiva.