Entrevista com Jimerson “Jimão” Rangel Marta

Costuma-se dizer que a vida começa aos 40, mas a idade ainda é cercada de vários tabus e preconceitos.

Muitos deles de pessoas que acham que viver intensamente é o mesmo do que viver muito.

Fosse necessário apontar um exemplo de que é possível escalar em alto nível aos 40 anos o gaúcho Jimerson Rangel Marta, conhecido popularmente como Jimão, encaixaria perfeitamente no modelo de que quarentões escalam forte.

Jimão já realizou ascenções que muitas pessoas mesmo com metade de sua idade não chegaram nem perto: “Olho de Tandera”(10a) na Serra do Cipó, “Sombra e Escuridão karma” (11a) , “Disciplina não ter Jedi Nunca Será”( 11a ) e “Retorno de Jedi” (11a) em Caxias do Sul.

Ele foi o primeiro a ter um muro de escalada em caxias do sul, tendo como pupilos Thiago Bahlen e Vini Todero (primeiro brasileiro a mandar 10c avista).

Com tantas marcas importantes, e um currículo impecável, Jimão dispensa grandes apresentações.

Leia abaixo a entrevista da lenda, e do mito, Jimerson Rangel Marta.

Foto acima: Ricardo Bellini

Jimão, você é um dos precursores da escalada no Rio grande do Sul. Mesmo com mais de 40 anos escala vias acima de 9º. O que isso representa para você?

Jimão com seu aluno Vandre. Foto: Ricardo Belini

Jimão com seu aluno Vandre. | Foto: Ricardo Belini

Desde que conheci a escalada em 1989, minha vida foi praticamente direcionada exclusivamente para este esporte.

Tudo o que comecei a fazer então, sempre tinha a ver com o treino, utilizei vários outros esportes para melhorar meu desempenho, mudei a alimentação e neste período todo fui adaptando meu corpo da melhor maneira, para que houvesse um ótimo resultado na escalada.

Então, o que representa para mim, é que todo o meu esforço neste período está tendo rendimentos positivos até o momento e o fato de fazer vias de grau alto é porque o desafio é como um alimento, que me satisfaz a cada nova conquista.

Você foi uma das primeiras pessoas a ter um muro de escalada no estado. Hoje estão abrindo muitas academias pelo Brasil. Você acredita que isso pode fazer o esporte crescer? Por quê?

O fato de eu construir meu primeiro muro (localizado na antiga casa do meu avô) foi com o objetivo de reunir os amigos e como forma de treinamento.

Desde então, a vontade de mostrar a escalada a todos começou a emergir. E com isto, sim, acredito que quanto mais academias como a V10 – GINÁSIO DE ESCALADA (ginásio o qual sou sócio) surgirem, mais pessoas apreciadoras deste esporte se juntarão a nós.

Gostaria de acrescentar também, que todos os ginásios, muros e academias que tivemos em Caxias do Sul, foram verdadeiras ESCOLAS de escalada, onde o aluno recebe a atenção e orientações necessárias para que se torne também um amante deste esporte.

Primeiro muro Indoor, dentro de casa

Primeiro muro Indoor, dentro de casa | Foto: Acervo Pessoal Jimão

Você está com um ousado projeto de alguns 11º graus. Como está seu treinamento para realiza-lo?

Sim, estou. A via que estou tentando agora, juntamente com meu amigo e sócio, Dioni Capellari, chama-se “JEDI PRA SEMPRE”, acreditamos que seja o primeiro 11b/c de Caxias do Sul e região.

Comecei há pouco tempo, a praticar também a escalda em boulders, que não era minha especialidade, mas sinto que estou tendo uma grande evolução para as vias esportivas. Recentemente fiz um V8 e um V10 na mesma tarde, o que para mim foi incrível e motivou bastante, meu primeiro V10 aos 42 anos de idade.

Então meu treino atual é praticar mais estilos de escalada, ou seja, os mais importantes para mim, que são vias esportivas de alta graduação e agora os boulders, que é uma nova paixão e complemento para o treino (principalmente na Gruta da Terceira Légua).

Na parte indoor, treino no nosso muro, na V10 – GINÁSIO DE ESCALADA, minha série se resume a treinos de resistência: 1000 movimentos sem descanso e às vezes 100 movimentos com peso, boulders em muro, alongamentos específicos, comer muito, dormir muito e um banho frio todos os dias! (risos)

Foto: Carin Marchiorato

Foto: Carin Marchiorato

Desde que você começou até o momento, o que acha que mudou na escalada no Rio grande do Sul?

Certamente o número de praticantes da escalada aumentou consideravelmente.

No ano passado tivemos o recorde de 67 alunos matriculados em um mês em nosso ginásio, outra observação é que o número de mulheres escalando quase se iguala ao número de homens hoje, pois antigamente existia certo receio ou preconceito delas na prática dessa modalidade.

Também o nível de dificuldade das vias esportivas aumentou ao mesmo tempo em que cresceu o número de escaladores fortes.

Antigamente a escalada era vista como uma brincadeira e não como um trabalho ou estilo de vida, porém hoje isso mudou, e graças ao esforço e a persistência de todos agora é considerado um esporte de verdade, podendo-se viver da escalada, ainda que de forma mais modesta.

Foto: Ginásio On Sight

Foto: Daniela Borges

Até qual idade pretende continuar escalando em alto grau? Por que?

Como mencionei em uma das perguntas anteriores, a escalada para mim é como um alimento e certamente não tenho um limite para idade.

Há dez anos, quando pensei que não poderia evoluir mais, encadenei meu primeiro 10° grau, que foi a via “ARMAGEDON UPGRADE EXTENSION”, em seguida vieram outras, mais alguns décimos e quando decidi tentar meu primeiro 11a, ouvi dizer que existiam escaladores que demoravam até um ano para encadenar uma via dessas e achei estranho, mas aí entendi o porque: levei 1 ano e 8 meses para vencer este obstáculo, porém logo em seguida foram mais duas vias do mesmo grau, que me tomaram menos tempo que a primeira.

Foto:  Thaís Souza

Foto: Thaís Souza

As três vias esportivas mais difíceis que realizei foram: “Disciplina não ter, Jedi nunca será” – 11a (primeiro 11a do Brasil, aberta e feita pelo escalador Vinicius Todero em 2006), “Retorno de Jedi” – 11a, e “Sombra e Escuridão Karma”, que antes era um 10c e com a quebra de algumas agarras, acreditamos que se tornou outro 11ª. As três vias estão localizadas próximas a minha casa, na Gruta da Terceira Légua, em Caxias do Sul.

Tenho uma regra na escalada esportiva que é sempre ter um novo projeto, de preferência mais difícil que o anterior. Atualmente estou tentando duas vias, um 10c e um 11b/c.

O que vou falar agora acho que todos os escaladores já sentiram – quando se quer algo de verdade não tem como não alcançarmos o objetivo almejado.

A cada dia que enfrentamos os obstáculos sentimos que podemos superá-lo, e é isso o que nos faz seguir tentando, então para mim a idade não importa nada!

O que importa é que tudo o que faço, faço de coração e sempre com um sorriso no rosto.

Foto: Ginásio On Sight

Foto: Daniela Borges

Muitas pessoas avaliam o valor do escalador pelo grau escalado. Qual a sua opinião a respeito disso?

Minha opinião é que a dificuldade é igual para todos, independente do seu projeto, e o que diferencia um escalador do outro é a sua disciplina e não o grau encadenado.

Quais foram as pessoas que mais inspiraram você para chegar ao nível que está escalando hoje?

Certamente todos os alunos, amigos e pessoas que conviveram comigo neste tempo.

Mas sem esquecer um grande escalador que me inspirava pela sua força e por ser o grande responsável pelo surgimento de vias cada vez mais difíceis – Wolfgang Gullich, esse cara era sinistro!

Se fosse para você eleger quais os melhores lugares para escalar, quais seriam eles?

Para mim o mais importante não é o lugar, mas o desafio que CADA lugar proporciona.

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